Acórdão nº 198/07 de Tribunal Constitucional (Port, 14 de Março de 2007
Magistrado Responsável | Cons. Mário Torres |
Data da Resolução | 14 de Março de 2007 |
Emissor | Tribunal Constitucional (Port |
ACÓRDÃO N.º 198/2007 Processo n.º 49/07 2.ª Secção
Relator: Conselheiro Mário Torres
Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional,
1. Relatório
1.1. A. interpôs recurso (excepcional) de revista, para o Supremo Tribunal Administrativo (STA), a coberto do artigo 150.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), aprovado pela Lei n.º 15/2002, de 22 de Fevereiro, contra o acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 1 de Junho de 2006, que negou provimento ao recurso interposto da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Lisboa, de 27 de Março de 2006, que indeferira pedido de intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias, formulado pelo recorrente, ao abrigo do artigo 109.º e seguintes do CPTA, contra o Ministro da Justiça, no sentido de que a entidade requerida fosse intimada a adoptar a seguinte conduta: a) proceder à abertura de concurso para atribuição de licença de instalação de cartório notarial antes do termo do prazo do período transitório, a que se refere o artigo 106.º do Estatuto do Notariado (artigo 124.º do Estatuto do Notariado); b) abster-se de fixar qualquer restrição, no âmbito das condições de acesso e candidatura àquele concurso, que possa impedir que ao mesmo se apresentem os notários que, nos termos do artigo 107.º do citado Estatuto, tenham optado pela transição para o regime do notariado, apresentando-se ao 1.º concurso, mas que não tenham logrado obt[er] licença de instalação de cartório; c) assegurar ao requerente, no âmbito do concurso, em cumprimento do disposto no artigo 124.º do Estatuto do Notariado, o direito de preferência, em relação ao cartório de que é titular, reconhecido aos notários que optaram pelo novo regime do notariado, com o sentido e alcance dados pela lei de autorização legislativa da Assembleia da República (Lei n.º 49/2003, de 22 de Agosto artigo 2.º, alínea p)), e o Estatuto do Notariado aprovou (Decreto-Lei n.º 26/2004, de 4 de Fevereiro artigo 123.º, n.º 4).
1.2. Para melhor compreensão do sentido e alcance das pretensões formuladas pelo requerente importa recordar que com a aprovação, pelo Decreto-Lei n.º 26/2004, de 4 de Fevereiro, do novo Estatuto do Notariado (EN), se procedeu à privatização do notariado, através da mudança do estatuto dessa profissão, que passou do regime da função pública para o regime de profissão liberal. Como se lê na exposição de motivos daquele diploma, tratando-se de uma reforma de grande complexidade e inovação, geradora de naturais perturbações no meio notarial, impõe-se que a mesma se concretize de modo progressivo, por forma que a transição do sistema em vigor para novo modelo notarial se faça sem atropelos a direitos e expectativas legítimas dos notários e funcionários a ela afectos, pelo que se estabeleceu um período transitório de dois anos, durante o qual coexistirão notários públicos e privados, na dupla condição de oficial público e profissional liberal, no termo do qual só este último sistema vigorará, tendo, durante este período transitório, os notários ( ) que optar pelo modelo privado ou, em alternativa, manter o vínculo à função pública, sendo, neste caso, integrados em conservatórias dos registos.
Em execução deste propósito, o artigo 106.º do EN previu que a transição do actual para o novo regime do notariado deve operar-se num período de dois anos contados da data de entrada em vigor do presente Estatuto (n.º 1) e que durante o período de transição deve proceder-se ao processo de transformação dos actuais cartórios, à abertura de concursos para atribuição de licenças, à resolução das situações funcionais dos notários e dos oficiais que deixem de exercer funções no notariado e demais operações jurídicas e materiais necessárias à transição (n.º 2). O artigo 107.º, n.º 1, reconheceu aos actuais notários a possibilidade de fazerem uma das seguintes opções: (i) transição para o novo regime do notariado; ou (ii) integração em serviço da Direcão-Geral dos Registos e do Notariado; a primeira opção era feita mediante requerimento de admissão ao primeiro concurso previsto no artigo 123.º (n.º 2 do artigo 107.º), presumindo-se da ausência de entrega desse requerimento que o notário fizera a segunda opção (n.º 3 do artigo 107.º).
O artigo 109.º do EN estabeleceu que, na data da sua entrada em vigor, seriam criados, por município, quadros de pessoal paralelos com o número de lugares correspondentes ao número dos funcionários dos cartórios notariais abrangidos pelo diploma e a extinguir quando vagarem (n.º 1), sendo os notários e os oficiais que prestam serviço nos cartório notariais integrados no quadro de pessoal paralelo do município onde prestam serviço, com manutenção do direito à sua categoria funcional (n.º 2), dispondo o subsequente n.º 3 que os notários e os oficiais mantêm-se a prestar serviço no mesmo cartório até à tomada de posse do notário que iniciar funções nos termos previstos no presente diploma. A afectação dos notários (que optassem por não transitar para o novo regime do notariado) aos serviços externos dos registos far-se-ia por despacho do Director-Geral dos Registos e do Notariado em lugar de categoria funcional equivalente (n.º 4 do artigo 109.º) e com manutenção do vencimento de categoria e de exercício que auferissem nessa data (n.º 1 do artigo 110.º).
Ao primeiro concurso para atribuição de licença de instalação de cartório notarial podiam apresentar-se os notários, os conservadores dos registos, os adjuntos de conservador e de notário e os auditores dos registos e do notariado (n.º 1 do artigo 123.º), dispondo o n.º 4 deste preceito que o notário que concorra ao lugar de que é titular à data de abertura do concurso goza de preferência absoluta na atribuição da respectiva licença. Por último, previa o artigo 124.º do EN que concluído o concurso referido no artigo anterior, o Ministério da Justiça, durante o período transitório, deve abrir novos concursos para atribuição de licenças de instalação de cartórios notariais, de acordo com o número de lugares vagos e respectiva localização geográfica previstos no mapa notarial anexo ao presente Estatuto.
As pretensões deduzidas pelo requerente que concorrera ao primeiro concurso, mas que nele não obtivera colocação, sendo certo que não se candidatara ao lugar de que era titular e relativamente ao qual gozava de preferência absoluta consistiam, assim, em suma, na intimação da entidade requerida para que abrisse um concurso subsequente, durante o período transitório, que ele fosse admitido a apresentarse a esse concurso e que lhe fosse reconhecida a mesma preferência absoluta expressamente prevista, no artigo 123.º, n.º 4, do EN, para o primeiro concurso.
Para o efeito, lançou mão do processo de intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias, que, nos termos do artigo 109.º, n.º 1, do CPTA, pode ser requerida quando a célere emissão de uma decisão de mérito que imponha à Administração a adopção de uma conduta positiva ou negativa se revele indispensável para assegurar o exercício, em tempo útil, de um direito, liberdade ou garantia, por não ser possível ou suficiente, nas circunstâncias do caso, o decretamento provisório de uma providência cautelar, segundo o disposto no artigo 131.º (este último preceito prevê que: quando a providência cautelar se destine a tutelar direitos, liberdades e garantias que de outro modo não possam ser exercidos em tempo útil ou quando entenda haver especial urgência, pode o interessado pedir o decretamento provisório da providência).
1.3. O indeferimento da pretensão do requerente fundou-se essencialmente no entendimento, assumido pelas instâncias (TAF de Lisboa e TCA Sul), de que, por um lado, o direito de admissão ao concurso em causa poderia ser alcançado mediante uma decisão de mérito a proferir numa acção administrativa não urgente, cuja utilidade poderia ser assegurada pelo decretamento provisório de uma providência cautelar e daí que se não justificasse a intimação requerida, e, por outro lado, de que para a Administração não decorria nem da Constituição, nem da lei ordinária, o dever de agir objectivado na abertura de um segundo concurso com os pressupostos de natureza excepcional inerentes ao primeiro concurso efectuado no período de transição para os notários que já o eram à data da entrada em vigor do novo regime do notariado como profissão liberal.
No termo das alegações do recurso de revista interposto para o STA, o recorrente formulou as seguintes conclusões:
1. Está em causa um direito, liberdade e garantia individual o direito ao exercício da profissão artigo 47.º da CRP;
2. A natureza da legítima pretensão do recorrente abertura de concurso que lhe permita aceder a uma licença de Cartório Notarial Privado impõe uma decisão de mérito;
3. A urgência justificava-se e justifica-se, porquanto os «concursos subsequentes» para os notários que transitavam do anterior regime estavam legal e expressamente previstos para o «período transitório» de dois anos (artigo 106.º do EN), cujo termo então se aproximava e que neste momento já foi ultrapassado;
4. Justificava-se e...
Para continuar a ler
PEÇA SUA AVALIAÇÃO