Acórdão nº 87/07 de Tribunal Constitucional (Port, 06 de Fevereiro de 2007

Data06 Fevereiro 2007
Órgãohttp://vlex.com/desc1/2000_01,Tribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO N.º 87/2007

Processo n.º 995/2005 2ª Secção

Relator: Conselheiro Paulo Mota Pinto (Conselheira Maria Fernanda Palma)

Acordam na 2ª Secção do Tribunal Constitucional:

  1. Relatório AUTONUM 1.Pelo Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 24 de Maio de 2005 foi negado a A., na acção que intentara contra Companhia de Seguros B., AS, o direito a “indemnização por danos não patrimoniais” sofridos pela morte da vítima de um acidente de viação com quem convivia em união de facto. Pode ler-se nesse Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça:

    1. – A. intentou contra “Companhia de Seguros B., AS” acção declarativa, para efectivação de responsabilidade civil emergente de acidente de viação, reclamando da Ré o pagamento de € 49.879,79, dos quais € 42.771,92 por danos não patrimoniais, quer decorrentes do abalo que sofreu com o acidente quer com a morte da sua companheira.

    A final, a Seguradora foi condenada a pagar a quantia de € 26.436,28, a título de indemnização pelos danos não patrimoniais – sendo € 1.496,39 referentes aos danos sofridos directamente pelo A. e € 24.939,89 pela morte da companheira – e, a título de danos patrimoniais, o que vier a ser liquidado em execução de sentença, decisão de que ambas as Partes interpuseram recurso.

    A Relação reduziu a indemnização pelos danos sofridos pelo A. com o acidente para € 500,00, absolveu a R. do pedido indemnizatório fundado na morte da companheira do A. e manteve, no mais, o decidido na 1ª Instância.

    Pede ainda revista o Autor, que sustenta nas conclusões:

    - A questão prende-se apenas com os danos directamente sofridos pelo Recorrente, primeiro quanto à conformidade com a Constituição do art. 496.º-2 do C. Civil e depois quanto à fixação do quantum indemnizatório;

    - A inconstitucionalidade decorre do facto de a não abrangência do unido de facto sobrevivo pela norma do n.º 2 do art. 496.º violar a 1.ª parte do n.º 1 do art. 36.º da CRP quando prevê expressamente o direito de constituir família para além da relação matrimonial;

    - O art. 496.º-2 deve, portanto, ser objecto de uma interpretação extensiva pelo argumento a pari, por paridade de razão;

    - Assim, deve a indemnização pelos danos não patrimoniais ser fixada em não menos de € 42.771,92, acrescida de juros legais desde a citação.

    - Quando assim se não entenda deve ser fixada indemnização não inferior a € 12.500,00 para ressarcimento dos danos morais próprios emergentes do acidente em causa.

    A Recorrida apresentou resposta em que pugna pela manutenção do julgado.

    2. – Das conclusões formuladas resulta serem duas as questões propostas e para decidir:

    - A inconstitucionalidade da norma do n.º 2 do art. 496.º do C. Civil, quando interpretada no sentido de excluir o “cônjuge da facto” do direito a ser indemnizado pela morte do companheiro; e,

    - A fixação da compensação pelos danos não patrimoniais reclamados pelo Autor.

    3. – Das Instâncias vem assente a seguinte factualidade:

    A 30/01/00, pelas 1,45h., na EN 347, no sentido Alfarelos-Condeixa, ocorreu um acidente de viação que consistiu num despiste e colisão com uma árvore do veículo ligeiro de passageiros de matrícula PJ----, que era conduzido por C. e no qual seguiam como passageiros o Autor e D.;

    Em consequência do embate, D. sofreu lesões corporais, das quais resultou a sua morte;

    O Autor trabalha na Embaixada de Espanha, em Portugal como funcionário administrativo;

    No momento imediatamente anterior ao acidente, o A. pensou que poderia ficar gravemente ferido ou mesmo morrer em consequência do mesmo, o que lhe causou angústia e terror;

    O Autor receou que todos os seus projectos de vida pessoais e profissionais pudessem ser interrompidos em consequência do acidente;

    O Autor também exercia a actividade de tradutor por conta própria;

    Em consequência do acidente, deixou de fazer trabalhos de tradução que já tinha ajustado, facto que lhe causou prejuízo;

    Estragou o seu blusão, as calças e perdeu o seu relógio;

    O A. foi imediatamente assistido no Hospital dos Covões, em Coimbra, e posteriormente no de Santa Maria, em Lisboa;

    Ainda em consequência do acidente, o A. sofre de falta de concentração no trabalho;

    À data do acidente o Autor vivia maritalmente com a D., desde Novembro de 1997, e projectavam casar e ter filhos;

    Entre os dois existia amor, união e carinho;

    O A. sofreu um choque e uma grande dor com a morte da D., vivendo hoje com tristeza e recordando-a constantemente;

    O Autor nasceu em 07/02/961;

    A responsabilidade civil por danos causados pelo veículo PJ--- encontrava-se transferida para a Seguradora Ré.

    4. – Mérito do recurso.

    4. 1. – A constitucionalidade e interpretação do n.º 2 do art. 496.º do Código Civil.

    O Recorrente funda a sua pretensão de interpretação extensiva da norma do n.º 2 do art. 496.º e correspondente afastamento da interpretação literal, por forma a nela incluir as pessoas que viviam com a vítima numa situação de união de facto, na violação do direito de constituir família para além da relação matrimonial, acolhido pelo n.º 1 do art. 36.º da Constituição da República, que não já no princípio da igualdade que o art. 13.º da mesma Lei Fundamental consagra.

    O preceito em causa dispõe assim: “Por morte da vítima, o direito à indemnização por danos não patrimoniais cabe, em conjunto, ao cônjuge não separado judicialmente de pessoas e bens e aos filhos ou outros descendentes; na falta destes, aos pais ou outros ascendentes; e, por último, aos irmãos ou sobrinhos que os representem”.

    Trata-se de um caso em que a lei atribui a determinadas pessoas ou grupos de pessoas, sucessivamente, a titularidade do direito a indemnização por danos próprios, mas por factos em que considera lesado alguém que não é o titular do direito violado.

    Desaparecido, pela produção do dano-morte, o sujeito do direito de personalidade violado, a quem pelos princípios gerais da responsabilidade civil caberia o direito à indemnização, a lei elege como titulares originários desta certos terceiros em atenção às suas relações familiares com a vítima.

    A opção pela indicação taxativa e graduada das pessoas cujos danos são atendíveis deve-se a razões de certeza e segurança, apesar de poder verificar-se que o facto cause danos, porventura mais graves, a outras pessoas ou mesmo que as pessoas contempladas sofram dor ou desgosto por forma não coincidente com a ordem de precedências estabelecida no preceito. O legislador quis sacrificar “as excelências da equidade (...) às incontestáveis vantagens do direito estrito” (P. DE LIMA e A. VARELA, C. Civi Anotado, 4ª ed., p. 501).

    A letra da lei exclui, pois, da titularidade do direito, quer quaisquer pessoas nela não referidas, quer, de entre as referidas, as que resultem afastadas pela precedência da respectiva graduação.

    Exclui-o também, quanto ao “cônjuge de facto”, como se refere no Acórdão deste Tribunal de 4/11/03 (CJ, XI-III, p. 135), “o enquadramento histórico da norma, nascida num tempo e num espaço de absoluta rejeição dos valores que suportam as uniões de facto”.

    Mas, será que a norma deve ser interpretada extensivamente, incluindo na classe do cônjuge não separado judicialmente de pessoas e bens, filhos ou outros descendentes, o unido de facto ou companheiro do falecido, relevando os elementos teleológico e actualista postulados pelo direito constitucionalmente reconhecido de constituir família para além da relação matrimonial (art. 36.º, n.º 1, 1ª parte) e pela evolução legislativa sobre o reconhecimento das uniões de facto?

    O art. 36.º, n.º 1, da CRP, revelando abertura à “pluralidade e diversidade das relações familiares”, admite expressamente o direito de constituir família sem casamento, inculcando claramente adoptar o conceito de “família” como uma realidade mais ampla que a da família conjugal, resultante do casamento.

    A Constituição da República reconhece uma relevância fundamental à família assente no casamento e ainda, independentemente do vínculo conjugal, à família constituída por pais e filhos. É o que resulta da autonomização do direito de contrair casamento e do estatuto e efeitos da sociedade conjugal aludidos nos n.ºs 1 e 2 do art. 36.º, por um lado, e da preocupação com o estatuto da filiação e da família constituída por pais e filhos, nascidos ou não de casamento, por outro lado – arts. 36.º, n.ºs 3, 4, 5 e 6, 68.º e 69.º.

    Deste modo, como escrevem JORGE MIRANDA e RUI MEDEIROS ( CRP Anotada, Tomo I, p. 399), “nesta perspectiva, no direito de constituir família, o art. 36.º-1 abrange, ao lado da família conjugal, a família constituída por pais e filhos, podendo extrair-se do preceito um direito fundamental, não apenas a procriar, mas também ao conhecimento e reconhecimento da paternidade e maternidade”.

    Para além disso, o art. 36.º, não excluindo do seu âmbito de previsão outras relações de tipo familiar ou parafamiliar e a respectiva tutela jurídica, nomeadamente quanto às uniões de facto, também não conduz a que nele se veja, sem mais, a consagração do direito a estabelecer a união de facto como alternativa ao casamento, exigindo um tratamento indiferenciado para cônjuges e unidos de facto, apesar de, como dito, o direito de constituir família poder resultar de uma união de facto estável e duradoura, nos termos que o legislador ordinário fixar, dentro da liberdade de conformação (cfr. ob. cit., p. 402).

    Da diferença entre a situação de cônjuges e “cônjuges de facto” ou unidos de facto – para além do âmbito da protecção específica do casamento e da família constituída por pais e filhos, como se deixou referido – resulta, pois, que não possam ser excluídas discriminações de tratamento entre uns e outros.

    Ponto é averiguar se umas tais discriminações, quando existam, carecem deuma justificação razoável, revelando-se, à luz do princípio da proporcionalidade, vedadas pelo conteúdo das normas fundamentais, o que poderá acontecer quanto a disposições que "directamente contendam com a protecção dos membros da família, protegendo designadamente o membro...

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