Acórdão nº 316/07 de Tribunal Constitucional (Port, 16 de Maio de 2007

Magistrado ResponsávelCons. Mário Torres
Data da Resolução16 de Maio de 2007
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO N.º 316/2007 Processo n.º 917/05 2.ª Secção

Relator: Conselheiro Mário Torres

Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional,

1. Relatório

1.1. A., SA, e B., SA, interpuseram recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional, aprovada pela Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, e alterada, por último, pela Lei n.º 13-A/98, de 26 de Fevereiro (LTC), contra o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 6 de Outubro de 2005, que, além do mais, julgou improcedente recurso de revista por elas interposto do acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 7 de Outubro de 2004, na parte em que concedera parcial provimento à apelação do autor C. e declarara nulo o contrato, datado de 29 de Dezembro de 1989, de aquisição pela A., SA, à D., SGPS, de um lote de 4500 acções da B., SA.

De acordo com o respectivo requerimento de interposição, as recorrentes pretendem que o Tribunal Constitucional aprecie a inconstitucionalidade – por violação do direito de defesa e do direito a um processo equitativo, consagrados no artigo 20.º, n.ºs 1 e 4, da Constituição da República Portuguesa (CRP), bem como dos princípios da segurança e certeza jurídica, plasmados no artigo 2.º da CRP – da norma do artigo 343.º, n.º 1, do Código Civil, na interpretação que lhe teria sido dada no acórdão recorrido, “isto é, com o sentido de que, numa acção de simples apreciação em que o autor pede a declaração de nulidade de um contrato de aquisição de acções e dos actos que um dos réus praticou invocando a qualidade de accionista do outro réu, seria aos réus que competiria provar não só a existência de tal contrato, mas também que este não padeceu de nenhum vício, e, concretamente, dos que lhe são imputados pelo autor”, questão de inconstitucionalidade esta que teria sido suscitada pelas recorrentes “na sua alegação de recurso de revista e foi objecto da conclusão 8.ª dessa mesma alegação”.

1.2. O presente recurso emerge de acção declarativa de simples apreciação, intentada por C. contra as ora recorrentes, pedindo: a) se declare nulo o contrato com data de 29 de Dezembro de 1989, assinado por E. em nome da A., tendo por objecto a aquisição de 4500 acções da B., SA; b) caso assim se não entenda, se declare ineficaz para a sociedade A. a aquisição de bens feita ao accionista fundador, D. SGPS; c) por efeito da declaração de nulidade ou ineficácia, sejam nulos todos os actos que os administradores da A. praticaram tendo como pressuposto a qualidade de accionista da B.; d) sejam declaradas nulas e havidas como inexistentes as assembleias gerais da B., SA, cujo quorum constitutivo foi inquinado pela presença da A., enquanto detentora de mais de 90% do respectivo capital social ou de igual percentagem de votos.

Como fundamento da sua pretensão, o autor alegou, em síntese, o seguinte: 1) No capital social da A., sociedade anónima, tem o autor 403 acções ao portador de valor nominal de 1000$00 cada; 2) A A., invocando-se detentora de mais de 90% do capital social da B., nela colocou recursos financeiros que, em 31 de Dezembro de 1991, ultrapassavam 2 000 000 contos, o que põe em risco a integridade patrimonial da A.; 3) Tudo assentou numa pretensa aquisição de um lote de 4500 acções da B., à D. SGPS, correspondente a 90% do respectivo capital social; 4) A B. foi constituída pela D. com um capital social de 5 000 000$00, visando o lançamento de um jornal diário; 4) Além da D., são accionistas fundadores da B., E. e F.; 5) Os accionistas da A. dão-se conta, em 1990, de que a sociedade se havia convertido na fonte financiadora da B., para aí transferindo os seus recursos, sem nunca haverem deliberado qualquer autorização para o efeito; 6) As acções da B. encontram-se sujeitas a registo nos termos do artigo 13.º do Decreto-Lei n.º 85-C/75, de 26 de Fevereiro, e as próprias acções da A.teriam de passar a ser nominativas – artigo 7.º, n.º 10, do Decreto-Lei n.º 85-C/75; 7) Em 7 de Março de 1990, não constava na Direcção-Geral da Comunicação Social que a A.fosse accionista da B.; 8) A administração da A., interpelada em assembleia geral, sempre ocultou aos seus accionistas o modo como se constituíra accionista da B.; 9) O contrato de aquisição das 4500 acções da B. é firmado apenas com uma assinatura, quando, por força dos estatutos, a sociedade só se obriga com duas assinaturas; 10) Tal contrato não foi precedido de deliberação válida do Conselho de Administração da A.; 11) Em 1989, a A. adquiriu à D. 29 500 contos de acções e obrigações, sem prévia autorização da assembleia geral de accionistas; 12) Tais aquisições não foram feitas em bolsas; 13) A A. tinha aumentado o seu capital de 200 000 para 300 000 contos; 14) O contravalor dos bens adquiridos à D. só em 1989 ultrapassou os 2% do capital social que a lei prevê como limite; 15) A aquisição das 4500 acções da B. tendia ao domínio total, nos termos do artigo 490.º do CSC, e sujeito ao direito potestativo de cada um dos accionistas livres de exigir que a sociedade dominante lhe fizesse uma oferta de aquisição, nos termos do n.º 5 daquele artigo; 16) O contrato de aquisição das 4500 acções não é vinculativo para a A., porque firmado apenas pelo Eng. E.; 17) Quando, em 12 de Abril de 1990, a B. requer o segundo registo de acções, o Eng. E. deixara de ser accionista da B., que teria alienado a sua posição a favor de D., como forma de atingir o lote das 4500 acções; 18) Essa transmissão estava sujeita a deliberação do Conselho de Administração da A., em que ele não podia votar, e ao parecer do Conselho Fiscal, o que não foi feito.

1.3. Tendo a acção sido julgada improcedente e os réus sido absolvidos do pedido, o autor deduziu recurso de apelação para o Tribunal da Relação de Lisboa, que, por acórdão de 7 de Outubro de 2004, lhe concedeu parcial provimento, declarando nulo o contrato de aquisição de acções celebrado entre a A. e a D., por falta de observância das formalidades ad substantiam para a transmissão das acções, e reconhecendo que, caso não fosse nulo, o contrato seria ineficaz, nos termos do artigo 29.º, n.º 5, do CSC, por ser estranho ao objecto da 1.ª ré. Foram, no entanto, desatendidas, entre outras, as pretensões do autor apelante no sentido: (i) da nulidade do pacto social da B. na parte em que prevê que o capital social podia ser constituído por acções nominativas ou ao portador; (ii) da inexistência jurídica dos títulos; (iii) da nulidade do contrato de transmissão de acções por nele ter participado o administrador de uma das sociedades, em violação do disposto no artigo 397.º, n.º 2, do CSC; (iv) da falta de intervenção do número de administradores exigido; (v) da nulidade dos contratos de suprimento; e (vi) da nulidade das assembleias gerais em que a A. participou na qualidade de accionista da B..

Para alcançar esta decisão, desenvolveu o Tribunal da Relação de Lisboa a seguinte argumentação:

“c) Natureza da acção.

Intentou o autor a acção como de «simples apreciação negativa». Até à prolação da sentença, não tomou o Tribunal posição expressa quanto à invocada natureza. Em sede de sentença, começou o tribunal por qualificar a acção como de «simples apreciação positiva».

Dispõe o artigo 4.º, n.º 2, do CPC que as acções declarativas podem ser de simples apreciação. As de simples apreciação têm por fim obter unicamente a declaração da existência ou inexistência de um direito ou de um facto. Temos pois acções de simples apreciação «positiva» e «negativa». Como refere Alberto dos Reis (Código de Processo Civil Anotado, vol. I, pág. 21), «A questão (da admissibilidade da acções de simples apreciação) está resolvida. Pode propor-se uma acção de simples apreciação quer sob a forma positiva (acção destinada a fazer declarar a existência de um direito ou de um facto) quer sob a forma negativa (acção proposta para se obter a declaração da inexistência de um direito ou de um facto). (...) O que caracteriza a acção de simples apreciação e a distingue da acção de condenação é a ausência de lesão ou violação do direito. A acção de condenação pressupõe um facto ilícito, isto é, que o direito já foi violado; a acção de simples apreciação é anterior à violação do direito ou tudo se passa como se o fosse. (...) Na acção de simples apreciação não se exige do réu prestação alguma, porque não se lhe imputa a falta de cumprimento de qualquer obrigação. O autor tem simplesmente em vista pôr termo a uma incerteza que o prejudica: incerteza sobre a existência de um direito ou de um facto».

Do que fica dito resulta que se relativamente às acções de simples apreciação (positiva ou negativa) o que se pretende é pôr termo a uma situação de incerteza, susceptível de o prejudicar («O que dá origem à acção é o facto de o réu se arrogar determinada pretensão» – Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, vol. III, pág. 289), será em função do pedido que se aferirá se a acção de simples apreciação é «positiva» ou negativa». Isso mesmo refere Anselmo de Castro (Direito Processual Civil Declaratório, vol. I, pág. 115, edição de 1981), quando diz: «O que interessa, porém, para a sua classificação como negativa ou positiva, é o teor do pedido, a providência que o autor requer – e não a que o tribunal venha a decretar. O titular de um direito lançará mão de uma acção de declaração positiva quando, estando na posse dele, se levantem dúvidas acerca da existência ou conteúdo preciso do seu direito».

No caso presente, o autor demanda as rés, impugnando a qualidade de accionista no capital social da B. da 1.ª ré. O pedido formulado consiste na declaração de nulidade do contrato de aquisição de acções, bem como dos actos que esta praticou, invocando aquela qualidade (de accionista da B.). O que o autor pretende consiste, no essencial, na negação da qualidade de accionista no capital da B., que a 1.ª ré se arroga. Está-se, pois, perante acção de «simples apreciação negativa».

O apelante suscita...

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