Acórdão nº 3618/2003-7 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 24 de Junho de 2003

Magistrado ResponsávelPIMENTEL MARCOS
Data da Resolução24 de Junho de 2003
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa.

B instaurou acção de condenação com processo comum na forma ordinária contra A (Cª de Seguros) Pedindo a condenação da R. a pagar-lhe a quantia de Esc. 4.832.755$00, acrescida de juros de mora à taxa de 10%, desde a citação até integral pagamento.

Para fundamentar o seu pedido, alega em síntese que:**** - celebrou com a R. um contrato de seguro do ramo roubo, com início em 15.07.89, pelo qual transferiu a indemnização por furto ou roubo que ocorresse nas suas instalações até um limite de Esc.40.000$00; - porque os bens existentes na fábrica ultrapassavam esse montante, o A. celebrou com outra seguradora, em 24.07.95, outro contrato de seguro, para reforço, em Esc.16.000.000$00, do capital seguro pela apólice da "PFA"; - na noite de 14/15 de Novembro de 1995 ocorreu um furto nas instalações do A., tendo sido furtadas mercadorias no valor de Esc. 6.178.829$00; - na data do sinistro existiam nas instalações do autor bens e mercadorias no valor de Esc. 75.000.000$00; - o A. participou à R. o furto ocorrido, por carta registada de 16/11/95, tendo esta considerado não ser responsável pelo pagamento de qualquer quantia; - a Real Seguros, à qual o autor participou o sinistro em 14.03.96, procedeu ao pagamento da indemnização no valor de 1.200.467$00; - na prática, A Real Seguros veio a pagar um valor que em rigor não lhe competia, pois toda a indemnização era devida pela ré, pois não se tratava de um co-seguro; - considerando o valor dos prejuízo do autor (6.178.829$00), e atento o facto de a congénere ter pago 1.346.074$00, encontra-se em dívida por parte da ré a quantia de 4.832.755$00.

*Citada, a R. contestou....

*Na réplica o A. ampliou o pedido para o montante de Esc.5.978.213$00....

**Procedeu-se a audiência de julgamento.

Seguidamente foi proferida a competente sentença nos seguintes termos decisórios: Pelo exposto, julgo a presente acção parcialmente procedente por parcialmente provada e, em consequência: 1-condeno a R. a pagar à A. a quantia de Euros 14.784,29 (Esc.2.963.984$27) acrescida de juros vincendos à taxa de 10% (portaria 1171/95) desde 27/03/96 e de 7% desde 17/04/99 (portaria 263/99 de 12/04) até integral pagamento.

2-Absolvo-a do remanescente do pedido formulado.

Dela recorreu a ré, formulando as seguintes conclusões:****

  1. As condições gerais do contrato e seguro dos autos foram aprovadas pelo Instituto de Seguros de Portugal, entidade pública com competência para limitar a autonomia privada.

  2. Porque assim, não se aplica a tais condições gerais o disposto no Dec. Lei nº 446/85, de 25 de Outubro, excepcionada que está na sua versão originária - a vigente à data da celebração do contrato de seguro.

  3. A cláusula 6ª das Condições Gerais do contrato de seguro dos autos é válida quanto à sua forma e ao seu conteúdo, tendo toda a justificação dentro do princípio da liberdade contratual e visando obstar a que se criem situações menos claras na quantificação de indemnizações devidas em caso de concorrência de contratos de seguro sobre os mesmos objecto e riscos, como é exemplo a situação dos presentes autos.

  4. Ao celebrar com outra seguradora contrato visando transferir para esta o mesmo risco sobre os mesmos bens que já havia transferido para a ora apelante, o ora apelado violou o contrato celebrado com esta, devendo sujeitar-se às consequências nele previstas para esse incumprimento, qual é a da suspensão dos respectivos efeitos.

  5. Efeitos do contrato que se encontravam suspensos à data do furto dos autos, razão porque a ora apelante não é responsável por qualquer indemnização a pagar ao ora apelado por efeito desse furto.

  6. O valor do prejuízo do ora apelado há-de corresponder ao valor da mercadoria que lhe foi furtada depois de deduzida a indemnização que recebeu da Real Seguros; ao valor assim encontrado há-se aplicar-se a percentagem de 53,3% pela qual a ora apelante seria responsável não fosse a suspensão dos efeitos do contrato de seguro e, seguidamente, deduzir-lhe a franquia de 10%.

  7. Com o que a indemnização que por ventura fosse devida pela ora apelante ao ora apelado nunca seria superior a 2.318.272$00.

  8. A cláusula 19ª das Condições Gerais do contrato de seguro dos autos é válida formal e substancialmente, não violando qualquer norma de carácter imperativo nem atentando contra qualquer regra de boa fé na interpretação de contratos.

  9. Além de traduzir uma expressão da liberdade contratual das partes, traduz uma aplicação do princípio da livre contratarão de cláusulas penais, que permite às partes a estipulação das consequências em caso de mora ou de incumprimento das obrigações por via contratual.

  10. Ainda que assim se não entendesse, é a lei que estabelece não existir mora antes da verificação de três requisitos cumulativos: a exigibilidade, a interpelação e a liquidez da obrigação.

  11. No caso dos autos a obrigação, a existir, não se encontra ainda liquidada, sendo diferentes pretensão do ora apelado expressa na p.i., o montante fixado na sentença recorrida e o a considerar e que melhor ficou expresso no presente recurso.

  12. Com o que só existiria mora após a decisão do presente recurso ou, quando muito, à data da decisão da primeira instância.

  13. De resto, não poderia a sentença recorrida existir mora desde data anterior à da citação, já porque tal lhe não foi pedido pelo A., já porque inexistem factos que permitam fixar tal mora na data aí considerada.

  14. Foram violadas as normas dos arts. 3º, nº 1, c), e todas as demais do Decreto-Lei 446/85, de 25 de Outubro, na sua redacção originária, do Decreto-Lei nº 220/95, de 31 de Janeiro, do Decreto-Lei nº 302/82, de 30 de Julho, maxime os arts. 1º, 4º, a), e 5º, nº 2, b), do Estatuto do Instituto de Seguros de Portugal por este aprovado, 405º, 804º, 805º, 806º, 810º, 811º e 812º do C. Civil, do artº 661º do C.P.C. e dos arts. 426º e 434º do C. Comercial.

E termina pedindo que seja julgada inexistente qualquer obrigação para com ela e que seja absolvida do pedido ou, pelo menos, que se altere o montante da condenação e se fixe a data da mora na data deste acórdão.

Em contra-alegações o apelante pede a confirmação da sentença.

**Colhidos os vistos legais cumpre apreciar e decidir.

Da 1ª instância vêm provados os seguintes factos: (...) O DIREITO: Questões a decidir.

1- Efeitos da celebração do contrato de seguro feito posteriormente noutra seguradora.

2- O dever de indemnizar por parte da ré e qual o seu quantitativo.

3- Data da constituição em mora por parte da apelante.

IDos factos provados resulta que o A., subscreveu uma proposta de seguro de roubo para estabelecimento, oficina ou armazém, junto da R., sendo o capital de 40.000.000$00 e o objecto seguro: mercadorias de fácil deterioração. Sendo certo que na proposta de seguro se identificavam tais mercadorias como rolhas e cortiças. E o seguro teve início em 15/07/89, pelo prazo de um ano, renovável.

"O contrato de seguro é a convenção através do qual uma das partes (o segurador) se obriga, mediante retribuição (o prémio) paga pela outra parte (o segurado), a assumir um risco e, caso a situação se concretize, a satisfazer ao segurado ou a terceiro uma indemnização pelos prejuízos sofridos ou um determinado montante previamente estipulado".

[1] "O contrato de seguro deve ser reduzido a escrito num instrumento, que constituirá a apólice de seguro(…)" ( artº 426º do Comercial). É, pois, um contrato formal. E de acordo com o disposto no artº 427º rege-se pelas condições e cláusulas constantes dessa apólice não proibidas por lei, e, na sua falta ou insuficiência, pelas disposições desse código.

No presente caso vem o autor pedir à ré o pagamento da indemnização a que julga ter direito, em virtude do sinistro ocorrido: furto dos bens seguros verificado nas suas instalações. Ora, a este respeito, dos factos provados resulta que: Por contrato de seguro, com inicio em 15/07/89, celebrado entre o A. e a antecessor da Ré, aquele tinha transferido para esta Seguradora a responsabilidade pela indemnização, em caso de roubo ou furto que ocorresse nas instalações fabris do A., até um limite de 40.000.000$00 e com uma franquia ( isto é, parte da indemnização sempre a cargo do A.) de 10% dos prejuízos indemnizáveis em cada sinistro.

No âmbito deste contrato, ficou clausulado no artº 6º, § 1º, das Condições Gerais: «se durante o decurso do contrato os objectos seguros (...) tiverem sido segurados contra...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT