Acórdão nº 436/07 de Tribunal Constitucional (Port, 26 de Julho de 2007

Magistrado ResponsávelCons. Maria João Antunes
Data da Resolução26 de Julho de 2007
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO N.º 436/2007

Processo n.º 581/07

  1. Secção

Relatora: Conselheira Maria João Antunes

Acordam, em conferência, na 1.ª secção do Tribunal Constitucional

  1. Relatório

    1. Nos presentes autos, vindos do Tribunal da Relação de Lisboa, em que é recorrente A. e recorrido o Ministério Público, foi interposto recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto no artigo 70º, nº 1, alínea b), da Lei da Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (LTC), do acórdão daquele Tribunal de 5 de Dezembro de 2005.

    2. Em 6 de Junho de 2007 foi proferida decisão sumária, ao abrigo do disposto no nº 1 do artigo 78º-A da LTC, com os seguintes fundamentos:

      Conforme jurisprudência reiterada e uniforme do Tribunal Constitucional, “constituem requisitos do recurso de constitucionalidade previsto na alínea b) do nº 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional: a aplicação pelo tribunal recorrido, como ratio decidendi, da norma cuja constitucionalidade é questionada pela recorrente; a suscitação da inconstitucionalidade normativa durante o processo; e o esgotamento de todos os recursos ordinários que no caso cabiam” (cf. Acórdão nº 497/99, disponível em www.tribunalconstitucional.pt). Por outro lado, em consequência do carácter instrumental deste recurso, a respectiva utilidade – ou seja, a susceptibilidade de repercussão na decisão recorrida do julgamento da questão de constitucionalidade – surge como condição do seu conhecimento (cf. Acórdãos do Tribunal Constitucional nºs 366/96 e 463/94, Diário da República, II Série, de 10 de Maio de 1996 e de 22 de Novembro de 1994, e 687/2004, disponível em www.tribunalconstitucional.pt).

      1. O recorrente requer a apreciação da inconstitucionalidade dos artigos 127º, 410º, nº 1, 412º, nº 3 e 428º nº 1, do Código de Processo Penal, interpretados conjugadamente no sentido de que o recurso em matéria de facto, em processo criminal, se restringe às situações de erro manifesto.

      A alínea b) do nº 1 do artigo 70º da LTC, ao abrigo da qual o presente recurso foi interposto, estabelece que cabe recurso para o Tribunal Constitucional das decisões dos tribunais que apliquem norma cuja inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o processo, ou seja, “a tempo de o tribunal recorrido poder decidir essa questão” (Acórdão do Tribunal Constitucional nº 155/95, Diário da República, II Série, de 20 de Junho de 1995).

      No caso presente, o próprio recorrente admite que não se mostra cumprido o requisito da suscitação prévia daquela questão de inconstitucionalidade, entendendo, porém, que “é legítimo que a arguição de inconstitucionalidade só agora [no requerimento de interposição de recurso] seja formulada”, tendo em conta “jurisprudência pacífica do Tribunal Constitucional”. Concretamente, entende que só agora é que se confrontou com aquela interpretação normativa, que corresponde a construção jurídica que o Tribunal da Relação lavrou a tal propósito – inteiramente desconhecida do Recorrente à data em que elaborou a sua motivação do recurso.

      Com efeito, “este Tribunal tem vindo a entender, num plano conformador da sua jurisprudência genérica sobre este tema, que naqueles casos anómalos em que o recorrente não disponha de oportunidade processual para suscitar a questão de constitucionalidade durante o processo, isto é, antes de esgotado o poder jurisdicional do tribunal a quo sobre a matéria a decidir, ainda assim existirá o direito ao recurso de constitucionalidade” (Acórdão nº 61/92, Diário da República, II Série, de 18 de Agosto de 1992). E tem vindo a entender “que uma das situações em que o interessado não dispõe de oportunidade processual para suscitar a questão da constitucionalidade antes de esgotado o poder jurisdicional é precisamente a daqueles casos em que é confrontado com uma situação de aplicação ou interpretação normativa, feita pela decisão recorrida, de todo imprevisível ou inesperada, em termos de não lhe ser exigível que a antecipasse, de modo a impor-se-lhe o ónus de suscitar a questão antes da prolação dessa decisão” (Acórdão nº 426/2002, disponível em www.tribunalconstitucional.pt).

      Sucede, porém, que a interpretação normativa que o recorrente enunciou enquanto objecto do recurso de constitucionalidade não pode ser qualificada de imprevista ou inesperada. Para tal concluir, é suficiente atentar, entre muitos outros, num acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 9 de Julho de 2003, numa decisão do Tribunal da Relação de Lisboa de 22 de Novembro de 2002 e num acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 5 de Junho de 2002 (disponíveis em www.dgsi.pt).

      De forma impressiva, para o que importa apreciar e decidir, pode ler-se, num acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 19 de Maio de 2004 (www.dgsi.pt), a instância que proferiu a decisão recorrida, o seguinte:

      Importa salientar, antes de mais e com o devido respeito pelo esforço argumentativo do recorrente, que o pedido de reapreciação da matéria de facto não conduz a um novo julgamento, nem pode supri-lo. Na verdade, a prova gravada ou transcrita nunca poderá suprir a abundância de pormenores (a cor e o cheiro) que a imediação proporciona ao juiz quando aprecia a matéria de facto. O modo como a testemunha depõe, as suas reacções, as suas reticências e a sua mímica, são factores decisivos na formação de uma convicção final e não podem ser captados pela frieza de meios mecânicos.

      Assim o juiz que, em 1ª instância, julga de facto goza de ampla liberdade de movimentos ao erigir os meios de que se serve na fixação dos factos provados, de harmonia com o princípio da livre convicção e apreciação da prova. As provas são livremente valoradas pelo juiz sem obediência a regras pré-fixadas – art. 127.º, do CPP.

      Essa liberdade de apreciação com base no conjunto do material probatório recolhido pela percepção global é insindicável por esta Relação. Como assim, o Tribunal de recurso só em casos excepcionais de manifesto erro de apreciação da prova poderá alterar o decidido em 1ª instância – será, por exemplo e caricatura, o caso de o depoimento de uma testemunha ter um sentido diametralmente oposto ao que foi considerado na sentença. Vale dizer que, por força do referido princípio da livre apreciação da prova (não estando em causa, como in casu não está, prova dita tarifada ou legal), o processo de formação da livre convicção do julgador na apreciação da prova é insindicável pelo tribunal de recurso, havendo apenas que indagar se é contrariado pelas regras da experiência comum ou pela lógica do homem médio, suposto pela ordem jurídica.

      Diga-se, ademais, que, na convicção, desempenham papel de relevo não apenas a actividade puramente cognitiva mas também elementos que, racionalmente, não são explicitáveis (v. g. a credibilidade que se concede a um certo meio de prova) e mesmo elementos puramente emocionais (…). Ensinava o Prof. Alberto dos Reis que a livre apreciação da prova é indissociável do princípio da oralidade, «entendida como imediação de relações (contacto directo) entre o juiz que há-de julgar e os elementos de que tem de extrair a sua convicção (pessoas, coisas, lugares), e condição indispensável para actuação do princípio da livre convicção do juiz, em oposição ao sistema de prova legal». Citando Chiovenda, concluía que «ao juiz que haja de julgar segundo o princípio da livre convicção é tão indispensável a oralidade, como o ar é necessário para respirar» (…).

      No caso, ponderando que, consabidamente, a credenciação e consistência probatória dos depoimentos das testemunhas não valem pelo número, e não se mostrando (como, no caso, se não mostra, em vista da fundamentação oferecida pelo Colectivo) que, de harmonia com tais critérios, o deciso seja arbitrário, infundado ou manifestamente erróneo, aquela decisão de 1.ª instância, que beneficiou da oralidade e da imediação, não pode deixar de prevalecer, nos termos prevenidos no art. 127.º, do CPP, sendo irrelevante, no contexto, a percepção e mesmo a convicção alcançada pelo recorrente e pelos mais intervenientes no processo (…)

      .

      O recorrente não estava, pois, dispensado do cumprimento do ónus de, antecipando a possibilidade de uma tal interpretação normativa, suscitar previamente quanto a ela uma questão de inconstitucionalidade. Daí que seja de concluir, face à falta do apontado requisito, pelo não conhecimento, nesta parte, do objecto do presente recurso, justificando-se a prolação da presente decisão (artigo 78º-A, nº 1, da LTC). Independentemente da questão de saber se a norma identificada pelo recorrente corresponde, exactamente, à norma aplicada pela decisão recorrida.

    3. O recorrente requer, ainda, que o Tribunal aprecie o artigo 374º, nº 2, do Código de Processo Penal, devidamente conjugado com o artigo 379º, nº 1, alínea a), do mesmo Código, na interpretação de que só a ausência total de referência às provas em que se baseou a convicção do Tribunal é que constitui violação do dever de fundamentação.

      Sucede, porém, no caso em apreço, que a decisão desta questão de constitucionalidade não é susceptível de se reflectir utilmente na decisão da questão de fundo. Procedendo a um juízo de “antecipação” quanto às consequências de um eventual juízo de inconstitucionalidade daquela norma – juízo que é imposto pelo carácter instrumental do recurso de constitucionalidade interposto – conclui-se que tal juízo nenhuma virtualidade teria de alterar a decisão recorrida.

      Com efeito, ainda que este Tribunal viesse a julgar inconstitucional a norma cuja apreciação é requerida, manter-se-ia a decisão de indeferimento da nulidade arguida pelo recorrente, com fundamento no disposto nos artigos 374º, nº 2, e 379º, nº 1, alínea a), do Código de Processo Penal. Manter-se-ia a decisão de indeferimento da nulidade, uma vez que o acórdão recorrido considerou que a 4ª Vara Criminal de Lisboa indicou as provas que serviram para formar a convicção deste tribunal e procedeu ao “exame crítico da prova quanto ao montante indemnizatório”.

      Assim sendo, importa...

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