Acórdão nº 364/07 de Tribunal Constitucional (Port, 21 de Junho de 2007

Magistrado ResponsávelCons. Vitor Gomes
Data da Resolução21 de Junho de 2007
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO N.º 364/2007

Processo n.º 338/07

  1. Secção

Relator: Conselheiro Vítor Gomes

Acordam, em conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional

1. No presente processo foi proferida a seguinte decisão (pelo anterior relator, que entretanto cessou funções no Tribunal Constitucional, tendo o processo sido redistribuído), ao abrigo do artigo 78.º-A da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro (LTC):

“1. Pelo 1º Juízo Liquidatário do Tribunal Administrativo e Fiscal de Lisboa interpuseram A., Lda, B., C. e D. recurso contencioso de anulação do despacho exarado em 11 de Julho de 2002 pela Vereadora do Pelouro do Licenciamento e Reabilitação Urbana da Câmara Municipal de Lisboa, por via do qual foi declarada a nulidade do acto de deferimento do pedido de licenciamento para realização de determinada obra e ordenado o embargo dessa mesma obra.

Na resposta ao recurso, a entidade recorrida, invocando que, tendo-se verificado que o despacho impugnado não estava devidamente fundamentado, veio o mesmo a ser ratificado em 20 de Novembro de 2002, pelo que, em seu entender, a “renovação do conteúdo decisório do acto sub judice, dotando-o, agora, da devida fundamentação”, substituía aquele e determinava “a perda do objecto do presente recurso”, tornando a instância “supervenientemente impossível”, pelo que os autos deveriam “ser extintos, por impossibilidade superveniente da lide”.

Ouvidos sobre essa questão, vieram os recorrentes, em súmula, requerer a alteração do pedido inicial formulado no recurso contencioso, de molde a incidir ele sobre o despacho «ratificado» proferido em 20 de Novembro de 2002, o qual, na sua óptica, enfermava dos mesmos vícios do acto «primário» de 11 de Julho de 2002, salvo no que toca ao vício de falta de fundamentação.

Por decisão proferida em 28 de Outubro de 2004 pela Juíza daquele 1º Juízo, foi indeferida a pretensão de substituição do objecto do recurso e julgada extinta a instância por impossibilidade superveniente da lide.

Do assim decidido recorreram os impugnantes para a Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo que, por acórdão de 14 de Fevereiro de 2006, concedeu provimento ao recurso, revogando a decisão recorrida por sorte a ser admitida a substituição do objecto do recurso.

De tal acórdão recorreu, por oposição de julgados, para o Pleno da Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo, a Câmara Municipal de Lisboa.

Os recorrentes contenciosos vieram apresentar resposta à alegação, na qual – no que ora releva – disseram em dados passos, formulando a final, as seguintes «conclusões»:

“(...)

Fazer extinguir uma instância ou uma lide que mantém todos os seus pressupostos processuais e materiais válidos, e sendo esse o interesse dos ora recorridos, é manifestamente uma violação do princípio da economia processual, bem como uma violação dos princípios anti-formalista e pro actione, e dos princípios constitucionais da tutela jurisdicional efectiva e de acesso ao direito.

(...)

Se a entidade administrativa pode unilateralmente substituir um acto administrativo por outro, no decurso de um processo judicial, então, o particular afectado por essa alteração, tem também de conseguir substituir o objecto do processo pelo novo acto administrativo, desde que seja esse o seu interesse e se mantenham válidos alguns dos fundamentos para declarar a anulabilidade do novo acto administrativo. Ou seja, desde que se mantenha a utilidade da lide.

Tem de haver igualdade de armas entre a administração e os administrados, sob pena de se estar a postergar direitos fundamentais, em particular o direito a um processo equitativo, previsto no art. 20º, nº 4, da Constituição da República.

(...)

Vale isto dizer que invocar o princípio da estabilidade da instância é manifestamente esdrúxulo, senão mesmo uma alegoria jurídica, porque se pretende justificar uma decisão com um princípio jurídico de processo civil que, na sua esfera de competência jurisdicional própria, jamais afastaria os tribunais cíveis de conhecer das restantes causas de pedir e do pedido.

Ou seja, com esta alegoria jurídica mantém-se nas trevas não somente a solução propugnada pelo processo civil, se este imperasse, mas, outrossim, afasta[m ]-se escandalosamente os princípios constitucionais da tutela jurisdicional efectiva, do direito a um processo equitativo e do direito a ter uma decisão em prazo razoável.

(...)

Ao decretar-se a impossibilidade superveniente da lide, está a violar-se o princípio constitucional da tutela jurisdicional efectiva, o direito a um processo célere, o direito a um processo equitativo, previstos nos arts 20º nºs 4 e 5, e 268º nº 4, da Constituição da República Portuguesa e ainda os princípios da economia processual e da adequação formal, previstos no CPC.

Tem-se pois como certo que a interpretação correcta das normas em apreciação, tem de ser feita com todos estes princípios e, consequentemente, ainda que se entenda que a remissão do artº 147º do CPA não é extensível ao processo judicial, o que não se concede, tem sempre de se admitir a interpretação extensiva do nº 2 do artº 51º, da LPTA, à[o]s actos administrativos de ratificação-sanação, ou assim não se entendendo, tem de se aplicar a possibilidade de alteração da causa de pedir, por substituição do objecto do recurso contencioso, nos termos do artº 265º-A e 273º nº1, ambos do CPC.

CONCLUSÕES

  1. O despacho de ratificação-sanação proferido pela Entidade Recorrente substituiu na ordem jurídica o acto ratificado, com efeitos retroactivos;

  2. O despacho de ratificação-sanação não expurgou todos os vícios do acto ratificado, conforme alegado pelos recorridos;

  3. O despacho de ratificação-sanação continua a manter três dos vícios que podem originar a sua anulabilidade;

  4. A presente lide continua a ser processualmente útil e possível;

  5. Ao aceitar-se a impossibilidade superveniente da lide e a extinção da instância está-se a violar os princípios constitucionais da tutela jurisdicional efectiva, do direito a um processo judicial célere e o direito a um processo equitativo;

  6. Está-se igualmente a violar os princípios da economia processual e da adequação formal do processo;

  7. Segundo o entendimento do Acórdão-fundamento, se o Código do Procedimento Administrativo, no seu artº 137 nº 2, previsse uma remissão genérica para as regras da revogação, era possível a substituição do objecto do presente processo;

  8. No entanto, o Código do Procedimento Administrativo prevê, no seu artº 147º a remissão das normas da revogação para a alteração e substituição dos actos administrativos;

  9. A norma do artº 51º nº2, da LPTA, prevê a substituição do objecto do processo quando ocorre a substituição de um acto administrativo;

  10. Com a ratificação-sanação efectuada pela ora Recorrente, ocorreu a substituição do acto administrativo por um novo acto administrativo;

  11. Logo, é possível no presente processo a substituição do objecto da presente lide, porquanto se mantem os fundamentos para se considerar igualmente o novo acto administrativo anulável;

  12. A remissão do artº 147º; do CPA, também se aplica ao direito processual;

  13. O direito processual é um direito instrumental do direito material, tendo-se de conformar com as suas regras, que se lhe aplicam por igualdade de razão ou por força do principio da prevalências das normas materiais sobre as normas processuais;

  14. O Direito é um todo, não sendo aceitável defender que o direito processual não deve ter em consideração as normas de direito material.

  15. Em consequência, deve aplicar-se o nº 2 do artº 51, da LPTA, porque o legislador sabiamente e por remissão do artº 147º; do CPA, permite uma aplicação imediata da substituição do objecto do pedido.

    NOUTRA PERSPECTIVA, MAS SEM CONCEDER, SEMPRE SE CONCLUI O

    SEGUINTE:

  16. As normas excepcionais comportam interpretação extensiva, conforme previsto no artº11ºdo Código Civil, e ao contrário do entendido pelo Tribunal ‘a quo’;

  17. As razões de facto e de direito que permitem concluir pela substituição do objecto do recurso, na revogação-substituição de actos administrativos, são exactamente as mesmas para a ratificação-sanação, a reforma e a conversão de actos administrativos, desde que se mantenham válidos os fundamentos já alegados, para a impugnação do novo acto administrativo;

  18. O artº 51º nº 2 da LPTA não é uma excepção ao princípio da estabilidade da instância, mas uma emanação do princípio da economia processual, bem como dos princípios constitucionais já acima referidos;

  19. É manifestamente inconstitucional e ‘contra legem’ a interpretação restritiva do artº 51º nº 2 da LPTA, ao entender que a mesma não comporta ‘aplicação extensiva’;

  20. Se a instância se mantém válida relativamente a todos os seus elementos essenciais, e se o espírito da norma contida no artº 52º nº1, da LPTA, é permitir que num processo iniciado se possa conhecer do mérito da causa, então, tem de se admitir a continuação do presente processo, por interpretação extensiva;

  21. A norma do artº 51º nº2, da LPTA, faz o seu enfoque na substituição do objecto da lide, e não na revogação, pelo que o legislador quis manifestamente dizer mais do que aquilo que estatuiu;

  22. Não é a revogação que permite a substituição do objecto da lide, mas sim a substituição do acto administrativo anterior por um novo acto administrativo;

  23. A mera revogação do acto administrativo não é susceptível de substituição, porque desaparecem os fundamentos para a sua anulabilidade;

  24. Qualquer interpretação das normas administrativas tem de ser feita ao abrigo dos princípios anti formalista e pro actione;

  25. Em conformidade, a norma do artº 5º nº2, da LPTA, admite, por interpretação extensiva, a sua aplicação ao pedido de substituição do presente processo, porque se mant[ê]m válidos todos os pressupostos processuais e os fundamentos já invocados. -

    AINDA NOUTRA PERSPECTIVA, MAS TAMBÉM SEM CONCEDER:

  26. Se a norma do artº 51º nº2, da LPTA, não tem de todo aplicação ao pedido de substituição do objecto da presente lide...

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