Acórdão nº 415/06 de Tribunal Constitucional (Port, 11 de Julho de 2006

Magistrado ResponsávelCons. Moura Ramos
Data da Resolução11 de Julho de 2006
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO N.º 415/2006

Processo nº 300/06

  1. Secção

Relator: Conselheiro Rui Moura Ramos

Acordam, em conferência na 1ª Secção do Tribunal Constitucional

  1. A., S.A., recorrente no presente recurso de constitucionalidade, notificada da decisão sumária de fls. 1414/1425, veio reclamar para a conferência, nos termos do artigo 78º-A, nº 3 da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro (LTC), apresentando a fundamentação que, nos seus traços essenciais, aqui se transcreve:

    “[…]

    1. Entende a ora reclamante que, ao procurar determinar os termos em que a inconstitucionalidade normativa foi suscitada pela mesma nas conclusões apresentadas nas suas alegações de recurso para o Tribunal da Relação do Porto, o […] Conselheiro Relator adoptou […] um entendimento de tal forma estreito, que acabou por considerar que, nas conclusões dessas alegações, a Reclamante não suscitou qualquer questão de inconstitucionalidade normativa pondo apenas em causa a violação pela decisão tomada em 1ª instância de normas e princípios constitucionais […].

    3. Porém, entende a ora Reclamante que este modo de ver não corresponde, nem ao texto, nem ao contexto, da alegação produzida junto do Tribunal da Relação do Porto, e muito menos atende à forma como em concreto esse mesmo Tribunal a quo enfrentou os problemas de desconformidade constitucional suscitados na alegação da ora Reclamante.

    4. Ainda assim, das passagens transcritas […] e também das que resultam de todo o acórdão, resulta claro que o Tribunal a quo entendeu e considerou a questão da desconformidade constitucional da norma constante do artigo 109º, nº 1 do [Código Penal] suscitada.

    […] [F]oi suscitada pela recorrente uma questão de inconstitucionalidade, não de uma sentença, mas da interpretação de uma norma que essa sentença veio a acolher […]

    9. Mesmo que se entenda, sem conceder, que a […] Reclamante não se exprimiu, nesse contexto, do modo considerado mais adequado, a verdade é que resulta claro das alegações de recurso, da decisão do Tribunal a quo e do requerimento de interposição do recurso para o Tribunal Constitucional, que foi suscitada a questão da desconformidade constitucional da norma constante dos nºs 1 e 2 do artigo 109º do [Código Penal], do nº 1 do artigo 666º do Código de Processo Civil e dos artigos 8º, alínea a) e 9º do DL nº 28/84, de 20 de Janeiro, quando interpretada e aplicada nos termos em que o foi pelo Tribunal de Sabrosa e pelo Tribunal a quo. Ao ser considerado aceitável e válido, face a esses normativos, diligências judiciais posteriores ao trânsito em julgado de uma sentença judicial, que envolvem recolha de prova e diminuição de direitos e garantias dos cidadãos, fora de um processo judicial em tribunal, permitindo dar por provado aquilo que numa audiência de julgamento não o tinha sido, não pode oferecer dúvidas que a interpretação das normas em causa, sufragada pelo Tribunal a quo, importa a violação do disposto nos artigos 29º, nº 5, 30º, nº 4, 32º, nº 5 e 62º da Constituição […].

    10. […] [A] ratio decidendi do Tribunal a quo é verdadeiramente a interpretação das normas constantes dos nºs 1 e 2 do artigo 109º do [Código Penal], do nº 1 do artigo 666º do Código de Processo Civil e dos artigos 8º, alínea a) e 9º do DL nº 28/84 […], segundo as quais, mesmo após o trânsito em julgado de uma sentença judicial, é possível, fora de um processo judicial e longe das garantias específicas que enformam o processo criminal (verdadeira Constituição aplicada), ao juiz ordenar diligências de prova e dar por provado aquilo que anteriormente dera por não provado, e que já transitara em julgado, mesmo que isso implique a perda de direitos fundamentais. E na perspectiva do Tribunal, a própria limitação legal prevista no artigo 666º do CPC seria ultrapassada desde que o juiz fizesse constar da sua sentença que continuaria a ter poderes mesmo após o seu transito em julgado – o que, salvo o devido respeito, […] viola todo o raciocínio jurídico de quem faz parte e deseja um verdadeiro Estado de direito democrático.

    12. […] [A]legando [refere-se a Reclamante à fundamentação da decisão sumária] que não se aceita a forma como as conclusões de uma alegação estão redigidas é, salvo o devido respeito, denegação de justiça! De facto, suscitar a inconstitucionalidade de uma norma durante o processo – no «entendimento funcional» que o Tribunal há muito consolidou a propósito – significa invocar essa desconformidade na Constituição reportada a normas concretas, «antes de proferida a decisão de que se recorre e, em termos de o tribunal recorrido ficar a saber que tem que a decidir»; ora tal foi observado criteriosamente.

    13. Entende, por isso, a [...] Reclamante, que a douta decisão do [...] Conselheiro Relator deverá ser revista em conformidade, e substituída por outra que – admitindo o recurso para o Tribunal Constitucional e decidindo tomar conhecimento do objecto do mesmo – circunscreva a questão de constitucionalidade a apreciar [...] à conformidade das normas constantes dos nºs 1 e 2 do artigo 109º do [Código Penal], do nº 1 do artigo 666º do Código de Processo Civil e dos artigos 8º, alínea a) e 9º do DL nº 28/84, de 20 de Janeiro quando interpretada e aplicada nos termos em que o foi pelo Tribunal de Sabrosa e pelo Tribunal a quo, de forma a permitir considerar que, mesmo após o trânsito em julgado de uma sentença judicial, é possível, fora de um processo judicial e longe das garantias específicas que enformam o processo criminal (verdadeira constituição aplicada), ao juiz ordenar diligências de prova e dar por provado aquilo que anteriormente dera por não provado, e que já transitara em julgado, mesmo que isso implique a perda de direitos fundamentais.

    [...]”

    [transcrição de trechos constantes de fls. 1429, 1430, 1432, 1433, 1435 e 1436]

    A esta reclamação respondeu, a fls. 1439/1440, o Ministério Público, aqui recorrido, pugnando pela confirmação da decisão sumária.

    É a seguinte a fundamentação constante da decisão objecto da presente reclamação:

    “[…]

    1. A., S.A., recorrente no presente recurso de constitucionalidade (empresa que adiante será referida como Cálem), foi sujeita a julgamento em processo crime (cfr. artigo 3º do Decreto-Lei nº 28/84, de 20 de Janeiro, diploma respeitante às "Infracções Anti-Económicas e Contra a Saúde Pública", doravante designado DL 28/84) no Tribunal Judicial da Comarca de Sabrosa, conjuntamente com um seu Administrador, enquanto seu representante, acusados, ela e este, da prática:

    “[…]

    de um crime «contra a genuinidade, qualidade ou composição de géneros alimentícios e aditivos alimentares», referente a género («Vinho do Porto») «falsificado» (crime p. e p. pelo artigo 24º, nº 1, alínea a), com referência ao conceito do artigo 82º, nº 2, alínea a), ambos do DL 28/84);

    e de um crime de «violação de normas sobre declarações relativas a inquéritos, manifestos, regimes de preços ou movimento das empresas» (crime p. e p. pelo artigo 34º, nº 2 do DL 28/84, com referência aos artigos 10º do Decreto-Lei nº 513-D/79, de 24 de Dezembro, 1º e 5º da Portaria nº 265/84, de 24 de Abril e 4º do Regulamento CEE nº 3929/87, de 17 de Dezembro).[…]”

    Culminando tal julgamento foi a A. condenada pelo segundo destes crimes (Sentença de fls. 1088/1112; o Administrador foi absolvido dos dois crimes e a A. do primeiro deles) na pena de 180 dias de multa (€125,00/dia, correspondente €22.500,00).

    1.1. Encontrando-se apreendidos à ordem de tal processo 495.000 litros de vinho (fls. 25), consignou-se na Sentença, a respeito deste produto apreendido, o seguinte:

    “[…]

    Cumpre-nos, por último, fazer uma pequena referência aos 495.000 litros de vinho referentes às vindimas anteriores a 1998.

    Como se extrai do teor da motivação, não ficámos convencidas quanto à «normalidade» do vinho apreendido para que este seja considerado apto a receber a denominação de origem «Vinho do Porto»; aliás, basta lê-la, na parte referente ao processo de recolha que inquinou o resultado global (do vinho no seu conjunto), para se extrair tal conclusão.

    Pelo que, atendendo aos valores supra apontados, ou seja, a confiança de quem entra em relação negocial com o agente e, reflexamente, o interesse patrimonial do adquirente ou do consumidor na autenticidade dos géneros alimentícios, não poderemos descurar tal situação; ao invés, procuraremos acautelar que tal produto não entre no mercado a...

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