Acórdão nº 2157/04.2PCCBR.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 06 de Julho de 2011

Magistrado ResponsávelJOSÉ EDUARDO MARTINS
Data da Resolução06 de Julho de 2011
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

I. Relatório: A) No âmbito do processo comum (tribunal singular) n.º 2157/04.2PCCBR que corre termos na Vara de Competência Mista e Juízos Criminais de Coimbra, 4.º Juízo Criminal, por Sentença de 21/12/2010, o arguido R... foi condenado, como autor material da prática de um crime de extorsão, na forma tentada, p. e p. pelos artigos 22.º, 23.º e 223.º, n.º 1 e n.º 3, al. a), do C. Penal, na pena de 1 ano e 8 meses de prisão, suspensa na sua execução, por igual período, na condição de o mesmo pagar à demandante a quantia de dois mil euros.

**** B) Inconformado com a decisão recorrida, dela recorreu, em 3/2/2011, o arguido, pedindo a sua revogação, com a inerente absolvição, quer na vertente criminal, quer na vertente cível, extraindo da motivação as seguintes conclusões: 1. A sentença recorrida equimozou o sentido profundo da coerência, apreensibilidade, operacionalidade e justeza dos meios e das soluções de que a actividade interpretativa deve servir-se para encontrar a justa e correcta resolução do caso concreto.

  1. E atento o manadeiro fáctico e probatório carreado aos autos, impunha-se uma decisão diversa, no sentido da absolvição do arguido.

  2. A convicção do julgador há-de formar-se após uma ponderação serena de todos os meios de prova produzidos, guiado sempre por padrões de probabilidade, num processo lógico-dedutivo de montagem do mosaico fáctico, perspectivado pelas regras da experiência comum.

  3. Andou mal a Mm.ª Juiz do Tribunal a quo ao dar como provados os factos descritos nos Pontos G, K, L, N, P, Q, R, S, T, U e Z da douta sentença recorrida que estão incorrectamente julgados, impondo-se decisão diversa, atenta a prova documental existente nos autos, bem como o depoimento testemunhal de: - C..., gravado no sistema integrado digital da aplicação informática do Tribunal, à passagem dos minutos 03:50 e 07:50.

    - Declarações do arguido, gravadas no sistema integrado digital da aplicação informática do Tribunal, à passagem dos minutos 02:21 e 03:55.

  4. Não há qualquer lastro probatório das alegadas ameaças com um mal importante perpetradas pelo arguido.

  5. No que tange aos danos não patrimoniais, limitou-se a demandante a desbobinar um cenário de medo e pavor que, no entanto, não encontra qualquer guarida no seu comportamento efectivo após os factos e que se deixa enrodilhar na teia das contradições e incongruências, pelo que não merecem tutela jurídica.

  6. Retirados os factos supra indicados da matéria de facto dada como provada, resulta patente a insuficiência para a decisão de facto provada. Na verdade, é notória a insuficiência da prova para fazer abalroar o princípio do in dubio pro reo, como a douta decisão o fez, impondo-se a absolvição do arguido.

    7-A. No caso sub judice, torna-se evidente a violação de tal princípio in dubio pro reo e, consequentemente, do princípio da presunção de inocência, tornando a decisão condenatória nula, o que para os devidos efeitos aqui expressamente se invoca.

  7. O depoimento da Ofendida/Demandante está ferido de vício procedimental que o inquina fatalmente.

  8. As declarações das partes civis podem ser tomadas, desde que haja requerimento da parte nesse sentido, do arguido ou oficiosamente pela autoridade judiciária (cfr. artigos 145.º e 347.º, do CPP).

    Constata-se que, em passo algum dos autos, foi lavrado qualquer requerimento nesse sentido, pelo que a tomada de declarações à parte civil foi oficiosamente determinada pelo Tribunal a quo.

    Porém, esta decisão de tomar declarações às partes civis deve obrigatoriamente revestir a forma de Despacho e obviamente revestido de fundamentação que o Tribunal a quo postergou, tornando este meio de prova ilrgal e, como tal, vedada a sua valoração pelo Tribunal no processo de formação da sua convicção e posterior decisão.

  9. O Tribunal a quo ancorou a sua Motivação sobre a decisão da matéria de facto relativo ao pedido civil, nuclearmente, nas declarações da própria demandante cível.

    Ora, isto é trazer para o rito processual uma guisa de depoimento de parte que se impõe ao demandado, fazendo-se prova em causa própria, o que de todo não é legítimo à luz do nosso Ordenamento Jurídico.

  10. Ao arrimar-se na sua fundamentação no depoimento da demandante cível, o Tribunal a quo valorou um meio de prova ilegal e, ipso facto, deve expurgar-se da Decisão, com os devidos efeitos legais.

  11. O tribunal a quo não procedeu à leitura em Audiência do depoimento da testemunha H... . que foi obtido por carta rogatória, valorando-o como prova na formação da sua convicção.

    Assim procedendo, o tribunal a quo estribou-se numa verdadeira prova proibida, o que para os devidos efeitos aqui expressamente se invoca.

  12. O limite máximo da pena aplicável ao arguido, in casu, deveria fixar-se em 3 anos e 3 meses, nos termos do artigo 73.º, do C. Penal, fazendo o Tribunal a quo uma equívoca aplicação das regras da atenuação especial da pena na punibilidade da tentativa.

  13. Ressalta a desproporcionalidade do quantum indemnizatório atribuído à demandante cível.

    Na verdade, o acervo probatório que serve de ancoradouro à pretensão ressarcitória da demandante foi tão frugal e perfunctório que não se perfilou um elenco de danos morais que justificasse tutela jurídica.

  14. Violou, assim, a douta sentença em análise o plasmado nos artigos 74.º, n.º 2, 97.º, n.º 5, 145.º, 347.º, 355.º e 356.º, todos do CPP, e os artigos 23.º, n.º 2 e 73.º, do C. Penal.

    **** C) O Ministério Público junto da 1ª instância respondeu, em 9/3/2011, ao recurso, defendendo a sua improcedência total, apresentando as seguintes conclusões: 1. Pretendendo o arguido impugnar a matéria de facto dada como provada em julgamento, deveria o mesmo ter dado cumprimento ao preceituado no artigo 412.º, do CPP.

  15. Não o tendo feito, deveria o recurso ser rejeitado.

  16. Não se entendendo assim, defendemos ainda que a douta sentença recorrida fez uma correcta subsunção jurídica e aplicação do direito.

  17. Por último, alegou ainda o arguido ter havido violação do princípio in dubio pro reo.

  18. Porém, só estaremos perante uma violação deste princípio “quando o tribunal, colocado em situação de dúvida irremovível na apreciação das provas, decidir, em tal situação, contra o arguido” 6. Contudo, atento o teor da douta sentença condenatória, não resulta que alguma vez o tribunal se tenha visto na situação de dúvida insuperável e, muito menos, que, perante ela, tenha decidido contra o arguido.

  19. Assim, ponderando tudo o que fica dito, a douta sentença recorrida encontra-se devidamente fundamentada, de facto e de direito, não merecendo, por isso, em nossa modesta opinião, e a esse nível, qualquer espécie de censura.

  20. Termos em que deverá, por conseguinte, negar-se provimento ao recurso.

    **** D) A demandante cível, em 14/3/2011, respondeu ao recurso, defendendo a sua improcedência, apresentando as seguintes conclusões: 1. As doutas alegações do recorrente baseiam-se em conceitos e concepções erradas, não consentâneas com a lei, motivo pelo qual não poderão surtir efeito favorável ao que requer e apresenta a título de conclusões.

  21. A matéria dada por provada nos pontos G, K, L e N foi correctamente assim considerada, porquanto houve prova produzida nesse sentido, designadamente, com base no depoimento prestado pela ofendida e com base no depoimento prestado pela testemunha H..., os quais foram absolutamente consentâneos e demonstrativos dos factos que foram dados por provados.

  22. O mesmo se diga quanto à prova testemunhal produzida acerca dos pontos P, Q, R, s e T da douta sentença, não colhendo qualquer efeito útil o considerando de que os danos só ficariam provados se apresentado atestado médico e facturas nesse sentido.

  23. No ponto Z o que interessa não é o “genericamente”, o que interessa é que o arguido confessou, a final, sendo até instado pela sua defesa no sentido de querer, saber e ter consciência do que estava a admitir, ao que respondeu afirmativamente e sem quaisquer reservas.

  24. A matéria dada por provada foi-o muito justamente, com profunda e admirável esquematização e demonstração na douta sentença, já para não falar no facto do arguido ter admitido que tentou extorquir dinheiro à ofendida e que até a ameaçou, apenas não tendo admitido que lhe disse que a regava com ácido sulfúrico se ela não lhe desse o dinheiro.

  25. Relativamente aos vícios do depoimento da ofendida, mais uma vez não assiste razão ao recorrente e não assiste na medida em que o recorrente esquece-se de que aquela depôs como testemunha de acusação, arrolada como foi oportunamente pelo Ministério Público, sendo ouvida nessa qualidade quanto à matéria da acusação, nenhum vício ou ilegalidade havendo quanto a isto.

  26. Se o recorrente se está a referir ao pedido de indemnização civil, então, como é óbvio, assim foi entendido pelo Tribunal a quo por conveniente, de acordo com o n.º 1 do artigo 145.º, do CPP, não se reconhecendo, mais uma vez, qualquer legitimidade ao recorrente para criar leis, regras ou outras, digamos, imposições processuais, mormente, quando refere que tal deveria ter sido alvo de um despacho, o que não é minimamente consentâneo com a lei processual que em momento algum expressa tal imposição.

  27. Acerca da pretensa falta de validade do depoimento da testemunha H..., invocada pelo recorrente, trata-se de uma inequívoca falsa questão, não se trata de prova produzida em fase processual anterior ao julgamento. Foi produzida já na fase em que estava encerrada qualquer das fases processuais anteriores à audiência de julgamento e portanto nenhum dispositivo legal tendo sido violado ao ser tido como meio legal de prova sem que tenha ocorrido a sua leitura no dia da audiência de julgamento, havendo, inclusivamente, jurisprudência neste sentido, veja-se, a título meramente exemplificativo, o Ac. do STJ de 23 de Março de 1994.

  28. Da moldura penal aplicável e do quantum indemnizatório, ambos são consentâneos com a lei aplicável, nenhum normativo legal tendo sido violado, pelo que impõe-se a sua manutenção fixada pelo Tribunal...

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