Acórdão nº 366/06 de Tribunal Constitucional (Port, 21 de Junho de 2006

Magistrado ResponsávelCons. Mário Torres
Data da Resolução21 de Junho de 2006
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO N.º 366/2006

Processo n.º 1006/05

Plenário

Relator: Conselheiro Mário Torres

Acordam, em plenário, no Tribunal Constitucional,

I – Relatório

1. O Provedor de Justiça, no uso da competência prevista no artigo 281.º, n.º 2, alínea d), da Constituição da República Portuguesa (CRP), requereu ao Tribunal Constitucional a apreciação e declaração de inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, “das normas constantes do artigo 80.º, n.ºs 1 e 2, do Estatuto da Aposentação, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 498/72, de 9 de Dezembro, na medida em que não permitem a contagem da integralidade do tempo de serviço prestado, na situação em que o aposentado opta pela segunda aposentação, por violação do princípio do aproveitamento total do tempo de serviço prestado pelo trabalhador, consagrado no artigo 63.º, n.º 4, da Constituição da República Portuguesa”.

O artigo 80.º do Estatuto da Aposentação, na sua versão originária, dispunha, sob a epígrafe Nova aposentação, o seguinte:

“1 – Se o aposentado, quer pelas províncias ultramarinas, quer pela Caixa, tiver direito de inscrição nesta última pelo novo cargo que lhe seja permitido exercer, poderá optar pela aposentação correspondente a esse cargo e ao tempo de serviço que nele prestar, salvo nos casos em que lei especial permita a acumulação das pensões.

2 – Não será de considerar para cômputo da nova pensão o tempo de serviço anterior à primeira aposentação.”

O artigo 8.º, n.º 1, da Lei n.º 30-C/92, de 28 de Dezembro (Orçamento do Estado para 1993), alterou a epígrafe do referido artigo 80.º (Nova aposentação e revisão da pensão), manteve inalterados os n.ºs 1 e 2, e aditou os n.ºs 3 e 4, do seguinte teor:

“3 – Nos casos em que o aposentado opte por manter a primeira aposentação, haverá lugar à divisão da pensão respectiva, a qual só pode ser requerida depois da cessação de funções a título definitivo e é devida a partir do dia 1 do mês imediato ao da apresentação do pedido.

4 – O montante da pensão a que se refere o número anterior é igual à pensão auferida à data do requerimento multiplicada pelo factor resultante da divisão de todo o tempo de serviço prestado, até ao limite máximo de 36 anos, pelo tempo de serviço contado no cálculo da pensão inicial.”

2. Para fundamentar o pedido, o Provedor de Justiça apresenta os seguintes argumentos:

– nos termos do regime que globalmente resulta do artigo 80.º do Estatuto da Aposentação, e salvo nos casos em que lei especial permite a acumulação de pensões, o aposentado deverá, desde logo, e antes de mais, optar entre manter a primeira aposentação ou requerer a segunda aposentação, neste caso optando por esta última, e prescindindo da primeira;

– se o aposentado optar por manter a primeira aposentação, será então revista a pensão que vinha auferindo até aí, isto é, até à data da apresentação do pedido de revisão da pensão que já recebia, nos termos e através da aplicação da fórmula acolhida nos n.ºs 3 e 4 do artigo 80.º do Estatuto;

– a opção pela primeira aposentação e, consequentemente, pela percepção da correspondente pensão, já revista por aplicação da fórmula referida no n.º 4 do artigo 80.º do Estatuto, proporcionará, em princípio, a contabilização de todo o tempo de serviço – em moldes de alguma forma discutíveis, matéria em que não se entrará nesta sede – prestado pelo aposentado, quer no âmbito das funções que levaram à primeira aposentação, quer no que toca ao exercício das funções posteriores à primeira aposentação, até à data da cessação de funções a título definitivo;

– o mesmo já não sucederá se o aposentado optar pela segunda aposentação, já que, neste caso, resulta claro da lei que só relevará, para o cálculo da pensão a receber, o tempo de serviço prestado no exercício deste segundo cargo ou destas segundas funções;

– se o aposentado optar pela segunda aposentação, terá de prescindir da primeira – e da pensão que auferia a esse título –, sendo que, para cálculo da pensão a receber por via da segunda aposentação, não releva o tempo – qualquer que ele seja, pouco ou muito significativo – de serviço prestado antes do exercício das funções que propiciaram a segunda aposentação.

O Provedor de Justiça tece, depois, algumas considerações sobre o alcance do n.º 2 do artigo 80.º do Estatuto da Aposentação, referindo, nomeadamente, uma Recomendação (de que juntou cópia) que o seu antecessor naquele cargo dirigira ao Governo em 23 de Maio de 2000, aduzindo a este propósito:

“Precisamente na medida em que a Caixa Geral de Aposentações, na aplicação do normativo [o n.º 2 do artigo 80.º do Estatuto da Aposentação] às situações concretas, seguiria uma interpretação literal da norma, com isso alcançando-se situações absurdas que decerto não terão estado na mente do legislador, dirigiu o meu antecessor, com data de 23 de Maio de 2000, ao Governo, uma Recomendação (com o nº 15/B/2000), no sentido de, por via interpretativa ou, se caso fosse, através de alteração da lei, apenas não poder ser contado para efeitos da segunda aposentação o tempo de serviço prestado anteriormente à primeira e que relevou para o respectivo cálculo.

No documento em causa, de que se junta cópia, recomendou-se igualmente a adopção de medidas tendo em vista a alteração do normativo em causa, no sentido de se prever um regime excepcional para as situações dos pensionistas ao abrigo do disposto no Decreto-Lei n.º 362/78, de 28 de Novembro, e dos pensionistas de invalidez que conseguiram, posteriormente, reabilitar-se e ingressar novamente na função pública. Tal recomendação nunca viria a ser acatada pelo então Governo, nem pelos que lhe sucederam.

No entanto, e através de Despacho com data de 26 de Junho de 2003, cujo teor me foi dado a conhecer por comunicação de 27 de Junho de 2003, o então Secretário de Estado do Orçamento viria a acatar a Recomendação, apenas na parte respeitante à interpretação a conferir ao n.º 2 do artigo 80.º do Estatuto, nos seguintes termos: «No que respeita à interpretação do n.º 2 do artigo 80.º do Estatuto da Aposentação, no sentido de apenas não poder ser contado para efeitos de segunda aposentação o tempo de serviço prestado anteriormente à primeira e que relevou para o respectivo cálculo, é meu entendimento o de que, de facto, sem prejuízo da correcção jurídica e possível defesa da interpretação que tem vindo a ser seguida pela Caixa Geral de Aposentações, uma interpretação mais conforme à Constituição aponta para que se adopte a recomendação do Senhor Provedor de Justiça. Assim, e uma vez que tal interpretação cabe na letra do referido artigo 80.º, n.º 2, entendo que doravante, nas situações ainda não consolidadas na ordem jurídica, poderá passar a ser seguida, sem necessidade de qualquer alteração legislativa».

Ao que foi possível apurar, tal orientação estará a ser seguida, na prática, pela Caixa Geral de Aposentações.”

Em seguida, o requerente discorre sobre o sentido da norma do artigo 63.º, n.º 4, da CRP, considerando que “o referido preceito constitucional, embora remetendo para a lei o cálculo das pensões de velhice e invalidez, desde logo determina e impõe que, para esse cálculo, seja contabilizado todo o tempo de trabalho, mesmo que prestado em diferentes regimes”.

Após proceder a citações de doutrina e de jurisprudência (o Acórdão n.º 1016/96), o Provedor de Justiça sustenta que “[É] manifesto que as normas contidas no artigo 80.º, n.ºs 1 e 2, do Estatuto da Aposentação, acima transcritas, na situação concreta em que o aposentado opta pela segunda aposentação – se optar pela primeira aposentação, a revisão da pensão permite, na prática, à partida, a contagem de todo o tempo de serviço –, não possibilitam que seja contabilizado, para efeitos de atribuição de uma pensão de aposentação, todo o tempo de serviço prestado pelo trabalhador, até ao limite de 36 anos, ao arrepio do que se encontra estabelecido na acima identificada norma da Lei Fundamental”.

E, depois de citar também o Acórdão n.º 411/99 deste Tribunal, o requerente termina do seguinte modo:

“(...) não pode deixar de concluir-se que a não contagem da integralidade do tempo de serviço na situação em que o aposentado opta pela segunda aposentação, que resulta inequívoca dos n.ºs 1 e 2 do artigo 80.º do Estatuto da Aposentação, reforçada pela sua conjugação com os n.ºs 3 e 4 do mesmo normativo, é claramente violadora do mencionado artigo 63.º, n.º 4, da Constituição, na medida em que contraria o princípio do aproveitamento total do tempo de serviço prestado pelo trabalhador, consagrado naquela disposição constitucional.”

3. Notificado para responder, querendo, sobre o presente pedido de fiscalização abstracta da constitucionalidade, nos termos dos artigos 54.º e 55.º, n.º 3, da Lei do Tribunal Constitucional (LTC), o Primeiro-Ministro ofereceu o merecimento dos autos e solicitou que, caso o Tribunal se pronuncie pela inconstitucionalidade, utilize a faculdade de limitação dos seus efeitosapenas a partir do momento da declaração dessa inconstitucionalidade, atendendo a que a atribuição de outros efeitos produziria insegurança jurídica, poria em causa a equidade no tratamento dos destinatários das normas e o interesse público relacionado com os encargos do pagamento das pensões, já que o regime actualmente em vigor permite a opção de...

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