Acórdão nº 397/07 de Tribunal Constitucional (Port, 10 de Julho de 2007

Magistrado ResponsávelCons. Pamplona Oliveira
Data da Resolução10 de Julho de 2007
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO N.º 397/2007

Processo nº 354/00

  1. Secção

    Relator: Conselheiro Pamplona de Oliveira

    Acordam no Tribunal Constitucional

    I

    Relatório

    1. A. e outros recorreram para o Supremo Tribunal Administrativo do acto de indeferimento tácito, que imputaram ao Primeiro-Ministro, do pedido de reversão do prédio misto denominado “…”, sito em Santiago do Cacém, que lhes fora expropriado por utilidade pública. Concluíram a alegação do recurso contencioso do seguinte modo:

      1. A lei aplicável à reversão é a vigente à data do respectivo pedido, e não a que vigorava ao tempo da declaração de utilidade pública, pelo que este direito se constituiu em favor dos recorrentes dois anos após a publicação do novo Código das Expropriações;

      2. Tendo sido o Conselho de Ministros a declarar a utilidade pública da expropriação, e continuando este órgão a existir na organização administrativa do Estado, com a mesma designação, não se verifica a hipótese de sucessão de competências prevista na 2ª parte do n.º 1 do art. 70º do referido Código, pelo que o pedido de reversão foi bem endereçado ao Primeiro-Ministro, cujo silêncio releva para efeito da formação do indeferimento tácito;

      3. Mesmo que assim não fosse, aquela entidade estaria obrigada a remeter oficiosamente o requerimento ao Ministro competente, ou a devolvê-lo aos interessados (art. 34º do CPA) o que não fez, não lhe sendo por conseguinte lícito invocar qualquer erro.

      4. As disposições do Dec-lei n.º 183/89, de 1/6 e protocolo publicado pela Portaria 43/90, de 18/1, não contêm actos administrativos definitivos e executórios, mas sim actos de matriz bilateral e contratual.

      5. De qualquer modo, ao tempo da respectiva emissão, os recorrentes não beneficiavam do direito de reversão, que só lhes adveio com a publicação, em 1992, do novo Código das Expropriações, mais o decurso do prazo de 2 anos previsto no seu art. 5º, pelo que careciam, antes disso, de legitimidade activa para impugnarem a transferência do prédio expropriado do GAS para o Município de Santiago do Cacém.

      6. A mudança de titularidade do bem expropriado para terceiro não inutiliza o direito de reversão.

      7. Na verdade, na generalidade das expropriações o Ministro (que por, lei tem de autorizar a reversão) nunca tem poderes dominiais sobre os bens expropriados, que se encontram na posse de ente jurídico distinto — o expropriante, que normalmente é um instituto público, empresa pública ou autarquia local.

      8. Assim, se no caso dos autos a expropriação tivesse sido feita a benefício do Município de Santiago do Cacém, seria também o Primeiro-Ministro a autorizar a reversão.

      9. Além disso, a reversão tem a natureza duma condição resolutiva, que opera retroactivamente e com eficácia real, destruindo as regulamentações de interesses entretanto realizadas.

      10. Acresce que o art 73º/3 do Código das Expropriações prevê expressamente que a reversão actue mesmo no caso de transferência da propriedade do prédio expropriado e contra o seu actual titular, seja ele quem for.

      11. O direito de reversão constitui corolário da garantia constitucional da propriedade privada e dos princípios constitucionais realização do interesse público, da justiça, proporcionalidade e necessidade (art.s. 62º e 266º) pelo que atenta contra estes princípios, e contra a regra do art. 18º da CRP, a interpretação que restringe o alcance e aplicação do art. 5º do C.E. às expropriações em que não tenha havido (transmissão do bem a terceiro).

      12. Finalmente, a tese em causa abriria caminho à fraude à lei, permitindo ao expropriante, com toda a facilidade, escapar aos efeitos do direito de reversão, alienando a coisa expropriada antes do prazo da lei.

      13. Os documentos juntos pelo recorrido particular não provam que tenha sido construído no terreno expropriado um campo de futebol, nem que isso haja acontecido anteriormente a 1994.

      14. As fotografias tiradas pelos recorrentes no local em Fevereiro de 1994 provam rigorosamente o contrário.

      15. De qualquer forma, esse fim não se achava previsto no Plano Geral elaborado pelo Gabinete da Área de Sines, que para a zona previa genericamente “habitação de média densidade”.

      O Supremo Tribunal Administrativo, por acórdão de 1 de Outubro de 1998, decidiu rejeitar o recurso com fundamento na ilegalidade da sua interposição.

      Para tanto, ponderou que a Autoridade recorrida não detinha competência para autorizar a reversão dos bens expropriados, não tendo, nessa medida, o dever legal de decidir a pretensão da recorrente; não existindo tal dever, não se formara acto tácito de indeferimento, pelo que o recurso interposto carecia de objecto.

    2. Inconformados, A. e outros recorreram para o Pleno da 1ª Secção do Supremo Tribunal Administrativo, concluindo a alegação do seguinte modo:

      1. Tendo sido o Conselho de Ministros a declarar a utilidade pública de expropriação, e continuando este órgão a existir na organização administrativa do Estado, não se verifica a hipótese de sucessão de competências prevista na 2ª parte do n.º1 do art. 70º do Código das Expropriações, mas a 1ª pelo que o pedido de reversão foi bem endereçado ao Primeiro-Ministro, cujo silêncio releva para o indeferimento tácito, que efectivamente se formou.

      2. Na verdade, o art. 70º não tem relação nenhuma com o art. 11º e a competência para expropriar que este vem atribuir ao respectivo Ministro (e que de resto ele já tinha em regra pela lei antiga), antes quis apenas prever a hipótese duma verdadeira sucessão dum órgão por outro, isto é, de o anterior emitente da declaração de utilidade pública se ter entretanto extinto, transformado, mudado de designação ou absorvido por outro.

      3. A ratio do art. 70º está na regra muito antiga no nosso Direito, segundo a qual a competência para a revogação cabe ao autor do acto, porque só a ele devem pertencer os poderes legais para avaliar da subsistência ou não da regulamentação de interesses que o mesmo ditou.

      4. O exercício do direito de reversão passa efectivamente por uma fase administrativa que inclui esse acto de matriz revogatória, fundado na cessação dos pressupostos em que o acto revogado se baseou, ou na invalidade superveniente deste, pois o desaparecimento da causa que serviu de utilidade pública à expropriação deslegitimiza-a e torna a reversão num acto vinculado na sua maior extensão (um dever legal de revogação, para quem aceite a figura), tudo por vénia dos princípios da legalidade e da adequação, proporcionalidade e proibição do excesso.

      5. É intolerável que um Ministro possa dispor de competência para destruir os efeitos duma declaração de utilidade pública emanada do Conselho de Ministros, dada a supremacia política e administrativa deste e o seu carácter de colegialidade (arts. 198º, nº 2, 200º e 201º da CRP).

      6. Mas já se aceita que o contrário possa ocorrer, sobretudo se for o Primeiro-Ministro a apresentar o assunto ao Conselho, nos termos da al. g) do nº 1 do art. 200º (antigo art. 203º) da CRP — diligência que ele devia ter realizado quando recebedor do requerimento dos recorrentes.

      7. Mas no caso dos autos, ligar a competência para a reversão à actual competência para expropriar é ainda mais absurdo, porquanto se tratava duma revogação pura e simples, sem possibilidade de edição de nova regulamentação material dispositiva, visto a entidade expropriante (o Gabinete da Área de Sines) ter sido entretanto extinta e não poder portanto beneficiar de nova declaração de utilidade pública, que se tomou por conseguinte acto não renovável.

      8. Além de que o tipo legal do acto que concede a reversão não convoca nenhuma competência dispositiva para estabelecer novas relações jurídicas entre a Administração e o particular ou regular os respectivos termos, nem sequer quanto à sequência do respectivo procedimento, que por lei decorre todo ele perante o Tribunal Judicial.

      9. Por conseguinte, se o pressuposto da competência revogatória do autor do acto radica na competência dispositiva no momento da revogação, então neste caso o ministro como órgão singular não pode reivindicá-la.

      10. Mesmo que estas razões improcedessem, nunca o recurso contencioso interposto poderia ser rejeitado.

      11. Com efeito, o art. 34º do CPA impunha ao Primeiro-Ministro os deveres legais de declarar a sua incompetência, de rejeitar o pedido com esse fundamento, e de notificar o particular com a indicação do Ministério competente, devolvendo-lhe o requerimento, para que ele pudesse além do mais beneficiar da contagem de novo prazo.

      12. Sendo a razão inspiradora deste artigo garantir aos administrados uma defesa sólida contra a perda de direitos por extemporaneidade devido a erro desculpável sobre a competência do órgão, na consideração de que o cumprimento escrupuloso e expurgado de toda a margem de dúvida das normas organizativas da Administração é ónus demasiado elevado que eles não têm de suportar (quando não uma verdadeira utopia), têm de ser retiradas consequências do seu incumprimento pela Administração, para além duma eventual responsabilidade civil por perdas e danos.

      13. A partir da vigência deste preceito, desde que o particular tenha legitimidade e esteja em prazo para requerer, a incompetência do órgão não o desonera do dever legal de decidir, não já — é claro — sobre a pretensão formulada, mas de se pronunciar sobre ela quanto à competência, visto que o seu silêncio afronta uma vinculação legal estrita e constitui uma conduta reprovável dotada de potencialidade lesiva, que por isso tem de poder ser sindicada pelos tribunais administrativos, e por essa via a Administração ser reconduzida ao comportamento legalmente devido, com a destruição retroactiva dos efeitos entretanto produzidos (tutela efectiva).

      14. O meio processual de eleição, co-natural ao próprio contencioso administrativo e aos Tribunais Administrativos, de controlo da legalidade dos actos da Administração é o recurso...

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