Acórdão nº 07A3437 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 30 de Outubro de 2007

Magistrado ResponsávelFONSECA RAMOS
Data da Resolução30 de Outubro de 2007
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça ... - Construções, Ldª., intentou, em 28.2.1997, pelo Tribunal Judicial da Comarca de Loures - 3º Juízo - acção declarativa de condenação com processo comum ordinário, contra: 1- ...-Investimentos Hoteleiros, Ldª.

2- AA [e marido].

3 - BB.

Pedindo que sejam os Réus, solidariamente, condenados a pagarem-lhe quantias seguintes: a) - 9.961.833$00, correspondente ao valor dos trabalhos executados e materiais adquiridos e encomendados a terceiros, em 08.10.1996, data da interrupção das obras, acrescida de juros vencidos, na importância de 387.556$00, e vincendos, até integral e efectivo pagamento; b) - 28.063.167$00, a título de indemnização por violação das regras da boa fé e violação das expectativas negociais, acrescida de juros de mora, até integral e efectivo pagamento, contados desde a citação dos Réus.

A Autora alega, em substância, que no dia 8.10.1996, após ter iniciado a execução de uma empreitada de construção civil ajustada com a 1ª Ré pelo valor de 32.500.000$00, acrescido de IVA, seguranças a mando da 2ª Ré impediram, pela força, o acesso dos seus trabalhadores ao local da obra, e que após várias tentativas infrutíferas de resolver a situação criada, a Autora não teve outra alternativa senão resolver o contrato com fundamento no incumprimento contratual por parte da Ré sociedade.

Os prejuízos sofridos pela Autora em virtude da interrupção da obra e interdição de a continuar foram computados em 9.961.833$00, conforme auto de medição que foi comunicado à 1ª Ré.

A estes prejuízos acrescem os decorrentes da violação da expectativa negocial, estimados em valor correspondente ao remanescente pela execução do contrato de empreitada, ou seja, em 28.063.167$00, acrescido de IVA.

A 2ª e o 3º Réus são solidariamente responsáveis com a 1ª Ré pelos danos causados, uma vez que a interrupção da empreitada decorreu de uma intervenção pessoal destes sócios-gerentes.

Apenas a Ré AAcontestou, por excepção e por impugnação.

Por excepção, invocou a sua ilegitimidade, alegando que não teve qualquer intervenção no contrato de empreitada ajuizado como sócia ou gerente da 1ª Ré, bem como a ineficácia do contrato de empreitada por não observar as formalidades legais; o contrato não se encontra selado; e a assinatura do sócio-gerente (3° Réu) que o assinou não está reconhecida por notário, nem a contratação foi precedida de deliberação dos sócios, como se impunha por se tratar de um acto de administração extraordinária.

Por impugnação, veio dizer que em virtude de desavenças conjugais entre a 2ª Ré e o 3° Réu e na pendência do processo de divórcio litigioso foi instaurada uma providência cautelar que culminou com a proibição do 3° Réu entrar ou de qualquer forma perturbar o direito de propriedade sobre vários imóveis da 2ª Ré, de entre os quais o imóvel onde a sociedade 1ª Ré tinha sede, que sempre foi pertença única e exclusiva daquela.

Nunca os trabalhadores da Autora foram proibidos de aceder ao local da obra ou a 2ª Ré, quer em nome individual quer como gerente da 1ª Ré, impediu ou de qualquer forma perturbou a execução normal das obras.

Contudo, e após ter conseguido reaver a propriedade dos seus imóveis e regressar à gestão da sociedade, ora 1ª Ré, foi a Autora que não aceitou continuar as obras, tendo como dona da obra a Ré, pelo que rescindiu o contrato.

As obras foram concluídas por outra sociedade construtora.

A Autora respondeu às excepções, alegando, além do mais, que a 2ª Ré sempre estaria obrigada a indemnizar a Autora, subsidiária e solidariamente com os outros Réus, ao abrigo das regras do enriquecimento sem causa.

Em tréplica, a 2ª Ré manteve que deveria ser absolvida da instância, por ilegitimidade.

Foi proferido despacho saneador, que relegou para a decisão final o conhecimento da excepção da ilegitimidade e julgou improcedentes as demais excepções invocadas pela 2ª Ré, e organizada a especificação e o questionário.

*** A final foi proferida sentença: "Por tudo o exposto, julga-se parcialmente procedente e provada a acção e, consequentemente, decide-se: a) A improcedência da excepção de ilegitimidade invocada pela 2ª Ré; b) Absolver do pedido o Réu BB; c) Condenar as Rés ...- Investimentos Hoteleiros, Ldª e AA, solidariamente, a pagarem à Autora: c. 1) a quantia de € 29.081,90 (vinte e nove mil e oitenta e um euros e noventa cêntimos), acrescida de juros de mora contados à taxa aplicável às empresas comerciais taxa de juros aplicável às dívidas comerciais, (Portarias n.°s 262/99, de 12 de Abril e 1.105/2004, de 31 de Agosto, e pelos Avisos do Banco de Portugal), desde 08.10.1996 até integral e efectivo pagamento; c. 2) a quantia de € 25.025,30 (vinte e cinco mil e vinte e cinco euros e trinta cêntimos), acrescida de juros de mora contados à taxa aplicável às dívidas comerciais (Portarias nºs 262/99, de 12 de Abril e 1.105/2004, de 31 de Agosto, e pelos Avisos do Banco de Portugal), desde 11.04.2006 até integral e efectivo pagamento.

d) Absolver a 1ª e 2ª Rés do restante pedido".

*** Inconformada, a Ré AA apelou para o Tribunal da Relação de Lisboa que, por Acórdão de 24.4.2007 - fls. 447 a 461 - julgou improcedente o recurso e confirmou a sentença recorrida.

*** De novo inconformada, recorre a Ré AApara este Supremo Tribunal e, nas alegações apresentadas, formula as seguintes conclusões: 1. O douto Tribunal de 1ª Instância, que foi nesta matéria acompanhado pelo Venerando Tribunal da Relação de Lisboa, não aceitou a validade da invocada resolução contratual pela Recorrida, considerando que a mora no cumprimento por parte da 1ª Ré existiu por período de tempo insuficiente para fundamentar a perda do interesse no cumprimento do contrato e a resolução do contrato.

  1. Entenderam ambos os Tribunais que a cessação do contrato de empreitada se deveu à desistência tácita por parte da 1ª Ré, facto este que não consta da causa de pedir da Recorrida.

  2. Nenhum dos factos sobre os quais o Venerando Tribunal deduz a desistência tácita se relaciona com a vontade negocial da 1ª Ré, donde deveria emanar a declaração, ou, sendo tácita, os factos que a revelam.

  3. Ora, se houvesse factos que, com uma tal probabilidade, revelassem a desistência tácita da 1ª Ré quanto à realização da obra, era notório que a aqui Recorrida seria a primeira a tal se desse conta, atendendo ao disposto nos artigos 217° e 224° do Código Civil.

  4. Por isso, a declaração tácita é um facto próprio do seu receptor, ou seja, neste caso, da Recorrida, devendo ser pela própria alegada, o que não aconteceu.

  5. Não cabe ao Tribunal deduzir a existência de declaração negocial se não houve a necessária "impressão no destinatário" para que a declaração possa ter valor negocial, sob pena de, ao fazê-lo, estar a substituir-se à Recorrida na alegação de um facto que lhe é próprio e favorável, violando o princípio do dispositivo, previsto no artigo 264°, nºl, e o art. 664°, ambos do Código de Processo Civil.

  6. Assim, ao tomar em consideração o suposto facto da desistência tácita, o Tribunal "a quo" está a pronunciar-se sobre questões sobre as quais não podia ter conhecimento e a condenar a aqui Recorrente em objecto diverso do pedido, verificando-se as nulidades previstas no artigo 668°, nº1, alíneas d) e e), do Código de Processo Civil.

  7. Quanto à responsabilidade civil extracontratual da Recorrente, não há qualquer suporte fáctico para realizar tal responsabilização, já que não ficaram distintamente provados o facto, a ilicitude, a imputação do facto ao lesante, o dano e o nexo de causalidade, necessários nos termos do artigo 483° do Código Civil.

  8. O facto praticado pela Recorrente não ficou suficientemente delimitado, porque não tendo ficado provado que houve perda de interesse da Recorrida no cumprimento do contrato, era sempre passível o contrato de ser cumprido e se o contrato se extinguiu por desistência da 1ª Ré, tal facto emanou da vontade desta e não da ora Recorrente, que são pessoas jurídicas distintas.

  9. O Tribunal "a quo" considerou que a extinção da empreitada é de imputar à Recorrente em termos de censura ético-jurídica, mas não explica, em concreto, em que modo é que tal se articula com a referida desistência, nem em que momento ou modo é que é imputável à Recorrente aquela extinção.

  10. Não ficou provado o modo como se deu a extinção do contrato de empreitada, nem, por isso, a extensão do "contributo" da Recorrente para tal quebra da relação contratual, não se conhecendo a extensão em que a actuação da Recorrente possa ter "contribuído" para a quebra da relação contratual entre a Recorrida e a 1ªRé, nem, consequentemente a que direitos daqueles foram violados e em que extensão, pelo que nunca a Recorrente poderia ser condenada ao pagamento de qualquer quantia indemnizatória.

  11. A interdição de continuação das obras por parte da Recorrente, foi feita sob a égide da providência cautelar que foi decretada em 3.10.96, segunda a qual o 3° Réu ficou proibido de perturbar o direito de propriedade sobre vários imóveis da 2ª Ré, de entre os quais, o imóvel em causa nas obras, o qual foi sempre pertença única e exclusiva da Recorrente.

  12. A proibição abrangia a perturbação "a qualquer título" do referido direito de propriedade da ora Recorrente, incluindo a situação dos autos.

  13. Por via da providência cautelar a ora Recorrente tinha autorização para que, em desconsideração da personalidade colectiva da 1ª Ré, impedir a realização das obras contratadas entre esta e a Recorrida, por ser aquela gerida pelo 3º Réu e porque a obra claramente perturbava o direito de propriedade da Recorrente.

  14. Quem havia contratado a empreitada tinha sido o 3° Réu, actuando a título de representante da...

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