Acórdão nº 4438/06.1TBVFX.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 06 de Julho de 2011

Magistrado ResponsávelMARTINS DE SOUSA
Data da Resolução06 de Julho de 2011
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

ACORDAM OS JUÍZES DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA: AA e BB propuseram contra CC e mulher, DD, acção declarativa sob forma comum e processo ordinário e nela pediram que seja declarada a resolução do contrato de arrendamento celebrado entre o autor e os réus, declarada a nulidade do "contrato de trespasse" celebrado entre todos e os réus condenados a restituir aos autores a quantia global de 75.000€, acrescida de juros de mora à taxa legal desde as datas dos pagamentos parcelares e até integral restituição.

Para tanto, e em síntese, alegaram: no dia 21.1.03 e através de procurador, os réus deram de arrendamento à autora a parte correspondente ao rés-do-chão de fracção autónoma, sua propriedade, para a actividade comercial de cafetaria e/ou snack-bar, pelo prazo de 10 anos com inicio em 1.1.03, prorrogável por períodos de um ano, salvo denúncia e pela renda mensal de 750€, a actualizar anualmente de acordo com o coeficiente fixado pelo INE; na mesma data, autora e réus acordaram ainda que a autora pagaria aos réus, até ao fim de 2003, a quantia de 25.000€, a titulo de exploração do locado, expressão que, em 28.1.03, acordaram em substituir por "trespasse", mais combinando que este contrato seria celebrado depois de finda acção que, então, corria contra a anterior arrendatária da mesma fracção e no âmbito do qual viria a ser entregue aos RR, em três prestações, a quantia global de 75.000€.

Mais alegaram que, passando, a partir de 8.2.03, a exercer no locado a actividade de cafetaria e snack-bar, gastaram 15.000€ em obras de limpeza e beneficiação do locado e, após solicitação da Autora nesse sentido, assentiram os RR na transmissão da posição daquela em todos os contratos celebrados, escritos ou verbais, a favor do autor, outorgando, em 1.9.04, um contrato de arrendamento em tudo semelhante ao anterior, considerando como início do novo arrendamento o mês de Janeiro de 2003.

Por fim, alegando que os RR se comprometeram a obter o licenciamento do locado para o exercício da aludida actividade comercial, tomaram conhecimento que este foi recusado pela autoridade competente por serem necessárias obras que os RR não iniciaram e cuja realização imputaram aos AA.

Os réus contestaram, e, reconhecendo a celebração dos acordos referidos, impugnam parte dos factos alegados, mantêm que as obras de que depende o licenciamento são da responsabilidade dos AA e precisam que celebraram um contrato promessa de trespasse pois não eram proprietários do estabelecimento que esperavam adquirir no termo do processo contra a anterior arrendatária.

O processo foi objecto de saneamento e condensação e decorridos os demais trâmites, teve lugar a audiência de discussão e julgamento e foi proferida sentença que julgou procedentes os pedidos acima delimitados.

De tal sentença apelaram os autores, mas a Relação de Lisboa negou-lhes a procedência do recurso, pelo que, de novo inconformados, interpuseram a presente revista cuja alegação concluíram nos seguintes termos: O douto acórdão recorrido procedeu a uma errada interpretação e aplicação da Lei.

Ao contrário do doutamente decidido, a fracção dada de arrendamento dispunha de licença de utilização para o exercício do comércio, como era legalmente exigido pelo art°9º do RAU.

O douto acórdão recorrido à semelhança da decisão proferida em 1ª instância, salvo o devido respeito, confunde a "licença de utilização para o exercício de uma actividade genérica" (habitação, comércio, profissão liberal) com a licença de utilização para o exercício de qualquer "species" daquele "genus" (farmácia, estabelecimento de bebidas ou restauração).

Só a primeira é obrigação do senhorio por se tratar de licenciamento do edifício para necessidades comuns a certo tipo de utilização e conciliá-lo com os direitos dos restantes condóminos e com a própria estrutura e configuração do edifício e acessibilidades.

Já as licenças-alvarás para o exercício de certo ramo cumprem ao arrendatário que pretenda exercer a actividade especificada.

Era à arrendatária que cabia a obtenção da licença ou alvará para a instalação do estabelecimento de restauração e bebidas.

Era a arrendatária que deveria ter realizado as obras impostas pela autoridade administrativa para obter o alvará. Assim, Dispondo a fracção dada de arrendamento de licença de utilização destinada ao comércio, não podia a arrendatária, com o fundamento de que inexistia alvará, resolver o contrato.

A licença a que se refere o art°. 9º do RAU é a autorização genérica para o exercício da actividade inserível no sector económico pertinente, cumprindo ao arrendatário a obtenção de licenças ou alvarás para o exercício da actividade especificada a que se propõe.

Ao decidir de modo diverso, a decisão recorrida violou o art°. 9º do RAU, o qual deverá ser interpretado nos termos preditos.

  1. e RR. não celebraram qualquer "contrato de trespasse", pois na data em que celebraram os acordos a que se alude na motivação deste recurso, ainda não eram titulares do direito de propriedade sobre o estabelecimento. Por isso, Celebraram um "contrato-promessa de trespasse", através do qual os RR pretendiam, no futuro (logo que adquirissem a propriedade das mesmas), transmitir à A. as máquinas e utensílios que integravam o recheio do estabelecimento.

Tal contrato não sofre de qualquer vício que acarrete a sua invalidade, devendo, por isso, ser declarado válido e eficaz.

Ao decidir de modo diverso, o douto acórdão recorrido violou, entre outros, o art°. 115° do RAU, e art°410°, 1112° e 1115° do C. C, os quais deverão ser interpretados nos termos preditos.

Não foi oferecida contra-alegação.

Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.

Centram-se as questões do recurso em torno da falta de licenciamento do estabelecimento comercial e da sua implicação na resolução do contrato de arrendamento e nulidade do “trespasse”, a ele reportados, no litígio que opõe Autores e Réus.

Antes da sua apreciação, importa enunciar a factualidade apurada nas instâncias, tal como, sem oposição, foi vertida no acórdão recorrido: 1. Os réus têm registada a seu favor, na 2ª Conservatória do Registo Predial de Vila Franca de Xira, desde 11/04/84, a aquisição, por compra, da fracção autónoma designada pela letra "A", correspondente ao rés-do-chão direito, para comércio, com uma divisão assoalhada, casa de banho, marquise, varanda e arrecadação na cave, do prédio urbano, em regime de propriedade horizontal, sito na Rua .........., n° .... (Loja) e..... (porta do prédio), em Forte da Casa.

  1. Por escrito datado de 21 de Janeiro de 2003, denominado "Contrato de Arrendamento de Duração Limitada para o Exercício do Comércio", subscrito por EE, na qualidade de procurador dos réus, e pela autora, aquele declarou dar de arrendamento a esta, que declarou aceitar, o rés-do-chão referido em 1., com destino ao exercício da actividade comercial de cafetaria e/ou snack-bar, com exclusão de qualquer outro ramo de actividade, pelo prazo de 10 anos, com início em 1 de Janeiro de 2003 e termo em 1 de Janeiro de 2013, sucessivamente renovável por períodos de 1 ano, mediante o pagamento da renda anual de 9.000,00€, em duodécimos 750,00€, devendo ser pagas duas rendas com a assinatura do contrato e vencendo-se as subsequentes no dia 1 do mês anterior àquele a que respeitarem, actualizadas anualmente nos termos legais.

  2. Nesse escrito, os contraentes declararam que "a arrendatária não poderá realizar obras sem o consentimento escrito dos senhorios, ficando as que vier a realizar a fazer parte integrante do arrendado, sem que a arrendatária possa reclamar qualquer indemnização ou alegar direito de retenção".

  3. E declararam que "a arrendatária poderá usar e fruir os bens constantes da declaração anexa a este contrato que depois de assinada dele faz parte integrante" e que "o arrendado bem como os bens constantes da declaração anexa encontram-se em bom estado de conservação, obrigando-se a arrendatária a mantê-los tal como agora se encontram, procedendo às reparações que se revelem necessárias e a restitui-los (arrendado, máquinas e utensílios) findo o contrato em condições de poderem ser utilizados de imediato".

  4. Declararam ainda que "a arrendatária tem conhecimento de que os móveis existentes no arrendado irão ser objecto de penhora na sequência da execução que os senhorios irão promover contra a anterior arrendatária, FF, por apenso à acção de despejo que correu termos sob o n° 000000 no 3º Juízo do Tribunal Judicial de Vila Franca de Xira" e que "se em virtude de tal acção ou de qualquer outra diligência judicial promovida contra a anterior arrendatária tais bens vierem a ser removidos do estabelecimento, os senhorios obrigam-se, no prazo máximo de 45 dias, a colocar outros bens, máquinas em substituição dos removidos" e que "à arrendatária em tal hipótese não assistirá o direito a qualquer compensação e obrigar-se-á a pagar a renda que for devida".

  5. E que "a arrendatária obriga-se a manter em funcionamento o estabelecimento com a observância das leis e regulamentos em vigor, suportando a expensas suas todas as sanções pela violação de tais normativos"; 7. Da...

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