Acórdão nº 07A3090 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 23 de Outubro de 2007

Magistrado ResponsávelMÁRIO CRUZ
Data da Resolução23 de Outubro de 2007
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: I. Relatório AA e esposa BB instauraram acção de reivindicação com forma de processo ordinário contra CC e esposa DD pedindo-que sejam declarados como legítimos donos de vários prédios identificados na petição inicial - e que sejam os RR. condenados a reconhecerem aos AA. aquele direito de propriedade e a restituírem-lhe os citados prédios livres e desembaraçados de pessoas e bens, pois se encontram abusivamente ocupados.

Para o efeito alegaram que, quer por direito de sucessão quer por usucapião, são donos dos prédios identificados que os RR. ocupam sem qualquer título legítimo, uma vez que caducou um contrato de arrendamento que chegou a existir com o pai dos RR. e se transmitiu, por morte daquele à esposa, mãe dos RR., nenhuma outra transmissão vindo a ocorrer depois disso.

O pai dos RR., primitivo arrendatário, faleceu em 1977/07/23, e sua esposa, a quem a arrendamento se transmitiu, veio a falecer a 2003/06/19.

Depois disso, os ora RR. mantiveram-se no seu uso e fruição sem autorização e contra a vontade dos AA.

Os RR. contestaram, aceitando a propriedade dos AA. sobre os prédios em causa, mas impugnando parte dos factos enunciados na petição, defendendo-se por excepção ao alegando a existência de contrato de arrendamento rural, celebrado em 1967, sob a forma verbal, entre o pai da A. e os aqui RR., tendo o seu início pelo S. Miguel, o qual, no entanto nunca foi reduzido a escrito, ainda que tendo o mesmo objecto do indicado na p.i. como estando extinto, que fora celebrado pelo pai da A. com o pai do R., estando um e outro sujeito ao mesmo objecto e às mesmas contraprestações.

Esse arrendamento sempre foi como tal reconhecido, sendo por outro lado constantemente pagas as respectivas rendas.

Referiu também que, mesmo que por hipótese se admitisse - o que os RR. não aceitam - que o arrendamento em causa era ainda o celebrado com o pai dos R. marido, o mesmo se teria transmitido a este, por via sucessória, nunca os RR. havendo sido notificados para a sua redução a escrito.

Na réplica os AA. impugnaram a defesa por excepção dizendo que nunca poderiam notificar os RR. para a redução a escrito de um contrato com os RR. (pois - em seu entender - nunca existiu), e que, por outro lado, mesmo que porventura tivesse existido - o que não aceitam - nunca os RR. poderiam opôr aos AA. essa defesa uma vez que só podiam fazê-lo com um título válido, o que no caso não poderia suceder alguma vez, dado que não haviam sequer os RR. que tivessem alguma vez interpelado os AA. para a redução a escrito desse (suposto) contrato, e uma vez que ( na segunda hipótese aventada, isto é, da sucessão do arrendamento) não haviam os RR. alegado os factos indispensáveis para poder haver transmissão de arrendamento.

Concluíram como na petição inicial.

A acção veio a ser julgada procedente, logo no saneador, por ter entendido o M.º Juiz que só um contrato plenamente válido pode servir de fundamento à não entrega de um bem aceite pelos RR. como sendo propriedade dos AA., quando na sua génese está uma acção de reivindicação.

Nessa decisão pronunciou-se também o M.º Juiz a respeito da insuficiência de alegação dos RR. na sua defesa, por não haverem dito estes na contestação que a falta de redução a escrito do contrato em causa era imputada aos AA. (o que só sucederia se os RR. tivessem alegado que haviam interpelado os AA. para a redução a escrito e estes se haviam recusado a fazê-lo), e por não haverem indicado os factos essenciais para que pudesse proceder a transmissão para os RR., na sua hipótese avançada.

Os RR. recorreram para a Relação, concluindo as suas alegações de recurso pela forma seguinte: A) A douta sentença, ao ser proferida sem ter sido observado o formalismo legal, o estipulado no n.º1 e 3 do art. 508.º do CPC, que o Juiz deveria convidar as partes para aperfeiçoar os articulados, que se traduz num poder-dever, cometeu assim uma nulidade processual.

B) Porém a sentença veio declarar que os AA. como legítimos donos dos prédios identificados nos autos e condenando os RR. a reconhecerem tal direito de propriedade, direito esse que os RR. nunca deixaram de reconhecer, pois nunca tiveram a intenção e convicção que tais prédios lhes pertenciam, indo além, condenando os RR. a restituir aos prédios aos AA., sem dar a estes a oportunidade de provar o título de posse.

C) Além disso, a decisão recorrida limitou-se a apreciar o formalismo do contrato de arrendamento rural, declarando que os RR. seriam culpados pela inexistência do contrato escrito.

D) E consequentemente omitiu a apreciação de outros direitos, violando manifestamente o princípio da boa fé, ou melhor, a figura do abuso de direito E) Não tendo sido valorizados os dados que indicam que esta decisão põe em risco sério a subsistência económica do arrendatário e do seu agregado familiar.

F) Como tal, o conhecimento e apreciação de tais questões são essenciais à decisão de mérito Termos em que (...) deve a acção da 1.ª instância ser revogada e, em consequência, ser a acção julgada improcedente (...) Justiça.

Os recorridos (AA.) contra-alegaram O recurso foi admitido na primeira instância e a Relação não opôs objecções ao seu recebimento, aceitando-o.

Ao demarcar o objecto de recurso, na respectiva apreciação, a Relação indicou as questões a tratar como sendo as seguintes: a) nulidade processual por omissão do despacho de aperfeiçoamento; b) ininvocabilidade da falta de forma de contrato alegado pelos RR.; c) omissão da apreciação do abuso de direito por violação dos princípios da boa fé.

O Acórdão da Relação veio a pronunciar-se sobre tais questões pela forma seguinte: a) Quanto à nulidade processual por omissão do despacho de aperfeiçoamento, decidiu que não existe a alegada nulidade uma vez que o que se pretendia que fosse aditado se reportava à alegação substancial de factos essenciais atinentes a matéria de excepção, sendo tal matéria de exclusiva iniciativa das partes, não se indiciando que essa...

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