Acórdão nº 359/07 de Tribunal Constitucional (Port, 19 de Junho de 2007

Magistrado ResponsávelCons. Mário Torres
Data da Resolução19 de Junho de 2007
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO N.º 359/2007 Processo n.º 597/07 2.ª Secção

Relator: Conselheiro Mário Torres

Acordam, em conferência, na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional,

1. A. reclama, ao abrigo dos artigos 76.º, n.º 4, e 77.º da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional, aprovada pela Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, e alterada, por último, pela Lei n.º 13-A/98, de 26 de Fevereiro (LTC), contra o despacho do Presidente do Tribunal da Relação do Porto, de 27 de Abril de 2007, que não lhe admitiu recurso interposto para o Tribunal Constitucional.

1.1. O reclamante, advogado, havia intentado, nos Julgados de Paz da Comarca do Porto, acção declarativa de responsabilidade extracontratual contra B., também advogado, e a Ordem dos Advogados, pedindo a sua condenação solidária no pagamento da quantia de € 3740,98, a título de indemnização por danos à sua personalidade, por, no âmbito do processo disciplinar que lhe foi instaurado pela segunda demandada e distribuído ao primeiro demandado como seu relator, terem permitido que fossem juntas ao referido processo disciplinar duas cartas-missivas confidenciais da sua autoria.

Da sentença do Juiz de Paz que julgou improcedente a acção, por considerar não ter havido violação ilícita de direitos de personalidade do demandante, mas que também não acolheu a pretensão dos demandados no sentido de o autor ser condenado como litigante de má fé, recorreu, quanto à primeira decisão, o ora reclamante e, quanto à não condenação como litigante de má fé, recorreu subordinadamente a Ordem dos Advogados.

Por sentença de 15 de Julho de 2005 do 1.º Juízo do Tribunal de Pequena Instância Cível do Porto (fls. 210 a 220 do processo principal e 19 a 28 destes autos), foi negado provimento ao recurso principal (do autor) e julgado procedente o recurso subordinado (da Ordem dos Advogados), condenando-se o ora reclamante como litigante de má fé.

Desta decisão de condenação como litigante de má fé interpôs o ora reclamante recurso para o Tribunal da Relação do Porto (fls. 236 do processo principal e 30 destes autos), que foi admitido por despacho de 22 de Novembro de 2005 (fls. 274 do processo principal e 34 destes autos), tendo o recorrente apresentado as respectivas alegações (fls. 292 a 297 do processo principal e 35 a 39 destes autos).

Após diversas vicissitudes processuais, foi proferido o despacho de 12 de Outubro de 2006 (fls. 346 a 349 do processo principal e 89 a 92 destes autos), no qual, constatando-se não ter o recorrente pago a taxa de justiça devida pela interposição do referido recurso e não beneficiando de apoio judiciário no âmbito do presente processo, determinou-se a sua notificação para pagar a taxa de justiça em dívida, acrescida de multa.

O recorrente interpôs, em 31 de Outubro de 2006, recurso deste despacho (requerimento de fls. 353 a 356 do processo principal e 96 a 99 destes autos), que, porém, não foi admitido por despacho de 9 de Novembro de 2006 (fls. 357 do processo principal e 100 destes autos), por o valor da causa não ser superior à alçada do tribunal e por não ser aplicável o estatuído no artigo 678.º, n.º 2, do Código de Processo Civil (CPC), por não se verificar ofensa de caso julgado, uma vez que não houve qualquer decisão anterior (quer do Julgado de Paz, quer do Tribunal de Pequena Instância Cível do Porto) sobre a questão de não beneficiar o recorrente de apoio judiciário no âmbito do presente processo.

Notificado deste despacho, o recorrente apresentou, em 28 de Novembro de 2006, o requerimento de fls. 360 do processo principal e 103 destes autos, no qual, numa primeira parte, interpõe novo recurso “da decisão que refere «o valor da causa não é superior à alçada deste Tribunal»”, e, numa segunda parte, declara “impugna[r] por meio de recurso a decisão que lhe não admitiu o recurso interposto com fundamento em ofensa de caso julgado”. Por despacho de 7 de Dezembro de 2006 (fls. 361 do processo principal e 104 destes autos), não foi admitido o novo recurso, por o referido quanto ao valor da causa não ser uma decisão, mas a fundamentação da decisão de não admissão do primeiro recurso, e, quanto à segunda parte, foi determinada a notificação do recorrente para apresentar reclamação, nos termos do artigo 688.º, n.º 2, do CPC.

1.2. Em 9 de Janeiro de 2007, o recorrente deduziu reclamação para o Presidente do Tribunal da Relação do Porto (fls. 364 a 379 do processo principal e 2 a 16 destes autos) contra os dois despachos de não admissão de recurso: (i) o de 9 de Novembro de 2006, que não admitiu o recurso interposto do despacho de 12 de Outubro de 2006, que determinou a sua notificação para pagar a taxa de justiça em dívida, acrescida de multa, e (ii) o de 7 de Dezembro de 2006, que não admitiu o recurso da passagem do despacho de 9 de Novembro de 2006 que refere que “o valor da causa não é superior à alçada deste Tribunal”. Essa reclamação termina com a formulação das seguintes conclusões e pedidos:

“1. É inconstitucional o artigo 456.° do CPC com a interpretação de um tribunal cível poder condenar um advogado em litigância de má fé com fundamento em prática de alegada infracção disciplinar sem existir qualquer decisão definitiva sobre o cometimento dessa alegada infracção disciplinar proferida pela Ordem dos Advogados ou pela jurisdição administrativa, em procedimento disciplinar previsto nos termos da Lei, por infringir a presunção de inocência enunciada no n.º 2 e n.º 10 do artigo 32.º da CRP e por infringir a parte final do n.º 1 do artigo 211.º da CRP.

  1. É inconstitucional o artigo 678.º, n.º 2, do CPC, com o sentido de poder ser indeferida a admissão da subida dum recurso, que é interposto com fundamento em ofensa de caso julgado, por se entender que inexiste qualquer ofensa de caso julgado cometida, infringindo o artigo 2.º e a parte final do n.º 4 do artigo 20.° da CRP.

  2. É inconstitucional o artigo 678.°, n.º 3, do CPC, com a interpretação de não poder ser admitido um recurso, que é interposto com fundamento de que o valor da causa excede a alçada do tribunal de que se recorre, entendendo-se que a apreciação feita sobre o valor da causa e que é objecto de recurso, no Tribunal, não constitui uma decisão que admite recurso, infringindo-se a regra dum processo equitativo determinada na parte final do n.º 4 do artigo 20.º da CRP e o n.º 1 do artigo 202.º da CRP.

  3. A ilegitimidade é de conhecimento oficioso por qualquer entidade judicial, não podendo a Presidência da Relação do Porto, como entidade judicial, recusar-se a dela conhecer sob pena de infringir os seus deveres funcionais – vide artigos 494.º, n.º 1, alínea e), e 495.º do CPC.

  4. Conforme a jurisprudência da Relação do Porto votada unanimemente no Acórdão de 21 de Setembro de 2000, registado no Livro n.º 419, a fls. 184 e seguintes, não tem legitimidade para recorrer da não condenação em má fé quem requereu essa condenação da parte contrária sem sucesso.

  5. Cumpre à Presidência da Relação do Porto deliberar essa ilegitimidade, da parte contrária ao aqui reclamante, a qual, precisamente; recorreu de uma decisão que não condenou o aqui reclamante em litigância de má fé.

  6. Fazendo-o, como é seu dever oficioso, a Presidência da Relação do Porto faz cumprir a sua própria jurisprudência de um modo imparcial, geral e abstracto.

Nestes termos, declare-se a ilegitimidade da parte contrária ao aqui reclamante a partir do recurso por si interposto contra a não condenação do reclamante em má fé e defira-se a admissibilidade dos dois recursos interpostos nos termos da Lei com fundamento em ofensa de caso julgado, o primeiro, e com fundamento em valor da causa que excede a alçada do tribunal de que se recorre, o segundo.”

1.3. Por despacho do Presidente do Tribunal da Relação do Porto, de 10 de Março de 2007, a reclamação foi indeferida com a seguinte fundamentação:

“Foram precisos quase 38 anos para sermos confrontados com uma peça jurídica como a dos autos. Foram precisos mais de 6 anos para nos chamarem a atenção para o exercício dos nossos deveres jurisdicionais. Finalmente, quando a única tábua de salvação que se encontrou é a CRP e invocada, directamente, perante o PR [Presidente da Relação] e em sede de reclamação, é mais do que duvidosa legalidade todo o processado. E é de tal maneira o inusitado que temos vindo a dispensar longas horas para nos apercebermos do que é que aqui se discute e como se discute. Na verdade, recorrer dum despacho que se pronuncia sobre a admissão/não de um recurso interposto e restrito à respectiva fundamentação merece tratamento, pelo menos, extrajudicial: apreciação pela Entidade que superintende sobre a admissão e disciplina dos respectivos membros.

Mas não ficamos pelas assinaladas originalidades. É que estamos perante uma acção que teve o seu início, por ser essa a competência, que jamais foi questionada, nos Julgados de Paz. Daí que não seja possível o recurso ao Tribunal da Relação e, muito menos, ao PR. Já agora chama-se a atenção de que uma coisa é a decisão, singular, sem recurso, do PR e outra as do Tribunal da Relação, em colectivo dos respectivos Juízes Desembargadores. Como também uma coisa é interpor recurso dum Tribunal de Comarca a funcionar nos termos regulares e outra é quando este se reveste já das funções de tribunal de recurso, pelo que é ilícita – para não qualificar de forma mais gravosa – a invocação generalizada de acórdãos.

Daí que, pese embora todo o processamento, cuidado e sereno, do Juiz recorrido/reclamado, os autos deveriam ter-se ficado na 2.ª (segunda, está certo) instância deste tipo de acção, vedando-se, à nascença, a remessa ao Tribunal da Relação. Tudo conforme se dispõe nos artigos 688.°, n.º 5, e 687.°, n.º 3, do CPC, bem como nos seus princípios gerais de que o Juiz do processo dispõe de todos os poderes de admissibilidade e regularização das peças que lhe são apresentadas nos autos, sem necessidade de terem de ser não admitidas por quem a elas se dirige.

Por outro lado, o artigo 62.°, n.º 1, da...

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