Acórdão nº 012/02 de Tribunal dos Conflitos, 17 de Junho de 2003

Data17 Junho 2003

Acordam no Tribunal de Conflitos: I- RELATÓRIO A...

, com os sinais dos autos, interpôs recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, do acórdão do Tribunal da Relação de Évora que, confirmando a sentença do Tribunal Judicial da Comarca de Loulé, concluiu pela incompetência desse Tribunal, em razão da matéria, para conhecer do pedido de indemnização formulado pela ora recorrente contra o Estado, em acção declarativa, com forma ordinária, onde pede a condenação solidária deste com a dos Réus B..., C.... e D... e mulher E..., no pagamento à autora, de todos os encargos e despesas em que esta foi/for obrigada a incorrer para a arguição da nulidade da compra e venda, consubstanciada na escritura pública realizada no 2º Cartório Notarial de Loulé, a cargo da Ré B.., das fracções autónomas BA e BB do prédio sito no Gaveto da ... e ..., em Faro, indemnização cujo montante total, por impossibilidade de cômputo, relega para oportuna liquidação em execução de sentença.

A recorrente termina as suas alegações, formulando as seguintes conclusões: 1º.

O Acórdão recorrido destacou para apreciação as seguintes questões: a) "qual a natureza da actuação do Estado da qual emerge o pedido de indemnização contra ele formulado pela autora: gestão pública ou privada"; b) "qual o tribunal competente, em razão da matéria, para conhecer do pedido em relação ao réu Estado e suas consequências".

  1. O tribunal recorrido para fundamentar o decidido atendeu à causa de pedir e ao pedido, que entre outros, requer que sejam os réus (posição processual também atribuída ao Estado) "solidariamente condenados a pagar à autora todos os encargos e despesas em que esta foi/for obrigada a incorrer para arguição da nulidade da compra e venda".

  2. O Tribunal da Relação partiu da definição do documento autêntico constante no artº369º do C. Civil, da definição da função Notarial constante do artigo 1º do C. Notariado, e apoiou a decisão de que ora se recorre citando Albino de Matos e Antunes Varela.

  3. A autora/agravante não alega qualquer relação material controvertida destacada contra o Estado, o seu pedido não é emergente de uma relação jurídica administrativa, nem a autora/agravante tem intenção de dirimir um conflito de interesses públicos ou privados no âmbito de uma relação administrativa.

  4. A autora/agravante deduziu pedido contra todos os réus, pedindo a sua condenação solidária, surgindo o ESTADO como sujeito processual passivo pelo facto de este ter de assumir quota parte da responsabilidade dos seus órgãos ou representantes - neste caso a senhora Notária - quer estes actuem em actos de gestão privada ou de gestão pública.

    IN CASU, 6º.

    O Estado só interveio na gestão do acto como garante da sua FÉ PÚBLICA e na formalização essencial ao acto, que é de gestão privada, enquanto responsável pelos actos praticados pelo titular do seu órgão.

  5. A intervenção notarial pode analisar-se em dois momentos distintos "a imperativa intervenção notarial - "ope legis"- inerente à formalização essencial ao negócio (acto de gestão privada) e a fé pública garantida por aquela intervenção (acto de gestão pública).

  6. O Estado, de acordo com o pedido da autora/agravante, responde civilmente pelos danos causados pelos titulares dos seus órgãos, agentes ou representantes.

  7. Tanto mais que, a senhora Notária intervém apenas na necessária formalização de um acto de Gestão privada, não no preenchimento dos requisitos substanciais do negócio da alienação.

  8. Face à configuração apresentada pela AUTORA na petição, hoje e de acordo com o disposto no artº26º, nº3 do CPC, aquela que releva para efeitos de LEGITIMIDADE, é materialmente ilegítima a interpretação do Tribunal "a quo" ao destacar uma qualquer relação material controvertida cujo sujeito passivo fosse exclusivamente o ESTADO.

  9. Sendo ainda que, havendo dúvidas e Seguindo o acórdão do STJ de 15-5-928 (Ver. De Leg. Ano 61º, pág. 216) citado pelo Prof. José Alberto dos Reis in Comentário ao Código de Processo Civil, Vol. I, Coimbra Editora 1960, pág.41, a legitimidade das partes no tocante ao requisito interesse deve ser referida à relação jurídica objecto do pleito e determina-se averiguando quais são os fundamentos da acção e qual é a posição das partes em relação a esses fundamentos.

  10. No que diz respeito à competência material a Agravante em sede própria peticionou prejuízos decorrentes de actos de gestão privada com intervenção em sede de validade formal de determinado negócio de um representante ou agente do Estado.

    A este respeito já Rogério Soares in "Direito Administrativo", lições policopiadas, 1978, a fls.18 e 19 " os actos jurídicos dos sujeitos da Administração podem ser regulados pelo direito público ou pelo direito privado. Os mais importantes e numerosos são, sem dúvida, os do primeiro grupo. Aí a administração intervém na sua veste de autoridade, como órgão do poder público.

    Ao lado destes actos, a Administração pratica actos de direito privado, sujeitando-se a aparecer em face dos particulares em pé de igualdade." É na última categoria de actos que se insere o caso que agora se submete à apreciação do Tribunal.

  11. Também neste sentido veja-se o Ac. RE, in CJ, Ano XV, 1990, Tomo II, pág. 273, " o que distingue os actos de gestão pública, dos actos de gestão privada, não é o facto de um corpo administrativo agir ou não no exercício das suas atribuições, mas o modo como exerce essas mesmas atribuições.".

  12. É assim por demais evidente que o objecto da acção não é um litígio emergente de uma relação jurídica administrativa, nem um conflito de interesses públicos ou privados no âmbito de uma relação administrativa, nem tão pouco se entende que seja possível destacar-se qualquer relação material exclusivamente atinente ao Estado na relação material controvertida apresentada pela autora/agravante.

  13. A necessária intervenção do Estado de par com os restantes réus não implica a violação de regras de competência em razão da matéria, uma vez que a autora/agravante não submete à apreciação do Tribunal nenhuma relação jurídica fundada num puro acto de gestão pública.

  14. Até porque, ao colocar-se a simples hipótese, que se não aceita, de a mesma causa de pedir e o mesmo pedido, serem sujeitos a duas decisões de mérito em competências materiais distintas, tal pode levar a decisões praticamente inconciliáveis.

  15. Cujo resultado podemos ficcionar: Condenação no Tribunal comum dos réus B..., C... e D... e mulher e a absolvição do Estado nos Tribunais Administrativos, ou até a condenação do Estado nos Tribunais Administrativos e a absolvição dos restantes réus nos Tribunais Comuns.

  16. Ainda e para pior, pode ficcionar-se a condenação da Senhora Notária sem a condenação do Estado, pela distinta competência material, numa clara fuga de assunção das obrigações do...

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