Acórdão nº 210/06 de Tribunal Constitucional (Port, 23 de Março de 2006

Magistrado ResponsávelCons. Gil Galvão
Data da Resolução23 de Março de 2006
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 210/2006

Processo n.º 176/06

  1. Secção

Relator: Conselheiro Gil Galvão

Acordam, em Conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional:

I - Relatório

  1. Por decisão da 2ª Vara Mista do Tribunal Judicial da Comarca de Sintra, de 15 de Julho de 2004, foi o ora recorrente, A., condenado, como autor material de dois crimes de corrupção activa e de um crime previsto e punido pelo artigo 115º, com referência aos artigos 1º, 3º, nº 1, 4º, nº 1, al. g), todos do Decreto-Lei nº 422/89, de 2 de Dezembro, em cúmulo jurídico, na pena única de quatro anos e seis meses de prisão.

  2. Inconformado com esta decisão o arguido recorreu para o Tribunal da Relação de Lisboa, tendo, a terminar a respectiva motivação e para o que agora importa, formulado as seguintes conclusões:

    “[...] LXIII As escutas telefónicas são nulas nos termos do art.º 189° do CPP, pois o Ministério Publico teve acesso ao conteúdo das gravações realizadas antes do Juiz de Instrução (Cfr.: informações e despachos de fls. 33, 34, 39, 41, 58, 59, 76, 79, 80, 87 a 89, 162, 249, 316 e 319), pois decorre dos artigos 187° a 189° do CPP que o controle judicial de intercepções telefónicas, só pode ser levado a cabo por um juiz e dentro dos estritos limites da letra da lei, o que implica que às intercepções telefónicas só tenham acesso aquelas pessoas que, por força dos termos em que se desenvolve a investigação, não poderiam deixar de tomar conhecimento das mesmas para que sejam objecto de prova no âmbito do processo em curso;

    LXIV Admitindo interpretação diversa do disposto nos artigos 187º a 189º permitir-se-ia que fossem ouvidas pelo Ministério Publico escutas que não havia necessidade de incluir no processo e o objectivo do controle judicial - a protecção da reserva da intimidade da vida privada, que só pode ser derrogado em determinados casos muito limitados e mediante controle judicial - seria irreversivelmente defraudado, do que decorreria uma violação do disposto no art.º 32, nº 8 da Constituição da Republica Portuguesa.

    LXV Portanto, no caso sub judice, verificou-se uma violação do disposto no art.º 188° do CPP e no art.º 32, n.º 8 da CRP.

    LXVI O controle e selecção das escutas telefónicas foi, na realidade, realizado pela Polícia Judiciária e não pelo Juiz de Instrução Criminal pois nas transcrições encontram-se diversas anotações de quem transcreveu as mesmas que revelam que não coube à Juíza a selecção das escutas; destaques e anotações de quem transcreveu as conversas, susceptíveis de influenciar a convicção de quem lê as transcrições e muitas escutas telefónicas encontram-se incompletas;

    LXVII Pelo que foi violado o disposto no artigo 188° do CPP e tais transcrições são nulas nos termos do art.º 126, n.º 3 e do art.º 199 do CPP.

    LXVIII Do facto de as escutas serem seleccionadas por outrem que não o Juiz de Instrução Criminal competente decorre uma violação do disposto nos artigos 32, n.º 8, 18, n.º 2 e 34, n.º 4 da Constituição da Republica Portuguesa, porquanto a lei portuguesa estabelece o sistema da autorização e controlo judicial e de limitação das escutas telefónicas, pressupondo um efectivo acompanhamento e controlo da escuta pelo juiz que a tiver ordenado com o objectivo de reduzir ao mínimo essencial a lesão de um direito fundamental - o direito à reserva da vida privada - o qual só pode ser objecto de limitação nos estritos limites da lei penal.

    LXIX A maior parte das escutas não foram efectivamente ouvidas pela Juíza de Instrução Criminal competente, porquanto:

    LXX Face ao decurso de tempo entre os momentos em que foram entregues os suportes audio à Mma. Juíza de Instrução e o momento em que foi proferido despacho a autorizar a sua transcrição, é impossível que estes tenham sido previamente ouvidos pela Juíza competente devido ao volume de horas de gravação em causa;

    LXXI Entre as sessões que supostamente terão sido ouvidas pela Meritíssima Juíza e cuja transcrição terá sido ordenada pela mesma, encontram-se diversas conversas com advogados bem como súmulas do seu conteúdo, o que denota a circunstância de não terem sido objecto de prévio controle judicial;

    LXXII Encontram-se nos autos diversas referências a suportes áudio que não continham qualquer gravação;

    LXXIII. Constam dos autos relatórios que, no lugar das transcrições, referem que as mesmas não tinham, afinal, interesse para os autos.

    LXXIV O art. 188° n.° 3 conjugado com o n.° 1 determina que o Juiz deve ouvir as fitas magnéticas pois só assim as poderá seleccionar e mandar transcrever. De tal omissão nos casos acima descritos resulta a inexistência de controlo jurisdicional das escutas, o que acarreta a nulidade absoluta das mesmas por constituir método proibido de prova em flagrante violação do art. 32° n.° 6 da C.R.P .

    LXXV Portanto, todas as escutas telefónicas supra mencionadas foram realizadas com violação do disposto nas seguintes disposições legais:

    - art.º. 188° n.° 1 do C.P.P . porque o Juiz não ouviu as gravações, nem as seleccionou, antes se limitou a ordenar a junção das transcrições que lhe foram trazidas pelo OPC;

    - art.º. 269° nº 1 al. c) e d), 187°, 17°, 188° nº 3 e 101° nº 2 e 3 todos do CPP porque o OPC invade competências estritamente judiciais;

    - art. 99° do C.P.P. porque uma diligência de AUDIÇÃO e SELECÇÃO de escutas telefónicas efectuadas por um Juiz devem ser reduzidas a AUTO, e

    - artº. 18° nº 2, 32° n.° 8 e 34 ° n.° 4 todos da CRP .

    LXXVI Tendo sido tudo praticamente efectuado pelo Órgão de Polícia Criminal e não pelo Juiz, houve violação das regras de competência exclusiva do Tribunal- artigos 269° n.° 1 al. c) e d), 187°, 17°, 188° n° 3 e 101 ° n.° 2 e 3 - o que constitui nulidade insanável nos termos do art° 119° al. e) do C.P.P.

    LXXVII As escutas telefónicas de conversas com advogados são nulas nos termos do art.º 189 do CPP por violação do disposto no art.º 187, n.º 3 do CPP.

    LXXVIII As escutas telefónicas que deram origem às transcrições constantes do Ap. VII-A foram ordenadas no âmbito do processo 1095/00.2TASNT (Cfr.: fls. 33 a 35 e 925), mas quando o arguido requereu o acesso aos documentos que haviam autorizado aquelas escutas para aferir da sua legalidade, foi este acesso vedado ao arguido pelo tribunal a quo, pelo que não poderia o tribunal valorar aquele meio de prova e, ao fazê-lo, violou o disposto no art. 32, n.º 8 da CRP e aquelas escutas constituem método proibido de prova nos termos do art.º 125 e 126, n.º 3 do CPP.

    LXXIX Decorreu demasiado tempo entre o momento em que as escutas foram realizadas e aquele em que foram presentes à Mma. Juíza de Instrução Criminal, para que os autos de intercepção e as fitas gravadas foram imediatamente levados ao conhecimento do Juiz que ordenou as operações em conformidade com o disposto no art.º 188° no1 do CPP , porquanto:

    LXXX Em 8 de Março de 2002 tiveram início as intercepções telefónicas aos telemóveis com os números [...], pertencentes aos arguidos (Cfr. fls. 30 a 32), que foram objecto de controle judicial em 22 de Março relativamente a intercepções que tiveram lugar até ao dia 21 de Março (Cfr. fls. 39 e 41); em 12 de Abril, relativamente a escutas realizadas até ao dia 5 de Abril (Cfr. fls. 56 e 59) e depois disso, só houve lugar a novo controle das escutas daqueles alvos em 10 de Maio, relativamente a escutas realizadas até 6 de Maio (Cfr. fls. 76 e 80).

    LXXXI As escutas extraídas do processo 1095/002T ASNT foram remetidas para este processo em termos que revelam que as mesmas não tiveram controle judicial por mais de 1 ano (Cfr.: Ap. VII-A; fls. 35 e 925).

    LXXXII Portanto, ao valorar como meio de prova as escutas telefónicas supra mencionadas, o tribunal recorrido interpretou de forma manifestamente errada as normas dos artigos 125.º e 126.º, 188.º e 189.º, todas do Código de Processo Penal, que assim se mostram violadas, por admitir como válido meio de prova proibido e porque da violação do disposto no art° 188°, decorre a nulidade daquelas escutas nos termos do art.º 189° do CPP (…)”.

  3. Este recurso foi indeferido por acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 28 de Junho de 2005, com, para o que agora importa, a seguinte fundamentação:

    “Das alegadas nulidades das escutas telefónicas.

    O Recorrente desenvolve a tese de que as escutas telefónicas são nulas pelo facto de o Ministério Público ter tomado conhecimento prévio do conteúdo das mesmas, antes do Juiz de Instrução, tendo promovido a sua transcrição em conformidade com o sugerido pela Polícia Judiciária.

    Vejamos.

    Nos termos do art.º 26.º da Constituição da República Portuguesa “A lei estabelecerá garantias efectivas contra a utilização abusiva ou contrária à dignidade humana, de informações relativas às pessoas e famílias que caem no âmbito da reserva da vida privada”.

    É proibida toda a ingerência de autoridades públicas na correspondência, nas telecomunicações e nos demais meios de comunicação, exceptuados os casos previstos na lei em matéria de processo criminal - art.º, n.º 4 34° da CRP.

    Ora, um dos casos de ingerência das autoridades nas telecomunicações e meios de comunicação exceptuados na lei em matéria de processo criminal tem assento nos arts.º 187° a 190° CPP .

    Face a tais disposições pode ser autorizada a intercepção e gravação de conversa telefónica se relativa a crime punível com pena de prisão superior, no seu máximo, a três anos, havendo razões para crer que a diligência se revelará de grande interesse para descoberta da verdade, impondo o princípio da proporcionalidade que a mesma seja levada a cabo apenas no mínimo indispensável á realização do interesse que a justifica.

    A salvaguarda do direito à privacidade impõe que as operações materiais de intercepção, gravação e transcrição de conversas telefónicas sejam directa e proximamente controladas pelo Juiz de Instrução.

    Não sendo porém necessário para cumprimento do disposto nos arts.º 187.º e 188.º do CPP., que as escutas realizadas sejam apresentadas ao Juiz imediatamente após cada intercepção, mas sim, de forma a que este acompanhe...

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