Acórdão nº 214/06 de Tribunal Constitucional (Port, 23 de Março de 2006

Magistrado ResponsávelCons. Fernanda Palma
Data da Resolução23 de Março de 2006
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO N.º 214/2006

Processo nº 1062/2005

  1. Secção

Relatora: Conselheira Maria Fernanda Palma

Acordam, em Conferência, na 2ª Secção do Tribunal Constitucional

  1. Nos presentes autos foi proferida a seguinte Decisão Sumária:

  2. Nos presentes autos, a Freguesia de Seda instaurou, junto do Tribunal Judicial de Fronteira, acção declarativa sob a forma ordinária, contra A. e mulher, pedindo o reconhecimento da natureza jurídica de determinados caminhos.

    Os réus suscitaram a questão de ilegitimidade da autora, tendo o tribunal negado provimento a tal questão. Os réus interpuseram recurso.

    O tribunal, por decisão de 11 de Junho de 2003, julgou a acção improcedente, absolvendo os réus do pedido.

  3. A Junta de freguesia de Seda interpôs recurso para o Tribunal da Relação de Évora, tendo o recurso sido julgado procedente, por acórdão de 14 de Julho de 2004. O Tribunal da Relação de Évora considerou ainda parte legítima a Junta de freguesia de Seda.

  4. Os réus interpuseram recurso do acórdão de 14 de Julho de 2004 para o Supremo Tribunal de Justiça, sustentando, entre o mais, que não havia sido alegado, pela autora, a saída do caminho em questão.

    A autora contra-alegou, não suscitando qualquer questão de constitucionalidade normativa.

    O Supremo Tribunal de Justiça, por acórdão de 6 de Julho de 2005, considerou o seguinte:

    1. O DIREITO:

  5. Considerações Preliminares:

    1. A qualificação de um caminho como público (por isso se integrando, necesariamente, no instituto do domínio público, no sistema viário, ao que não faz óbice, flagrantemente, o art. 84º nº 1 d) da CRP tão só aludir as estradas, ponderado o carácter exemplificativo da enumeração, em sede da Lei Fundamental, dos bens pertencentes ao domínio público, como ressuma do plasmado na al. f) do nº 1 e no nº 2 de tal artigo – cfr., neste sentido, José de Oliveira Ascensão, in “Caminho Público, Atravessadouro e Servidão de Passagem” – “O DIREITO”, Ano 123º - 1991 – IV (Outubro-Dezembro), pág. 536), poderá basear-se:

      1. Em ser ele propriedade de autoridade de direito público, ocorrendo a sua afectação à produção efectiva de utilidade pública – cfr. Marcello Caetano, in “Manual de Direito Administrativo, vol. II, 9ª Edição, págs. 880 e segs., bem como in “Princípios Fundamentais do Direito Administrativo”, Almedina – Coimbra, 96, págs. 323 e segs., e, entre outros, Acs. deste Tribunal, de 2-2-93, 10-11-93 e 15-6-00, in CJ-Acs. do STJ, Ano I – tomo I, págs. 115 e segs., tomo III, págs. 135 e segs., e Ano VIII – tomo II, págs. 117 e segs., respectivamente.

      2. No, de harmonia com o Assento de 19-04-89, in DR de 2-6-89 (hoje com o valor de acórdão proferido nos termos dos artigos 732º-A e 732º-B do CPC – vide art. 17º nº 2 do DL nº 329-A/95 -, o objectivo de tal assento não tendo sido o de estabelecer a distinção entre caminhos públicos e atravessadouros (arts. 1383º e 1384º do CC) e (ou) a figura jurídica do atravessadouro excluir, antes o assinalado por Oliveira Ascensão, in artigo citado, págs. 543 e 544), interpretado, restritivamente, como importa, “ex vi” do dissecado nos já citados Acs. de 10-11-93 e 15-06-00, bem como no Ac. deste Tribunal, de 19-11-02 (CJ-Acs. do STJ-Ano X-tomo III, págs. 139 e segs.), estar no uso directo e imediato do público, desde tempos imemoriais, ocorrendo a sua afectação à utilidade pública, à, enfim, satisfação “de interesses colectivos de certo grau ou relevância”, consoante referido, também, em Acórdão. de 10-04-03, disponível em www.dgsi.pt/jstj. (doc. nº SJ200304100047142).

    2. Os atravessadouros (esses, também podendo ser constituídos em benefício do público em geral) distinguem-se dos caminhos públicos, por se dirigirem a coisa móvel determinada, como meta de acesso, enquanto o caminho público, "integrando-se no sistema viário, permite a cada um atingir todos os destinos, pois todos os caminhos comunicam entre si" (cfr. Oliveira Ascensão, in estudo citado, pág. 539), tendo de "ter acesso e saída através de outra via dominial", como destacado no já aludido Ac. de 15-06-00 independentemente de também dar acesso de pessoas e veículos a prédios particulares (vide Ac. de 03-02-15, proferido nos autos de Revista registados sob o nº 4805/04-7ª Secção, in Sumários, nº 88 - pág. 26).

      Atravessadouros reconhecidos são, de acordo com o art. 1384º do CC, para além dos admitidos em legislação especial, de natureza administrativa (Pires de Lima e Antunes Varela, in "Código Civil Anotado", vol. III (2ª Edição Revista e Actualizada - Reimpressão), pág. 284), os com posse imemorial, que se dirigem a objectivos de interesse público de incontroversa relevância - pontes e fontes -, enquanto não existirem vias públicas destinadas a utilização ou aproveitamento de uma ou outra.

    3. Quanto à servidão de passagem, uma das possíveis qualificações de passagem que uma generalidade de pessoas utiliza, essa, é sempre em benefício, tão só, de um prédio, o dominante, de destino, mesmo que sejam muitas as pessoas que tiram benefício de tal prédio.

      Isto, à guisa de intróito, expandido, retornando à hipótese "sub judice", dir-se-á:

  6. É inegável que a autora filiou a justeza da qualificação, como públicos, dos caminhos (2) a que alude na petição inicial, no estarem no uso directo e imediato do público, desde tempos imemoriais, não, consequentemente, no expresso em III. 1. a) 1º.

    Tinha a demandante, como flui do art. 342º nº 1 do CC, o ónus de alegar e provar factualidade donde decorresse, a provar-se, naturalmente, a dominialidade pública dos caminhos em causa, a, em suma, ocorrência dos requisitos caracterizadores de tal dominialidade, de acordo com o Assento de 19-04-89.

    Só provando tal a acção poderia, "in totum", proceder, já que, tão só havendo caminho público, a passagem se faz por chão público, a via sendo dominial e estando “desintegrada do prédio ou prédios que atravessa" (vide Oliveira Ascensão, in estudo à colação já chamado, pág. 543).

    No Ac. sob recurso, foi a acção julgada procedente por se ter entendido, "inter alia", que do apurado resultavam provados os requisitos da dominialidade pública dos caminhos em apreço, à luz do Assento de 19-04-89, interpretado restritivamente.

    Entendemos que com menos acerto tal se decidu, se bem que o naufrágio da acção, com o fundamento encontrado na 1ª instância, também não mereça acolhimento.

    A montante do expresso na sentença apelada e no Ac. de que vem trazida revista, deve encontrar-se o fundamento para o justo decreto da improcedência da acção, adianta-se já.

    Atentemos:

  7. Estamos ante uma acção que, por carência de alegação, não suprida, no momento, para tanto, processualmente azado (art. 508º nº 1 a) e 3 a 5 do CPC), de factos necessários para a procedência da acção, no despacho saneador, por deficiência da petição inicial (cfr. José Alberto dos Reis, in “Comentário ao Código de Processo Civil", vol. 2°, pág. 372), devia ter sido julgada improcedente (artigo 510º nº 1 b) do CPC).

    Na verdade:

    Não alegou a Autora, desde logo, que os caminhos referidos no art. 5º da p.i. têm saída através de outra via dominial, antes do ao articulado primeiro levado tão só resultando, no concernente às entradas e saídas dos caminhos em causa, que o 1º, o citado na al. E) da matéria de facto assente, o que liga a E.N. nº 369 à Ribeira da Seda, no prédio rústico denominado “…”, pertença dos demandados, ligando também, em tal prédio, a um outro caminho que se estende e acompanha toda a margem da ribeira dita, caminho esse a que se reportam, designadamente, os nºs 15, 30 e 31 da base instrutória e que, prolongando-se pela distância a que se alude na resposta ao último número da base instrutória, desaparece a partir dessa altura.

    Face a tal omissão, tão só resultando do provado que a passagem, o “caminho”, referido na nomeada al. E), tem entrada por via dominial (art. 84º nº 1 d) da CRP) ao contrário do segundo, ambos se não tendo, assim, provado terem saída por via dominial (vista a significância da resposta negativa ao nº 30º da base instrutória, aquela sendo a de que não se provou o facto levado a tal peça processual, sob o nº 30, e não que se tenha demonstrado o facto contrário, tudo se passando como se aquele facto não tivesse sido articulado), jamais se poderia, com acerto, tais “caminhos” qualificar como de públicos (cfr . III. 1. b)), antes, é líquido, como atravessadouros não reconhecidos (art. 1384º do CC), as passagens, assim, se fazendo por chão particular, o dos ora recorrentes.

    O ter-se provado estarmos ante "passagens", "caminhos", que estão no uso directo e imediato do público...

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