Acórdão nº 0095852 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 14 de Março de 1996

Magistrado ResponsávelSILVA PEREIRA
Data da Resolução14 de Março de 1996
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa: I - No Tribunal Cível da Comarca de Lisboa, em acção de despejo distribuída ao 17 Juízo, (J) demandou (D), pedindo que este seja condenado a despejar imediatamente o 3 andar direito do prédio (Z), em Lisboa, porquanto sendo ele arrendatário do andar referido, destinado a habitação, há muito mais de um ano ali não come, não dorme e não recebe os seus amigos. Após vicissitudes que ora irrelevam, o R., que é inabilitado, veio a ser citado na pessoa do seu curador, (L). Defendendo-se, concluíu pela improcedência da acção, para o que, em resumo, excepcionou a caducidade do direito de accionar com base na falta de residência permanente e alegou ainda que a falta de residência no arrendado se deve ao facto de, por doença, ter sido internado em estabelecimento de saúde, mas agora, embora subsistam os motivos de saúde que o levaram a ausentar-se, já pode habitar com estabilidade o andar e aí reinstalar o centro da sua vida. Respondeu o A., concluindo pela improcedência das excepções. O processo foi saneado e condensado, tendo o R. reclamado, sem êxito, da especificação e do questionário. No momento próprio o R. requereu a prestação do depoimento pessoal do A. e de sua mulher, (M), a cada um dos quesitos, ou, não sendo admitida a audição desta como parte e como testemunha, a notificação da mesma para depor a todos os quesitos, tendo sido proferido despacho que indeferiu o requerido quanto à mulher do A., por ela não ser parte e não poder depor como testemunha, e admitiu o depoimento pessoal do A., limitado aos factos pessoais ou de que ele devesse ter conhecimento, contidos nos quesitos 1 a 3. Deste despacho interpôs o R. dois recursos, um, a fls. 122, na parte em que se exclui que o A. seja ouvido ao quesito 10 e outro, a fls. 123, na parte em que se indefere o depoimento da mulher do A., sendo os recursos recebidos como agravos e com subida diferida. O R., que requereu também exame médico à sua pessoa, requereu depois a não admissão dos quesitos 1, 2 - a) e 2 - b) apresentados pelo A., o que foi indeferido. Tal indeferimento motivou novo recurso do R., interposto a fls. 136, também este admitido como agravo, a subir diferidamente. Interpôs ainda o R. dois recursos, um, não admitido, do despacho que marcou dia e hora para o julgamento, e outro, a fls. 194, do despacho que deu sem efeito o exame médico requerido, que, tal como os três anteriores admitidos, foi recebido como agravo e com subida diferida. Realizada a audiência de julgamento perante juiz singular, foi depois proferida a sentença que, julgando improcedentes as excepções e procedente a acção, decretou o despejo. Da sentença apelou o R., tendo, nas suas alegações, respeitantes aos indicados primeiro, terceiro e quarto recursos de agravo, bem como à apelação, formulado as seguintes conclusões: 1 - O quesito 10 era susceptível de ser objecto de depoimento de parte pelo A., visto que conhecia pessoalmente parte dos factos, pelo que uma vez requerido, deveria ter sido permitido; 2 - O despacho recorrido, porque não o permitiu, violou os arts. 553 n. 3 e 554 do Código de Processo Civil, doravante designado por CPC, e porque a irregularidade é susceptível de influenciar a decisão da causa deve-se anular todo o processado desde então, nos termos do artigo 201 do CPC. Quanto ao terceiro agravo, interposto a fls. 136. 1 - Não se formou qualquer caso julgado sobre a admissão dos quesitos do A. para o arbitramento, pelo que foram violados os artigos 678 e 517 do CPC; 2 - Nem se decidiu até à sentença a admissão ou não desse quesito, sendo questão que ficou por decidir; 3 - À excepção do último, os quesitos do A. não deverão ser admitidos, sob pena de violação radicada nos artigos 137, 138, 264 n. 2 e 650 n. 1, para além dos artigos 511 n. 1 e 513, este, nesse aspecto, confirmado pelo artigo 575, pelo que o despacho recorrido deve ser revogado. Quanto ao quarto agravo, interposto a fls. 194. 1 - O R. faltou uma única vez ao exame e do seu não comparecimento não resultou para ninguém alguma consequência negativa ou prejuízo de difícil reparação ou irreparável; 2 - Ao faltar, o R. requereu nova data para o exame, cujo resultado seria o mesmo, e o Tribunal não tinha fixado data limite para a consumação da diligência; 3 - O R. declarou apenas que não desejava comparecer ao exame marcado para aquele dia, naquele local, propor um modus faciendi distinto e legítimo, nunca se recusando submeter-se ao exame; 4 - O R., conforme se prova dos autos, é inabilitado para dispor ou administrar os seus bens, não tem capacidade jurídica para que os seus actos e declarações de vontade tenham relevância jurídica bastante para interferir na administração dos seus bens, e, não podendo administrar o seu património, não pode minimamente administrar o processo judicial em qualquer das suas vicissitudes susceptíveis de se repercutir no seu património, como seria o caso das declarações do R. com o sentido (errado) que o Tribunal a quo lhe pretende atribuir; 5 - Ao seu acto de não deslocação ao exame qualquer que ele seja e ao que quer que tenha sido declarado por ele, não pode ser reconhecida qualquer relevância como o Tribunal a quo lhe reconheceu, sobretudo relevância em função do próprio conteúdo da vontade; 6 - A fls. 177, numa devida interpretação unitária, não se nega, antes se confirma a vontade de pedir o exame, sendo frequente o IML fazer exames externos; 7 - A falta ao exame deveu-se a justo impedimento, por razões de saúde, que devia ser respeitada, oportunamente invocado, o que devia permitir nova ocasião para a diligência que o despacho recorrido negou, já que seria absurdo que a lei previsse que, independentemente dos motivos da falta, esta implicaria sempre a eliminação do arbitramento; 8 - Perante um obstáculo à realização da justiça (o A. também tinha direito ao arbitramento), o Tribunal não deve desistir, mas removê-lo, nos termos do artigo 263 do CPC, pelo que, tendo em conta a saúde do R., devia-se tê-lo forçado a ser examinado, marcando-se nova data; 9 - O artigo 600 n. 3 do CPC faz relevar a inconveniência da deslocação e o n. 2 do mesmo preceito não impõe que os exames se façam no IML, mas apenas pelo IML, tendo-se provado inconveniência na deslocação; 10 - Havia caso julgado no despacho que ordenava o exame, não tendo o Tribunal poder jurisdicional para voltar atrás; 11 - Falta de poder mais manifesta dado que, ao abrigo do artigo 571 do CPC, só se a parte contrária anuir é que se pode decidir a anulação do arbitramento; 12 - Uma parte requerente do arbitramento como o réu não pode desistir dele sem consentimento da outra parte, e o despacho recorrido, ao decidir, dispensando esse consentimento, julgou contra o citado artigo 571; 13 - A tese subjacente ao despacho recorrido implicaria que, contra lei expressa, a requerente do arbitramento pudesse afinal provocar a sua não realização contra a vontade da parte contrária; 14 - O despacho recorrido imputa ao R. actos ou factos que este não praticou ou declarou, ou que declarou com um sentido absolutamente diverso, pelo que o arbitramento devia-se ter realizado na modalidade requerida pelo R.; 15 - Deve ser revogado o despacho e todo o processado posterior, uma vez que a irregularidade até interfere com a prova testemunhal sobre esses quesitos, fazendo-a render e adquirir novos sentidos sobre um novo cenário de prova já sustentada por peritos, sendo susceptível de influir não só no exame e decisão da causa - artigo 201 do CPC - , como também na apreciação do depoimento das testemunhas. Quanto à apelação. 1 - A sentença padece dos vícios resultantes de não ter sido observado o que se alega nos agravos; 2 - O depoimento de parte do A. não foi escrito, ao contrário do que impõe o artigo 563 n. 1 do CPC, irregularidade que é susceptível de fazer relevar a sua prova de modo diferente para os efeitos das respostas aos quesitos e é susceptível de ter prejudicado os direitos processuais do R. para fazer valer essa prova, quer nas respostas aos quesitos, quer na sentença, quer no recurso, para fazer aplicar o artigo 712 do CPC, havendo, assim, que repetir o julgamento quanto aos quesitos sobre que o A. deva depor; 3 - A resposta ao quesito 1 é lacunar, porque o que é susceptível de prova são factos concretos e "alguns" não é um facto concreto, o facto concreto são pessoas concretas identificáveis, padecendo a sentença do vício que resulta de assentar numa prova irregular; 4 - A resposta ao quesito 1 foi dada sem tomar em consideração o depoimento de uma testemunha a fls. 150 e 151, assim viciando decisivamente a matéria julgada provada e a própria sentença, havendo, por isso, de produzir-se novamente a prova testemunhal sobre os 3 primeiros quesitos e, desta vez, considerar-se a referida prova; 5 - Há contradição insanável entre as respostas aos quesitos 1 e 2, já que ao quesito 2 deu-se como provado que o A. sabia que os alienantes sabiam de certo facto, quando ao quesito 1 se não deu por provado que os alienantes sabiam do facto, havendo necessidade de repetição da prova quanto aos dois quesitos em causa, a menos que o Tribunal ad quem, no pressuposto de que a não prova do quesito 1 não implica a prova do contrário e a resposta ao quesito 2 implica a prova quesito 1, no uso da faculdade do artigo 712 do CPC dê por provado o quesito 1 e decida a questão a favor do R.; 6 - A sentença declarou a necessidade de o R. provar que a doença causou a desabitação permanente, mas o R. declarou sempre que a doença em estado não agravado não impede a sua residência no locado, não tendo, por isso, de provar o contrário do que invoca; 7 - Como é óbvio, só releva para obstar ao despejo por falta de residência permanente a doença na medida em que impeça o inquilino de residir no locado, e daí que seja irrelevante a cronicidade ou não da doença, mas sim o carácter temporário do impedimento resultante da doença; 8 - O impedimento do R. em habitar com carácter permanente no locado consistiu no...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT