Acórdão nº 0743233 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 10 de Outubro de 2007

Magistrado ResponsávelERNESTO NASCIMENTO
Data da Resolução10 de Outubro de 2007
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Acordam, em audiência, na 2ª secção criminal do Tribunal da Relação do Porto I. Relatório Nos autos supra em epígrafe identificados, foi deduzida acusação pública imputando ao arguido B.......... a prática de factos susceptíveis de integrar o tipo legal de crime de ofensa à integridade física por negligência, p. e p. pelo artigo 148°/1 do Código Penal e da contra-ordenação, p. e p. pelo artigo 14°/1, alínea b) do Decreto Lei 314/2003, de 17 de Dezembro.

Por sua vez, o assistente/demandante cível C.......... deduziu pedido de indemnização civil contra o arguido, pedindo a sua condenação no pagamento da quantia de € 5.000,00, metade a título de danos patrimoniais, lucros cessantes pela incapacidade para o trabalho, e metade a título de danos não patrimoniais.

A final veio a ser proferida sentença, que julgou improcedentes, quer a acusação pública, quer o pedido de indemnização civil.

  1. 2. Inconformado com o assim decidido, recorreu o assistente e demandante cível, apresentando, as seguintes conclusões: 1. na altura dos factos, o cão não estava atrelado; 2. o cão mordeu no ofendido; 3. como ficou provado e decorre do senso comum, a mordidela de que foi alvo provocou dores e incómodos ao ofendido; 4. a situação só ocorreu porque o arguido não tomou as medidas necessárias para que tal não acontecesse; 5. nomeadamente não colocou trela, nem açaimo; 6. o arguido, mesmo com trela, deveria ter segurado no cão e interposto a sua pessoa entre o animal e os transeuntes, no caso o ofendido; 7. deste modo, face às circunstâncias concretas e previsíveis para o dono de um cão deste porte e às próprias circunstâncias concretas do local, aliadas à capacidade de diligência de um cidadão médio, o arguido não conseguiu, em segurança, fazer com que o seu canídeo não atingisse fisicamente o ofendido; 8. a sentença recorrida não se pronunciou sobre a acusação da prática da contra-ordenação p. e p. pelo art. 7°/2 do DL 314/2003; 9. a sentença recorrida violou os artigos 148º/1 C Penal, 483º e ss. e 562º do C Civil em virtude dos artigos 71º e 129º C Penal e ainda o artigo 410º/1 C P Penal.

  2. 3. Respondeu o Digno Magistrado do MP, na 1ª instância, pugnando pela improcedência do recurso.

  3. 4. Respondeu, ainda, o arguido, sustentando as seguintes conclusões: 1. o tribunal a quo absolveu o arguido da prática de um crime de ofensa à integridade física por negligência, p. e p. pelo artigo 148º/1 C Penal e de uma contra ordenação, p. e p. pelo artigo 14º/1 alínea b) do Decreto Lei 314/2003 de 17 de Dezembro; 2. Tal decisão foi tomada tendo em atenção o depoimento do assistente testemunha de acusação, contraditórios com os testemunhos do arguido e restantes testemunhas de defesa; 3. da acareação da testemunha de acusação com a testemunha de defesa J.........., não chegou o Tribunal "a quo" a qualquer conclusão, porque ambos permaneceram contraditórios; 4. não podia o Tribunal proferir outra decisão que não a de absolver o arguido, uma vez que a versão da defesa relativamente aos acontecimentos a serem julgados mostrou-se, de facto, mais credível; 5. os depoimentos das restantes testemunhas de defesa, foram convincentes e esclarecedores, não tendo sido postos em causa pelo assistente na motivação do seu recurso; 6. ficou provado, também, não ter praticado o arguido a contra ordenação pela qual vinha acusado; 7. deste modo a decisão proferida pelo Tribunal "a quo" foi a única possível, de molde a ser feita justiça.

  4. Subidos os autos a este Tribunal o Exmo. Sr. Procurador Geral Adjunto, emitiu parecer no sentido da procedência do recurso, pugnando pela condenação do arguido como autor material de um crime de ofensa à integridade física por negligência.

    No cumprimento do estatuído no artigo 417º/2 C P Penal, nada mais foi acrescentado.

    Seguiram-se os vistos legais.

    Procedeu-se a audiência de julgamento, com observância de todo o legal formalismo.

    Cumpre agora apreciar e decidir.

  5. Fundamentação III. 1. Como é por todos consabido, são as conclusões, resumo das razões do pedido, extraídas pelo recorrente, a partir da sua motivação, que define e delimita o objecto do recurso, artigo 412º/1 C P Penal.

    No caso presente, de harmonia com as conclusões apresentadas, suscitam o recorrente para apreciação, tão só, a questão da subsunção dos factos ao direito.

  6. 2. Vejamos primeiro, a matéria de facto definida pelo Tribunal recorrido.

    Factos provados.

    No dia 22 de Outubro de 2005, pelas 16 horas, o arguido caminhava no passeio existente junto à Praia .......... com uma cadela, de raça "pastor alemão", de que era proprietário.

    A cadela seguia junto ao arguido.

    A dado momento, ao cruzar-se com o ofendido C.........., que também se encontrava a passear nesse local, a cadela, de modo inesperado, saltou em direcção a C.........., arranhando-o na parte dorsal da mão/pulso direita/o.

    Em consequência de tal agressão, o assistente C.......... sofreu "3 feridas superficiais na parte dorsal da mão direita", conforme consta da declaração médica emitida pela clínica em que, logo de seguida, foi assistido. Tendo sido examinado posteriormente, no dia 28/10/05, relata o exame médico de fls. 27 que, se trata de "3 feridas fontiformes com cerca de 2,3 milimetros de diâmetro da face posterior e antebraço direito" as quais se supõe que devem ter acarretado, para a cura médico-legal, doze dias de doença, sem afectação da capacidade para o trabalho O arguido é casado e tem dois filhos a seu cargo; com quem vive, juntamente com a esposa, em casa própria, pagando de empréstimo para aquisição da habitação a quantia mensal de 650,00€.

    É representante de electrodomésticos, recebendo comissão sobre as vendas, actividade em que aufere um rendimento mensal que ronda os 1500/1600 €.

    O arguido não tem quaisquer antecedentes criminais.

    Factos não provados.

    que a cadela não era conduzida à trela; que a cadela mordeu o assistente; que o arguido actou com falta de cuidado, violando elementares deveres de precaução e cautela, que o arguido representou como possível que poderia colocar, como colocou, em perigo a integridade física de terceiros e, ainda assim, actuou da forma descrita, conformando-se com essa possibilidade; que o arguido sabia que a sua conduta era proibida e punida por lei; que o demandante tenha sofrido muitas e prolongadas dores; que tenha tido de recorrer a medicamentos anti-inflamatórios, antibióticos e analgésicos; que, ao ser mordido, tenha sido possuído pelo pânico; que tenha tido profundas alterações do sono; que o seu estado de ansiedade o tenha impedido de trabalhar durante dez dias.

    Porque tal questão releva igualmente para a discussão do recurso, vejamos, também, o que em sede de fundamentação se deixou exarado no que concerne à convicção assim formada pelo Tribunal.

    O Tribunal alicerçou a sua convicção probatória na apreciação crítica e articulada de toda a prova produzida em sede de julgamento, à luz das regras da experiência e do mais elementar senso comum.

    Assim, e para além dos dados objectivos fornecidos pelos documentos, tomou-se em consideração as declarações e depoimentos prestados, em função das razões de ciência, das certezas e incertezas e ainda das lacunas, incoerências e demais inverosimilhanças, que transpareceram nesses mesmos depoimentos.

    O Tribunal não ficou convencido, com aquela margem mínima de segurança exigível, de que a cadela não trazia trela, atenta a contrariedade de depoimentos nesta matéria, sem que se encontrem razões para privilegiar uma versão em detrimento de outra e, não obstante o Tribunal ter, oficiosamente, procedido a acareação, que se mostrou infrutífera.

    O arguido e a testemunha D.........., esposa que o acompanhava no passeio, asseguram que a cadela trazia colocada a trela de cerca de 1,20m. e como o passeio é estreito passaram uns lado a alado dos outros, altura em que a cadela lançou as patas ao ofendido, tendo-lhe feito os três arranhões na mão/pulso.

    O assistente/demandante C.......... e a sua namorada/amante E.......... (que só a meio do depoimento e após várias insistências admitiu que mantém um relacionamento amoroso com o assistente) dizem que efectivamente passaram uns junto aos outros, mas referem que a cadela, naquele momento não tinha a trela colocada, que estava na mão da mulher do arguido.

    Ambas as hipóteses são plausíveis, o que leva o Tribunal, atenta a inconcludência da actividade probatória levada a efeito a dar como não provado tal facto, tanto mais que a enfermeira que os atendeu na clínica afirma que tem ideia que, naquela altura, os ouviu comentar que a cadela trazia trela mas que o dono não a conseguiu segurar no primeiro impulso.

    Onde o Tribunal definitivamente não pode dar crédito ao assistente e namorada é quando estes afirmam que ele foi mordido pela cadela, pois os arranhões que lhe foram observados são manifestamente incompatíveis com uma mordedura canina.

    A enfermeira F.......... e a médica G.......... relataram que o assistente apenas apresentava 3 arranhões com 2 a 3 mm., que foram desinfectados com betadine e foram-lhe colocados 2 pensos rápidos, duas simples "curitas", sendo que ao terceiro arranhão nem isso foi preciso colocar.

    Tanto a referida enfermeira como a recepcionista relataram que o assistente aparentava estar perfeitamente calmo com a situação, pela sua falta de gravidade bem como pelo facto de saber que estava vacinado contra o tétano.

    H.......... e I.........., que trabalhavam para o demandante, referiram, de modo pouco convicto e pouco convincente, que ele ficou incomodado com a situação.

    Face à prova produzida é no mínimo absurdo o pedido de indemnização do demandante por alegada incapacidade para o trabalho pelo período de 10 dias, pouco compatível com o comportamento processual de quem litiga de boa fé.

    Em suma a decisão probatória negativa derivou da ausência de produção de prova em julgamento, tendente a concluir-se de modo seguro pela verificação dos factos que foram dados como não provados e, bem ainda da prova de factos contrários a estes ou logicamente...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT