Acórdão nº 142/07 de Tribunal Constitucional (Port, 28 de Fevereiro de 2007

Magistrado ResponsávelCons. Mário Torres
Data da Resolução28 de Fevereiro de 2007
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO N.º 142/2007 Processo n.º 54/07 2.ª Secção

Relator: Conselheiro Mário Torres

Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional,

1. Relatório

A. requereu, em 12 de Dezembro de 2006, ao Supremo Tribunal de Justiça (STJ) a concessão da providência de habeas corpus, ao abrigo do artigo 222.º, n.ºs 1 e 2, alínea c), do Código de Processo Penal (CPP), alegando, em suma, encontrar-se detido à ordem dos presentes autos desde 22 de Agosto de 2005 e, tendo por ele sido requerida a abertura de instrução, o respectivo debate instrutório ter sido marcado para 13 de Dezembro de 2006, pelo que qualquer decisão instrutória que pudesse ser tomada só poderia ser proferida depois de ultrapassado o prazo máximo de um ano de prisão preventiva fixado no artigo 215.º, n.º 2, alínea b), do CPP (que determina que, nos casos dos crimes aí previstos – sendo certo que o recorrente se encontra acusado de 18 crimes de sequestro, 16 crimes de roubo agravado, 1 crime de falsificação de documento agravado e 1 crime de detenção ilegal de arma –, a prisão preventiva não pode excede um ano sem que, havendo instrução, tenha sido proferida decisão instrutória).

A pretensão foi indeferida por acórdão de 20 de Dezembro de 2006 do STJ, com a seguinte fundamentação:

“De acordo com a informação a que se refere o artigo 223.º, n.º 1, [do CPP] o peticionante A. encontra-se preso preventivamente à ordem do referido processo desde 22 de Agosto de 2005, tendo sido detido na véspera, dia 21, posto o que foi apresentado em juízo para primeiro interrogatório judicial.

No dia 19 de Abril de 2006, foi deduzida acusação contra o peticionante, pela prática de crimes agravados de roubo e de sequestro, de falsificação de documento e de detenção de arma ilegal, acusação recebida em 7 de Setembro de 2006, com designação do dia 7 de Novembro para julgamento.

Entretanto, na data do início do julgamento, foi arguida pelo peticionante a nulidade do acto de notificação da acusação contra si deduzida, na sequência do que veio a ser declarada inválida a notificação da acusação e determinada nova notificação; na mesma data foi reavaliada e mantida a medida de coacção de prisão preventiva.

Mediante requerimento apresentado pelo peticionante, datado de 6 do corrente mês, foi requerida a instrução, fase processual que foi declarada aberta imediatamente, tendo-se realizado o respectivo debate no dia 13, com prolação imediata da decisão instrutória, ditada para a acta e notificada ao arguido e seu Ex.mo Mandatário, decisão que pronunciou aquele nos termos da acusação deduzida e manteve a prisão preventiva.

Entretanto, no dia 11, mediante despacho, foi declarada a especial complexidade do processo.

Convocada a secção criminal, com notificação do Ministério Público e do Ex.mo Defensor do peticionante, realizou-se audiência, cumprindo agora decidir.

*

A providência de habeas corpus constitui um procedimento extraordinário, com natureza de acção autónoma com fim cautelar, destinada a assegurar de forma especial o direito à liberdade constitucionalmente garantido, reconduzindo-se todos os seus fundamentos à ilegalidade da prisão, designadamente, por via da sua efectuação ou determinação por entidade incompetente, por motivada por facto que a lei não permite ou por se manter para além dos prazos fixados na lei ou por decisão judicial – alíneas a) a c) do n.º 2 do artigo 222.º.

Para além da verificação de um dos transcritos fundamentos, certo é que o pedido de habeas corpus pressupõe que a ilegalidade da prisão seja actual, actualidade reportada ao momento em que é apreciado aquele pedido.

Tem sido esta a posição constante e pacífica assumida por este Supremo Tribunal de Justiça.

Por isso, a providência de habeas corpus não se destina à sindicação de outros motivos ou fundamentos susceptíveis de pôr em causa a legalidade da prisão, nomeadamente a sindicação dos motivos ou fundamentos da decisão que ordenou a prisão ou a detenção e a emissão dos respectivos mandados, a apreciação de eventuais irregularidades processuais a montante ou a jusante da prisão ou a verificação da legalidade da prisão reportada a momentos anteriores, designadamente o cumprimento dos respectivos prazos de duração máxima em fases processuais já ultrapassadas.

Entrando no concreto dos autos verificamos que no dia 13 do corrente foi proferida decisão instrutória que pronunciou o peticionante, entre outros, pelos crimes agravados de roubo e de sequestro, crimes puníveis com pena de prisão de máximo superior a oito anos.

Por outro lado, no dia 11, mediante despacho, foi declarada a especial complexidade do processo.

O peticionante, como já se consignou, encontra-se preso desde o dia 21 de Agosto de 2005.

Atento o que preceitua a lei adjectiva penal em matéria de prazos de duração máxima da prisão preventiva, temos que o prazo de prisão preventiva a atender na concreta situação ou caso dos autos é o de 3 anos – artigo 215.º, n.ºs 1, alínea c), 2 e 3.

Deste modo e conquanto o peticionante tenha estado transitoriamente preso ilegalmente, a verdade é que actualmente tal não sucede, visto que o prazo de prisão preventiva só terminará no dia 21 de Agosto de 2008.

*

Termos em que se acorda indeferir o pedido de habeas corpus.”

É deste acórdão que vem interposto o presente recurso, tendo, a convite do relator no Tribunal Constitucional, o recorrente explicitado que o mesmo era interposto ao abrigo das alíneas b) e g) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional, aprovada pela Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, e alterada, por último, pela Lei n.º 13-A/98, de 26 de Fevereiro (LTC), pretendendo ver apreciada a inconstitucionalidade, por violação dos artigos 28.º, n.º 4, e 32.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa (CRP), da norma do artigo 215.º, n.ºs 1 e 2, do CPP, na interpretação que lhe foi dada pelo STJ, que, ao exigir a actualidade da ilegalidade da prisão, para concessão do habeas corpus, teria atribuído eficácia retroactiva ao despacho que declarou a especial complexidade do processo, proferido quando já tinha sido ultrapassado o prazo legal de prisão preventiva, adoptando, assim, interpretação já julgada inconstitucional pelo Acórdão n.º 13/2004 do Tribunal Constitucional. Mais referiu que só no requerimento de interposição de recurso teve oportunidade de suscitar a questão de inconstitucionalidade que pretende ver apreciada, “dado que o problema só se suscitou na altura em que foi proferida a decisão do habeas corpus”, atenta a superveniência do despacho de declaração da especial complexidade do processo.

O recorrente apresentou alegações, que terminam com a formulação das seguintes conclusões:

“1 – Repetimos. O STJ achou por bem fazer aquilo que censura ao cidadão indefeso.

Salvo o muito respeito devido, o princípio da Dura Lex, Sed Lex só se aplica ao cidadão comum. E a litigância fraudulenta e a má fé, igualmente. Porque o «cozinhado» que feito, foi escandalosamente para disfarçar uma negligência indesculpável e ilegal – manutenção da prisão contra a lei, conforme o entende o próprio STJ.

2 – O artigo 215.º é bem explícito e não admite interpretações com efeitos retroactivos. A interpretação que emerge do douto acórdão recorrido fere de morte o artigo 32.º, n.º l, da Lei Fundamental.

3 – O já invocado douto acórdão proferido pelo mais Alto Tribunal (Acórdão n.º 13/2004, proc. 925/2003, da 3.ª Secção, em que foi relator o Exmo. Cons. Bravo Serra) dá-nos a direcção certa da legalidade e do respeito pelos direitos dos cidadãos.

4 – É extremamente censurável que ao STJ, como contrapartida de o juiz titular do processo na 1.ª instância ter mantido preso o ora recorrente ilegalmente, lhe baste uma participação ao Conselho Superior da Magistratura.

Como se o cidadão ora recorrente não contasse para coisa nenhuma «espezinhando-se», dessa maneira, o seu direito à liberdade.

5 Ao arguido não lhe resta o seu advogado que constituiu. Resta-lhe o douto Tribunal...

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