Acórdão nº 452/06 de Tribunal Constitucional (Port, 12 de Julho de 2006
Data | 12 Julho 2006 |
Órgão | http://vlex.com/desc1/2000_01,Tribunal Constitucional (Port |
ACÓRDÃO N.º 452/2006
Processo nº 309/2006
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Secção
Relatora: Conselheira Maria Fernanda Palma
Acordam na 2ª Secção do Tribunal Constitucional
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Nos presentes autos de fiscalização concreta da constitucionalidade, vindos do Tribunal da Relação de Évora, em que figura como recorrente A., Lda., e como recorrido o Ministério Público, o tribunal a quo proferiu o seguinte acórdão:
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Relatório:
“A., L.da”, matriculada na Conservatória do Registo Comercial de Lisboa sob o n.° 12.659, titular do cartão de identificação de pessoa colectiva n.° 503.297.321, com sede na Rua Joaquim Bonifácio, n.° 21, 1.°, em Lisboa, impugnou judicialmente a decisão administrativa da Secretaria Geral do Ministério da Administração Interna, proferida em 24 de Março de 2004, que lhe impôs a coima de € 4.987,98, por cada uma das quatro contra-ordenações praticadas pela referida sociedade, previstas e punidas pelas disposições conjugadas dos arts. 9.º, n.° 1 e 31.º. n.° 1, al. g) e n.° 2, al. c), ambos do Decreto-Lei n.° 23 1/98, de 22-07, e a coima única de € 5.237,38 (cinco mil duzentos e trinta e sete euros e trinta e oito cêntimos).
Por sentença proferida em 20-12-2004 (cfr. fls. 185 a 191 dos autos), foi a impugnação julgada totalmente improcedente e mantida, nos seus precisos termos, a decisão administrativa recorrida.
Inconformado com a decisão, dela recorreu a arguida, extraindo da respectiva motivação as seguintes conclusões:
A) Do ponto de vista jurídico, o presente processo carece de fundamento;
B) Na altura da prática dos factos, a actividade de vigilância privada estava regulada pelo Decreto-Lei 231/98, de 22 de Julho, com as alterações do Decreto-Lei 94/2002, de 12 de Abril;
C) De acordo com o artigo 9.° do diploma mencionado na alínea anterior, os vigilantes teriam que ser titulares de cartão profissional, com autenticação condicionada à comprovação pela Secretaria Geral do Ministério da Administração Interna, dos requisitos enunciados no art. 7.º do Decreto-Lei 231/98, de preenchimento cumulativo;
D) O objectivo do cartão profissional é garantir que o seu portador deu cumprimento a todos os requisitos legais previstos no artigo 7.° do referido diploma;
E) A disposição do artigo 9.°, n.° 2, integra uma condição suspensiva: o cartão profissional só seria emitido desde que fossem comprovados os requisitos referidos no artigo 7.°;
F) Entre ambas as normas há uma relação de dependência material e funcional, uma evidente relação de instrumentalidade, pois a norma que enumera os requisitos (declarada inconstitucional) toma exequível o artigo 9.°;
G) O Acórdão 255/2002 do Tribunal Constitucional declarou a inconstitucionalidade orgânica com força obrigatória geral do normativo do artigo 7.°, n.° 1, alíneas a) a h) e n.° 2, alíneas a) e b) do Decreto-Lei 23 1/98, de 22 de Julho;
H) O efeito jurídico da declaração de inconstitucionalidade da norma, quer seja orgânica ou material, é a sua nulidade;
1) Se a emissão do cartão está condicionada à comprovação dos requisitos enunciados no artigo 7.°, declarada a inconstitucionalidade desta norma, existe uma impossibilidade legal de verificação do facto condicionante;
J) Em conformidade, se a emissão do cartão profissional não pode ficar subordinada a uma condição legalmente impossível, o artigo 9.° não se mantém plenamente em vigor na nossa ordem jurídica (abrangendo o período de tempo a que se reportam os factos no caso sub iudice);
K) O Tribunal a quo ao considerar que o artigo 9.° não está ferido de qualquer irregularidade, considerando manter-se em vigor, violou normas gerais do Direito (com referência ao artigo 271.° do Código Civil);
L) O Tribunal a quo condenou a Arguida/Recorrente, considerando que se mantém em vigor a norma do artigo 9.°, n.° 1, “só não sendo exigível para a concessão do cartão profissional a verificação dos requisitos do artigo 7.° (declarado inconstitucional);
M) A punição da contra-ordenação é determinada pelo conjunto normativo definidor do regime da infracção: art. 7.°, artigo 9.° e artigo 31.°, n.° 1, alínea g), todos do Decreto-Lei 231/98;
N) Não existe negação do bem jurídico que a contra-ordenação visava proteger - exercício da actividade de segurança privada por indivíduos que cumprissem os requisitos legais previstos no artigo 7.° do Decreto-Lei n.° 231/98 -, já que a respectiva previsão normativa é inconstitucional;
O) Não estando verificados todos os elementos referentes ao tipo legal da infracção, não existe adequação do caso concreto à situação abstracta prevista na lei (que é, como se viu, vaga e imprecisa);
P) Aliás, com a declaração de inconstitucionalidade do artigo 7.° do Decreto-Lei 231/98, e até à entrada em vigor do Decreto-Lei 3 5/2004, subsistiu um vazio legal, não sendo obrigatório a titularidade de cartão profissional para o exercício da segurança privada;
Q) Considerando o conjunto normativo referido em M), o Tribunal a quo deveria ponderar qual o regime mais favorável à Arguida/Recorrente, considerando também as Leis feridas de inconstitucionalidade e as respectivas normas instrumentais;
R) Ao não realizar todo o processo lógico e dedução supramencionado, confirmando a decisão da entidade administrativa recorrida e assim baseando a sua decisão, o Tribunal a quo violou as normas referentes à determinação do tipo legal da contra-ordenação e do artigo 29.° da Constituição da República Portuguesa;
S) Em conformidade, conclui-se que nenhuma infracção praticou a Arguida por desrespeito das normas invocadas, pelo que deve a mesma decisão ser revogada, com a correspondente absolvição
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O Digno Procurador Adjunto do Tribunal de 1.ª Instância apresentou resposta à motivação do recurso, concluindo no sentido de dever ser negado provimento ao recurso.
Nesta Relação, o Digno Procurador Geral Adjunto, louvando-se na resposta do M.° Público em 1.ª Instância, emitiu douto parecer no sentido da total improcedência do recurso.
Cumprido o disposto no n.° 2 do art. 417.° do Código de Processo Penal, o arguido-recorrente respondeu nos termos que constam de fls. 251 a 254, onde, a par dos novos fundamentos de direito que expôs, reafirmou os fundamentos do recurso interposto.
Efectuado o exame preliminar, colhidos os vistos legais e realizada a audiência de julgamento, cumpre agora apreciar e decidir.
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Fundamentação:
II.1. Na sentença recorrida, foram dados como provados os seguintes factos:
1. No dia 23/1/2002, pelas 14 horas e 45 minutos, no âmbito de uma acção de fiscalização à actividade da arguida “A., Lda.”, no hipermercado “B.”, em Santarém, foi levantado o auto n.° 212/02, que se encontra a folhas 1, cujo teor se dá por reproduzido, por o autuante ter verificado que era exercida a actividade de segurança privada, em nome e por conta da arguida, por quatro vigilantes, C., D. e E., melhor identificados no referido auto, sem que fossem titulares dos necessários cartões profissionais devidamente autenticados pela Secretaria-Geral do Ministério da Administração Interna.
2. No dia 13/9/2002, pelas 11 horas e 30 minutos, no âmbito de uma acção de fiscalização à actividade da arguida “A., Lda.”, no interior da obra em construção “F.”, sita no Largo …, em Santarém, foi levantado o auto n.° EIC/553/02, que se encontra a folhas 20, cujo teor se dá por reproduzido, por o autuante ter verificado que era exercida a actividade de segurança privada, em nome e por conta da arguida, pelo vigilante Eduardo José Mira Peixinho, melhor identificado no referido auto, sem que fosse titular do necessário cartão profissional devidamente autenticado pela Secretaria-Geral pela do Ministério da Administração Interna.
3. Os legais representantes e responsáveis pelos referidos seguranças da Arguida não tiveram o cuidado de que eram capazes e a que estavam obrigados para evitar que os mesmos exercessem a actividade de segurança privada, em nome e por conta da arguida, sem obterem previamente os necessários cartões profissionais devidamente autenticados pela Secretaria-Geral do Ministério da Administração Interna, tendo actuado sem representarem sequer como possível que tal ocorresse.
4. A Arguida tem como objecto social a actividade de segurança privada, elaboração de estudos de segurança, instalação e manutenção de material e equipamentos de segurança, protecção de bens móveis e imóveis, transporte, guarda e tratamento de fundos e valores, fabrico e comercialização de material de equipamentos de segurança, bem como a elaboração dos regulamentos técnicos, instalação e gestão de centrais de alarme, vigilância e controlo de pessoas em instalações, edifícios ou recintos fechados nos termos da lei ao público em geral e formação de pessoal de vigilância.
5. A Arguida tem 780 vigilantes como empregados seus, atravessando dificuldades económicas.
6. A Secretaria Geral do Ministério da Administração Interna aplicou à Arguida, pela pratica dos factos referidos em 11.1.1 a 11.1.3, por decisão proferida em 24/3/2004, a coima única de 5.237,38 euros
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Relativamente aos factos não provados, consignou-se:
Não se provaram os seguintes factos, de entre os factos constantes da decisão administrativa recorrida e da petição do recurso, acima não descritos e contrários aos factos dados como provados supra enunciados;
- Que os legais representantes e responsáveis pelos referidos seguranças da Arguida soubessem que os mesmos exerciam a actividade de segurança privada, em nome e por, conta da arguida, sem obterem previamente os necessários cartões profissionais devidamente autenticados pela Secretaria-Geral do Ministério da Administração Interna, tendo actuado querendo que tal acontecesse
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O tribunal fundou a sua convicção quanto aos factos provados nas declarações que a legal representante da Arguida prestou em audiência de julgamento, a qual designadamente prestou declarações sobre a composição e situação económica da Arguida no sentido dos factos provados, declarando que a Arguida tem 780 vigilantes como empregados seus, e que no exercício de 2003 a...
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