Acórdão nº 9230590 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 24 de Março de 1993

Magistrado ResponsávelCORREIA DE PAIVA
Data da Resolução24 de Março de 1993
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

No recurso 590/92, da 3ª Secção, do Tribunal da Relação do do Porto, interposto pelo Ministério Público, no comum 4200/92, da 2ª Secção, do 1º Juízo, do Tribunal Judicial de São João da Madeira, do despacho que ordenou o arquivamento dos autos, com base na publicação do Decreto- -Lei 454/91, de 26/12, os Juízes do Tribunal da Relação, em conferência, Acordam o seguinte: MANUEL ........... - LTDA, em 25 de Julho de 1991, denunciou a prática de 2 crimes de cheque sem cobertura contra o arguido, RICARDO ..... . O Ministério Público deduziu acusação pela prática de: 2 crimes de emissão de cheques sem cobertura, previstos e punidos pelo artigo 24, número 1, do Decreto 13004 de 12/01/27, pelo facto de os ter preenchido, subscrito e entregue, tendo o seu pagamento sido recusado. Deduziu a mesma firma PEDIDO CÍVEL para pagamento dos cheques e seus juros. Foi recebida a acusação, em 15/01/92, sem que algo se tivesse acrescentado. Em 6 de Abril de 1992, foi ordenado o arquivamento, sob o fundamento de que o prejuízo patrimonial passou a constituir um novo ilícito criminal, por ter sido considerado como condição no número 1, do artigo 11, do Decreto-Lei 454/91, precedendo as respectivas alíneas a) b) e c). O crime que era de perigo abstracto, passou a considerar-se de resultado. Não foi estabelecido regime transitório, nem se ressalvaram os factos praticados até aí. Da acusação não consta aquele elemento constitutivo, não podendo a actividade probatória ultrapassar o princípio da legalidade ou da presunção desse prejuízo. Passou a acusação a ser manifestamente infundada. O pedido cível sofre a mesma sorte. O Ministério Público, em RECURSO, alega que o legislador só foi inequívoco quanto à despenalização em relação ao cheque até 5000 escudos. O prejuízo era congénito à actuação tipicamente descrita no artigo 24, do Decreto 13004. Era tão relevante que carecia de investigação . O novo tipo representa uma redução da previsão anterior, com descriminalização apenas nos casos em que se prove inexistir prejuízo patrimonial. Tal prova só poderá operar em julgamento. Foi admitido o recurso. EM SUSTENTAÇÃO, acrescenta-se que " toda " a jurisprudência anterior classificava o crime de perigo abstracto, visando proteger a sua credibilidade. Pelo que se puniam os crimes de " garantia ". O Senhor Procurador-Geral Adjunto, renova a Circular do Procurador-Geral da República, de 31/03/92. Não se alterou na Relação o que respeita ao recurso. Correram os vistos legais. Uma das leituras que se fazem do Decreto-Lei 454/91, de 28/12, é no sentido de considerar que o seu artigo 11, número 1, ao condicionar o crime de cheque sem cobertura ao facto de causar prejuízo patrimonial, criou um tipo legal de crime novo, uma vez que o artigo 24, número 1, do Decreto-Lei 13004, de 12/01/27, não o refere. Como consequência imediata, e nos termos do artigo 2, número 2, do Código Penal, todos os crimes cometidos antes de 28 de Março de 1992 devem ser excluídos de qualquer sanção. Estamos, pois, perante a DESPENALIZAÇÃO OU DESCRIMINALIZAÇÃO desses cheques. Uma vez que a lei não regula qualquer hipótese de transição e nada refere quanto aos factos praticados antes da sua vigência, cria-se uma solução de continuidade, sendo certo que inexiste uma relação de continuidade normativo-típica entre os dois regimes legais. Dispensamo-nos de renovar os exames exaustivos e profundos sobre a questão, limitando-nos a alinhar uns quantos argumentos num ou noutro sentido. Aliás o essencial já foi vertido para os presentes autos, os quais reproduzimos imediatamente antes. Requereu o Ministério Público o julgamento com base na existência de indícios de que o arguido emitira um cheque sem cobertura. E o Senhor Juiz recebeu a acusação e designou dia para o julgamento, aliás quando já havia sido publicado o novo diploma legal. Se os tribunais funcionassem como se impõe, há muito que o arguido teria sido julgado e por certo mesmo condenado, segundo o normal das situações. Todavia, de qualquer sanção. Estamos, pois, perante a o arquivamento. A lei, que considera um facto como criminoso e deixando este de o ser, terá de ser necessariamente iníqua. Não obstante permanece em vigor durante um tão dilatado lapso de tempo com uma vacatura de 3 meses, a permitir até que alguém - quantos não estavam? - esteja em cumprimento de pena privativa de liberdade. Simultaneamente, faculta-se que campeie nesse período a impunidade, continuando a emitir-se cheques sem cobertura. Estas realidades devem estar presentes no espírito do julgador, por forma a alertá-lo quanto às consequências da decisão a tomar. Há que recorrer a regras de interpretação, cuja solução nem será assim tão líquida para um ou para outro sentido. É certo que está em causa a liberdade do cidadão. Mas também não é menos certo que alguém se queixa e vê goradas as suas legítimas expectativas de determinado pagamento. A sensação que nos invade - e à população em geral - é que afinal até vale a pena adiar pagamentos... A solução preconizada em nada favorece o combate que se pretende a esta " praga " social. Na verdade, o novo diploma no preâmbulo anuncia alterações de ordem vária, na sequência de anteriores, que visam " fomentar a utilização " do cheque e " espera que possa concorrer para a redução " do cheque sem provisão. A tese que subjaz do despacho recorrido constituirá um óptimo incentivo à proliferação do cheque. Sem dúvida. Mas... sem cobertura. A Lei 30/91, de 20/07, que defere os...

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