Acórdão nº 353/06 de Tribunal Constitucional (Port, 05 de Junho de 2006

Magistrado ResponsávelCons. Mota Pinto
Data da Resolução05 de Junho de 2006
EmissorTribunal Constitucional (Port

Acórdão n.º 353/2006

Processo n.º 616/05

  1. Secção

Relator: Conselheiro Paulo Mota Pinto

Acordam, em conferência, na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional:

  1. Relatório

    1. A., L.da vem reclamar para a conferência, ao abrigo do disposto no n.º 3 do artigo 78.º-A da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (Lei do Tribunal Constitucional), da decisão sumária de 4 de Outubro de 2005, que decidiu não julgar inconstitucional a norma do n.º 4 do artigo 678.º do Código de Processo Civil, e, consequentemente, negar provimento ao recurso interposto e, ainda, condenar a recorrente em custas, com sete unidades de conta de taxa de justiça. Tal decisão teve o seguinte teor:

      1. Nos presentes autos, A., L.da interpôs recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, ao abrigo do artigo 678.º, n.º 4, do Código de Processo Civil, do acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 12 de Outubro de 2004, que, no âmbito da acção de despejo intentada contra ela por B.e C., concedeu provimento à apelação dos demandantes e a condenou a despejar o locado.

      Por despacho de 21 de Abril de 2005, esse recurso não foi admitido no Supremo Tribunal de Justiça, nos seguintes termos:

      1. Lendo o acórdão ora junto (fls. 558), particularmente a passagem de fls. 548 – de resto, uma citação doutrinal – não se vê onde existe contradição de decisões judiciais sobre matéria nuclear relativa a factos idênticos e sobre a mesma questão essencial de direito: a indivisibilidade material da confissão.

      O que parece haver é uma diferente apreciação da prova feita pela Relação e a pretendida pela recorrente, como descreve a fls. 548/549.

      2. Independentemente da existência, ou não, de semelhante contradição de julgados, o que é inequívoco é que o valor da alçada se esgotou na Relação, como já observado a fls. 543, e reconheceu o próprio recorrente.

      Ou seja, o valor da acção é de novecentos e quarenta mil escudos, exactamente: 941.664$00, como também salientam os recorridos (fls. 556).

      3. Não cabe recurso para o Supremo das decisões de que só cabe recurso para a Relação, conforme resulta claramente da leitura do n.º 4 do artigo 678.º do Código de Processo Civil, comparando o seu texto com a parte final do n.º 2 (“é sempre admissível recurso, independentemente do valor da causa”).

      É o sentido mais correcto e adequado de interpretação da lei que colhe o apoio dos autores (Amâncio Ferreira, 5.ª edição, 2004, pág. 108); e da jurisprudência deste Tribunal (ac. de 17.XII.01, no Processo n.º 3764/01).

      O recurso, que já fora admitido com dúvidas pela Relação (fls. 469, II vol.), não é, efectivamente, de admitir.

      Termos em que, conforme aos artigos 700.º, n.º 1, alínea e), e 705.º do C.P.C., se julga findo o recurso, não se conhecendo do seu objecto.

      Deste despacho reclamou a recorrente para a conferência, que, por acórdão de 31 de Maio de 2005, confirmou o despacho reclamado e decidiu não ser admissível o recurso de revista interposto. Pode ler-se nesse aresto:

      1. O valor da acção donde emergiu a apelação a que a Relação de Lisboa concedeu provimento (fls. 401), condenou a ré a despejar o locado.

      Esta recorreu, e, na dúvida, a Relação acabou por admitir a revista (fls. 469). Considerando que o valor da acção é de 941.664$00, e o que dispõe o artigo 678.°, n.º 4, do Código de Processo Civil, o relator, cumprido que foi o artigo 704.°, n.º 1, do mesmo Código (fls. 726), decidiu sumariamente não conhecer do objecto do recurso, tudo como se explicou a fls. 565/565 verso.

      A Ré pede a intervenção da conferência (fls. 572) anunciando, desde já, o seu propósito de recorrer para o Tribunal Constitucional (ponto 15 – fls. 573).

      A autora defende o indeferimento da reclamação para a conferência (fls. 586).

      2. Em síntese, a decisão singular de que se reclama explicou (fls. 565 verso, ponto n.º 3) que não cabe recurso para o Supremo da decisão da Relação, pois esta esgotou a sua alçada.

      Justificou-se este entendimento (citando as melhores, e mais recentes, fontes doutrinais e jurisprudenciais) dizendo-se que esta limitação era a que correspondia ao sentido mais razoável da lei, sob pena de todas as questões desta natureza terem recurso para o Supremo – o que seria incomportável, garantido que foi já um grau de recurso.

      Ainda se explicou que bastaria comparar a redacção do n.º 2 do aludido artigo 678.° (“É sempre admissível recurso, independentemente do valor da causa”) com a redacção do n.º 4 em que a Ré fundamenta a admissibilidade, para se verificar a dualidade de critérios eleitos pelo legislador, diferença explicada pelo sentido de razoabilidade que se deixou enunciado.

      O sentido propugnado pela Ré, feito através do esforço literal que desenvolve repetidas vezes, ao longo do processo, desde que pediu a revista, não cabe, a nosso ver, nos parâmetros de interpretação a que manda recorrer o artigo 9.° do Código Civil. E, em bom rigor, nem sequer cabe naqueles parâmetros de forma sustentada, mesmo literalmente, quando confrontamos aqueles n.ºs 2 e 4, funcionando essa letra exactamente ao contrário.

      3. Termos em que, em conferência, se confirma o despacho de fls. 565 verso, que decidiu não ser admissível o recurso, por a decisão recorrida não o possibilitar, em razão do valor da causa, contido dentro do valor da alçada da Relação.

    2. Veio então a recorrente interpor o presente recurso de constitucionalidade, ao abrigo do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei do Tribunal Constitucional, dizendo no seu requerimento de recurso:

      A., Limitada, notificada da decisão do Acórdão proferido sobre a sua reclamação para a conferência, dele pretende interpor recurso para o Tribunal Constitucional, nos termos do artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da LTC.

      De facto, não só nos termos do artigo 704.º do C.P.C., quando convidado a pronunciar-se sobre o não conhecimento do objecto do recurso, como em reclamação para a conferência, suscitou a inconstitucionalidade da interpretação dada ao artigo 678.º, n.º 4, do C.P.C., no confronto com o artigo 754.º do mesmo, nesta última peça, como segue:

      “1. A interpretação dada ao artigo 678.º, n.º 4, do C.P.C., segundo a qual não cabe recurso para o Supremo Tribunal de Justiça das decisões de que só cabe recurso para a Relação, conforme resulta de comparação do n.º 4 com o n.º 2 do citado artigo 678.º do C.P.C., em que se diz “é sempre admissível recurso, independentemente do valor da causa” conforme terá sido decidido no processo n.º 3764/01, é inconstitucional, conforme já se defendeu em requerimento que se foi convidado a produzir, nos termos do artigo 704.º do C.P.C.

      2. Na verdade, a interpretação conforme à Constituição, tendo essa disposição do artigo 678.º, n.º 4, do C.P.C., em conta, e, ainda, o disposto nos artigos 13.º e 20.º, n.º 4, da Constituição, deve ter como pressuposto o artigo 754.º, n.º 2, ex vi artigo 722.º, n.º 1, ambos do C.P.C.

      3. E na formulação de então, dispunha o artigo 678.º, n.º 4: “É sempre admissível recurso, a processar nos termos dos artigos 732.º-A e 732.º-B, do Acórdão da Relação que esteja em contradição com outro dessa ou de diferente Relação, sobre a mesma questão fundamental de direito e do qual não caiba recurso ordinário por motivo estranho à alçada do tribunal (...)”.

      4. Portanto é exactamente a circunstância de não caber recurso ordinário por motivo estranho à alçada (artigo 678.º, n.º 4, CPC) o que permite excepcionalmente o recurso.

      5. Ora, sem qualquer referência ao valor da causa, nos termos o artigo 754.º, n.º 1, do C.P.C., cabe recurso de agravo do Acórdão da Relação de que seja admissível recurso.

      6. E nos termos do artigo 754.º, n.º 2, do C.P.C. cabe recurso (ou é admissível recurso), excepcionalmente (excepção a que alude a expressão salvo) se o Acórdão estiver em oposição com outro (…) quando não, não é admissível recurso; e não é qualquer que seja a alçada.

      7. É pois por motivo estranho à alçada – como se prevê no artigo 754.º, n.º 2, citado – que é admissível o recurso no caso dos autos, pois qualquer que fosse a alçada ele não seria de admitir, não fosse a oposição de Acórdãos – o que integra a previsão do artigo 678.º, n.º 4, do C.P.C., que deve ser interpretado como se expõe sob pena de inconstitucionalidade consistente na não aplicação, conforme com a norma do artigo 13.º da Constituição, dos critérios estabelecidos nas regras de interpretação do artigo 9.° do Código Civil, por forma a distinguir o que é igual, do que é diferente.

      8. Ora igualar o n.º 2 do artigo 678.º do C.P.C. na parte em que diz que o recurso é sempre admissível seja qual for o valor da causa, em certas situações ali tipificadas, com a previsão do n.º 4 que prevê situações completamente distintas, como é o caso da contradição de julgados é extrair uma norma de processo civil consignada no artigo 678.º, n.º 4, do C.P.C., em violação da norma do artigo 13.º, n.º 1, da Constituição da nossa República.

      9. E em violação do artigo 20.º, n.º 4, da mesma Constituição, visto que qualquer interpretação desconforme com a Constituição coloca a parte, com essa interpretação, em situação desfavorecida, em confronto com o seu direito a um processo equitativo.

      10. Finalmente, decidir que uma declaração confessória acompanhada da narração de outros factos ou circunstâncias tendentes a infirmar a eficácia dos factos confessados, como acontece no caso concreto sub judice, não consubstancia factispecie subsumível na previsão do artigo 360.º do Código Civil, mas...

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