Acórdão nº 014/06 de Tribunal dos Conflitos, 26 de Setembro de 2006

Magistrado ResponsávelJOÃO BELCHIOR
Data da Resolução26 de Setembro de 2006
EmissorTribunal dos Conflitos

Acordam no Tribunal de Conflitos (TC): I.

RELATÓRIO I.1.

"ACOP - Associação de Consumidores de Portugal" (doravante ACOP), com os demais sinais nos autos, intentou no Tribunal Judicial da Figueira da Foz (TJFF), contra "A…", também devidamente identificada nos autos, procedimento cautelar não especificado, pedindo que fosse decretada a suspensão de todo o tarifário de consumo de água, saneamento e de disponibilidade, entrado em vigor em 1 de Janeiro de 2005 no concelho da Figueira da Foz, com a consequente reposição do que vigorava antes dessa data.

Mais peticionou que fosse decretada a suspensão, até decisão final, da chamada "tarifa de disponibilidade", bem como a obrigatoriedade da requerida proceder à emissão mensal das facturas, porquanto entende que os aumentos dos preços foram desnecessários e injustificados, a aludida tarifa é ilegal e, bem assim a periodicidade da facturação bimestral.

Citada a requerida para deduzir oposição, veio a mesma para o que ora interessa alegar a incompetência daquele tribunal em razão da matéria.

Notificada a requerente, para se pronunciar ao abrigo do artigo 3°, n° 2 do Código de Processo Civil, alegou o carácter privatístico das relações ora em apreço (entre consumidores e concessionária) e, daí o recurso aos tribunais judiciais, concluindo pela improcedência das excepções alegadas.

I.2.

Naquele Tribunal foi proferido o despacho de fls. 277/283 que, com invocação dos artigos 101º, 105°, n° 1, 493°, n° 2 e 494º, n° 1, alínea a), todos do Código de Processo Civil, concluiu pela incompetência em razão da matéria, com a consequente absolvição da requerida da instância.

I.3.

De tal despacho recorreu a ACOP para o Tribunal da Relação de Coimbra, pedindo a revogação daquele despacho.

I.4.

Naquele Tribunal Superior foi proferido o acórdão de fls. 338-340 que, sufragando o entendimento do Tribunal da Comarca de Figueira da Foz, negou provimento ao agravo.

I.5.

Continuando inconformada, a ACOP interpôs recurso de agravo para o Supremo Tribunal de Justiça (STJ), tendo rematado a concernente alegação com as seguintes CONCLUSÕES: 1. A concreta espécie de facto opõe a ACOP- Associação de Consumidores de Portugal e a A…, sendo certo que a ACOP é uma associação de consumidores de âmbito nacional e interesse genérico (artigo 17 da Lei 24/96), em representação dos consumidores em geral, ex vi dos artigos 10, 13 e 18 da Lei 24/96.

  1. A espécie controvertida é de natureza eminentemente, dir-se-ia, exclusivamente privatística - consumidores versus fornecedor de água: Lei 24/96 - artigos 2°, 1102 e 9°, nos 1 e 8.

  2. Sendo de natureza privatística (contrato de consumo), a ordem de jurisdição própria é a judicial - Lei 3/99, artigo 1° e segts e artigo 66° do C.P.C..

  3. Que não a administrativa, pese embora tratar-se, no limite, de uma relação trilateral - município/concessionária/consumidores (representados por uma estrutura associativa legítima).

  4. Os contratos de concessão de serviços de interesse geral subsumem-se em toda a sua disciplina - e para todos os efeitos - ao direito do consumo: Lei do Consumidor e diplomas avulsos de desenvolvimento.

  5. Donde o douto Acórdão recorrido violar os preceitos legais supra referidos nas conclusões 2ª e 3ª.

    I.6.

    Por seu lado, a requerida "A…" contra-alegou, tendo formulado as seguintes Conclusões: 1. A recorrente pretende ver reconhecida a competência do tribunal judicial da Figueira da Foz para apreciar o presente litígio fundando-se no exclusivo argumento de que a relação de fornecimento estabelecida entre a Concessionária, ora Recorrida, e o utente constitui uma relação de direito privado.

  6. Sucede, no entanto, que não só não é verdade que tais relações entre utentes e concessionárias sejam exclusivamente reguladas pelo direito privado, como o que está em causa no presente processo não é um litígio de direito privado relativo a tal contrato, mas antes um pedido de suspensão de um tarifário aprovado unilateralmente ao abrigo de normas de direito público e relativo à prestação de um serviço público.

  7. O tarifário que se pretende que seja suspenso foi aprovado ao abrigo de poderes públicos de autoridade, aplicando-se a todos os actuais e aos futuros utentes dos serviços, tendo assim natureza regulamentar. Um litígio, como aquele que aqui está em causa, em que se pretende a sua suspensão - e previsivelmente em acção principal a respectiva anulação - não pode ser obviamente caracterizado como um litígio relativo a uma relação contratual de fornecimento.

  8. Na realidade, tal tarifário foi aprovado pelos órgãos competentes do Município da Figueira da Foz, o que torna clara a natureza administrativa - e regulamentar - de tal acto, e a competência dos tribunais administrativos nos termos do n. 1, alinea b) do artigo 4º do ETAF.

  9. Nada impede a Recorrente de impugnar tal tarifário, o qual tem natureza regulamentar, nos termos do artigo 72.° do CPTA, não se colocando aqui a questão levantada pela Recorrente relativamente à legitimidade para intentar uma acção sobre contratos contra o Município (o qual não é parte do contrato). 6. Mas ainda que se tenha em conta a relação tal como o ora Recorrente a configurou e que se pressupusesse que tal tarifário fora fixado pela Concessionária (a qual teria competência para o suspender), ainda assim se manteria a competência dos tribunais administrativos para o presente processo, pois continuaria a estar em causa um acto unilateral regulamentar emitido ao abrigo de poderes públicos de autoridade.

  10. A concessionária exerce uma actividade de prestação de serviço público, por lei reservada à Administração, para a qual foi habilitada por acto do poder público. Exerce assim uma função administrativa, designadamente no que diz respeito a um eventual poder de fixar e suspender tarifas, pelo que os litígios que digam respeito ao exercício de tal função - como é o caso - são claramente litígios respeitantes a uma relação jurídica administrativa.

  11. E mesmo que se entenda - o que se admite, sem conceder, por mera cautela de patrocínio - que o que está aqui em causa é a relação contratual entre os utentes e a Concessionária, também essa relação contratual, em especial no que compete ao acto de fixação de tarifas, é hoje do foro administrativo, nos termos da alínea f) do n.° 1 do artigo 4° do ETAF.

  12. Note-se, finalmente, que aquilo que a ora recorrente pretende discutir no presente processo não são questões jurídico-privadas relativas a uma eventual relação de direito privado entre a concessionária e os utentes, mas antes eventuais violações de normas de direito administrativo relativamente fixação de um...

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