Acórdão nº 539/07 de Tribunal Constitucional (Port, 30 de Outubro de 2007

Data30 Outubro 2007
Órgãohttp://vlex.com/desc1/2000_01,Tribunal Constitucional (Port

ACORDÃO Nº 539/2007

Processo n.º 445/07

  1. Secção

Relator: Conselheiro Joaquim de Sousa Ribeiro

Acordam na 2ª Secção do Tribunal Constitucional

I – Relatório

  1. Nos presentes autos, vindos do Supremo Tribunal de Justiça, em que é recorrente A. e recorrida B., C.R.L., foi interposto recurso de fiscalização concreta de constitucionalidade, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei do Tribunal Constitucional (LTC), do acórdão daquele Tribunal de 07.03.2007, visando a apreciação da constitucionalidade da norma contida no n.º 1 do artigo 398.º do Código das Sociedades Comerciais (CSC).

  2. A decisão recorrida surge na sequência de acção declarativa emergente de contrato de trabalho que A. intentou contra B., pedindo que fosse declarado ilícito o seu despedimento e a ré condenada a reintegrá-lo no seu posto de trabalho, bem como a pagar-lhe as retribuições que deixou de auferir e uma indemnização por danos não patrimoniais.

    Para fundamentar a acção, alegou que, tendo sido eleito para a Direcção da ré em 23.03.1989 e celebrado com esta, no dia 1 de Abril seguinte, um contrato de trabalho para o exercício do cargo de Director Executivo, veio a pedir, em 07.03.1996, demissão do cargo electivo e a passagem à situação de reforma por invalidez relativamente ao vínculo laboral. E depois de tal proposta ter sido aceite e o autor ter entrado em situação de baixa por doença, a ré, na sequência de uma intervenção do Conselho de Administração da B., veio a declarar a nulidade do contrato de trabalho, com fundamento no disposto no artigo 398.° do Código das Sociedades Comerciais, o que corresponderia a um despedimento ilícito por este preceito não ser aplicável ao caso. Subsidiariamente, alegou a inconstitucionalidade, orgânica e formal, do citado artigo 398.º do CSC.

    A acção foi julgada improcedente em primeira instância, também quanto à questão da inconstitucionalidade e, em consequência, absolvida a ré dos pedidos.

    Inconformado, o autor interpôs recurso para o Tribunal da Relação de Évora, renovando a questão da constitucionalidade, tendo este tribunal, após uma sucessão de vicissitudes processuais, confirmado o decidido em primeira instância através de acórdão de 04.07.2006.

    Novamente inconformado e reafirmando a questão da inconstitucionalidade orgânica e formal e, ainda, aduzindo novos argumentos no sentido da inconstitucionalidade material, recorreu para o Supremo Tribunal de Justiça que, por acórdão de 07.03.2007, negou a revista e confirmou a decisão recorrida.

  3. Neste acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, do qual vem interposto o presente recurso, pode ler-se o seguinte:

    (…)Seja como for, a declaração de nulidade do contrato de trabalho com fundamento no disposto no digo 398°, n.° 1, do CSC não envolve qualquer violação da garantia de segurança no emprego e do direito ao trabalho a que se referem as mencionadas disposições dos artigos 53° e 58°, n° 1, da Constituição.

    A primeira e mais importante dimensão do direito à segurança no emprego é a proibição dos despedimentos sem justa causa, o que se traduz no reconhecimento de que as entidades patronais não gozam da liberdade de disposição sobre as relações de trabalho. Uma vez obtido um emprego, o trabalhador tem direito a mantê-lo, não podendo a entidade empregadora pôr-lhe fim por sua livre vontade, mas apenas com invocação de um motivo justificado (GOMES CANOTILHO/ VITAL MOREIRA, Constituição da República Portuguesa Anotada, 3ª edição revista, Coimbra, pág. 287). Por seu turno, o direito ao trabalho, para além do seu carácter programático de direito de obter emprego ou de exercer uma actividade profissional, releva essencialmente na sua dimensão negativa ou de garantia: a liberdade de procurar trabalho; o direito de igualdade no acesso a quaisquer cargos, tipos de trabalho ou categorias profissionais; o direito a exercer efectivamente a actividade correspondente ao posto de trabalho; o direito a não ser privado do posto de trabalho (idem, pág. 315).

    No caso dos autos, o âmbito de protecção constitucional, na dupla vertente de segurança no emprego e do direito ao trabalho ? tal como o recorrente o configura ?, converge no direito à manutenção do emprego e conduziria a considerar — segundo o recorrente entende ? que a declaração de nulidade do contrato de trabalho, nas circunstâncias enunciadas no artigo 398°, n.° 1, do CSC, corresponde a um despedimento sem justa causa.

    É patente que a norma não pode ter essa leitura.

    O que está em causa não é a ruptura da relação laboral sem qualquer motivo justificativo — única situação que se encontra abrangida pela proibição constitucional -, mas simplesmente a proibição da celebração de contrato de trabalho ou de prestação de serviços entre o administrador e a sociedade por razões de política legislativa que assentam na necessidade de preservar a empresa de medidas de gestão que possam implicar um favorecimento pessoal do administrador. A norma reflecte um princípio da imparcialidade, exigindo do administrador um distanciamento em relação aos interesses pessoais, em vista a garantir o exercício isento e desinteressado da função. Limita-se, por isso, a estabelecer um regime de impedimentos, que obsta a que o administrador possa aproveitar-se da sua posição de autoridade para impor à sociedade a realização de negócios que possam conflituar com o interesse empresarial.

    A declaração de nulidade do contrato de trabalho celebrado em preterição do estabelecido na norma resulta, por sua vez, da aplicação de um princípio civilístico que se supõe não ter sido alguma vez suspeito de inconstitucionalidade ? artigo 294° do Código Civil.

    A extinção da relação laboral não ocorre, por isso, por livre vontade da entidade empregadora, mas antes por simples aplicação dos critérios legais e com fundamento em clara violação do direito societário.

    Acresce que a declaração de nulidade do contrato não desprotege o trabalhador, uma vez que o contrato produz efeitos como se fosse válido em relação ao tempo durante o qual esteve em execução, não tendo por isso consequência quanto aos direitos remuneratórios que se venceram na sua vigência (artigo 15° da LCT). E apenas ocorreu quando o Autor tinha já chegado ao termo da sua vida activa.

    Em qualquer caso, a norma do artigo 398°, n.°1, do CSC não pode ser vista como inconstitucional no ponto em que se limita a garantir a aplicação de um princípio de imparcialidade, quando é certo que esse é um princípio que tem também consagração constitucional — artigo 266°, n.° 2, da CRP. Não se põe sequer em causa, nesse caso, o direito ao trabalho, visto que a norma apenas restringe o duplo emprego quando venha a ser constituído em circunstâncias que possam representar um favorecimento pessoal do administrador, pelo que não há também qualquer violação do disposto no artigo 18°, n.° 2, da Constituição.

    Assim se compreende também que a norma em causa não represente, em rigor, uma restrição ao direito de liberdade de escolha de profissão, cuja violação o Autor também invoca por referência ao disposto no artigo 47°, n.° 1, da Lei Fundamental.

    Como resulta desse preceito, “Todos têm o direito de escolher livremente a profissão ou o género de trabalho, salvas as restrições legais impostas pelo interesse colectivo ou inerentes à sua própria capacidade”. A liberdade de profissão que aqui se consagra é uma componente da liberdade de trabalho e tem vários níveis de realização: a obtenção das habilitações necessárias ao exercício da profissão; o ingresso na profissão; o exercício da profissão; a progressão na carreira profissional. Ela não se confunde, no entanto, com o exercício livre da profissão. Há liberdade de escolha de profissão, mas isso não impede que o exercício da profissão escolhida se encontre institucionalmente constrangido através de certos limites de actuação. É o direito de livre escolha que pressupõe, nesse caso, a assunção de um estatuto profissional que poderá estar sujeito a um conjunto de condicionantes.

    Por isso se considera não constitucionalmente ilícito, nem a atribuição de um estatuto público a certas profissões, nem, muito menos, a submissão de certas profissões a um estatuto mais ou menos publicamente condicionado ou vinculado (idem, págs. 262-263).

    É o que sucede, por efeito do preceituado no citado artigo 398°, n.° 1, do CSC, relativamente ao exercício de cargos de administração de sobriedades anónimas. Os respectivos titulares não se encontram impedidos de aceder a esses cargos e de os exercerem. Do mesmo modo que não existe qualquer obstáculo a que abandonem a sua posição profissional e passem a desempenhar outras funções, na mesma empresa ou noutra que esteja com ela em relação de domínio ou de grupo, mediante a celebração de contrato de trabalho ou de prestação de serviços. Mantêm-se, por isso, plena liberada de escolha de profissão; o que não podem é preferir o exercício de cargo de administrador sem se sujeitarem às limitações que para esse exercício a lei impõe.

    Assim, a norma do artigo 398°, n° 1, do CSC não sofre de inconstitucionalidade por violação do artigo 47°, n.° 1, da CRP.

    O recorrente invoca, por fim, a inconstitucionalidade formal da norma do digo 398°, n° 1, do CSC, por se enquadrar em matéria de legislação de trabalho e ter sido aprovada sem a participação das comissões de trabalhadores e das associações sindicais, em violação do disposto nos artigos 54º, n° 5, alínea d), e 56°, n° 2, alínea a), da CRP), e, bem assim, a sua inconstitucionalidade orgânica, neste caso, por a referida norma incidir sobre matéria atinente aos direitos, liberdades e garantias e constituir reserva relativa de competência da Assembleia da República, segundo o disposto no artigo 165º, n.º 1, alínea b), da CRP), e ter emanado do Governo sem prévia autorização legislativa.

    Quanto ao primeiro dos aspectos em questão, basta relembrar o que se afirmou no acórdão recorrido, que não vem minimamente posto em causa no recurso. Sendo embora certo que, nos termos das citadas...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO
1 temas prácticos
  • Acórdão nº 07S1695 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 09 de Abril de 2008
    • Portugal
    • [object Object],Supreme Court of Justice (Portugal)
    • 9 de abril de 2008
    ...do Tribunal Constitucional - vide o Ac. do STJ de 7 de Março de 2007 (Recurso n.º 4476/06, da 4.ª Secção) e o Ac. do Tribunal Constitucional n.º 539/2007 de 30 de Outubro de 2007, que considerou improcedente a ali invocada inconstitucionalidade formal, orgânica e material do n.º 1 do art. 3......
1 sentencias

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT