Acórdão nº 1453/17.3T8BRG.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 15 de Março de 2018

Magistrado ResponsávelEUG
Data da Resolução15 de Março de 2018
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães Sumário (elaborado pela relatora): 1- Não cumpre os ónus da impugnação da decisão da matéria de facto, a que alude o nº1, do art. 640º, do CPC, o recorrente que não faz concreta e especificada (ponto por ponto) análise crítica das provas; 2- Constitui requisito de celebração de arrendamento urbano o local, objeto do mesmo, ter aptidão para o fim do contrato, atestada pelas entidades competentes, designadamente através de licença de utilização, quando exigível (nº1, do art.º 1070.º, do Código Civil); 3- São duas as licenças, eventualmente exigíveis, referentes à utilização de edifícios: uma atinente à genérica possibilidade de utilização; outra referente à específica atividade a nele exercer. Enquanto a obtenção da referida licença de utilização do imóvel - atinente à genérica possibilidade de utilização do edifício (prévia à celebração do contrato de arrendamento) - é a cargo do proprietário do imóvel, está na disponibilidade das partes a convenção de ficar a cargo do locatário a obtenção de licença relativa à específica atividade a nele exercer; 4- O diploma próprio, que define os elementos a conter no contrato de arrendamento urbano, previsto no nº2, do art.º 1070.º, do CC, é o Decreto Lei n.º 160/2006, de 8 de agosto. Prevê a exigência de certas formalidades para o contrato de arrendamento, designadamente quanto à licença de utilização, e nele são conferidos ao arrendatário os direitos à resolução do contrato e a indemnização pelos danos sofridos, caso o locado não disponha de tal licença por motivo imputável ao senhorio (cfr. nº7, do art. 5º do referido diploma e ainda, nos termos gerais, o nº2, do art. 801º e o art. 798º, do Código Civil); 5- O referido direito potestativo à resolução não é consequência automática daquela falta, tem de se dever a causa imputável ao senhorio - a culpa deste, a qual se presume (cfr.nº1, do art. 799º, do Código Civil).

I.

RELATÓRIO Recorrente: M. R.

Recorrida: C. - RIO, L.DA C. - RIO, L.DA, NIPC …, com sede na Rua … Braga, representada pelos sócios gerentes Rui, NIF …, e Bruno, NIF …, ambos residentes na Rua …, Esposende, intentou contra M. R.

, divorciada, com o NIF …, residente na rua …, Braga, a presente ação comum, pedindo que se declare resolvido o contrato de arrendamento celebrado entre ambas e se condene a Ré a pagar-lhe a quantia de € 320.000,00 (trezentos e vinte e mil euros), acrescida de juros legais até efetivo e integral pagamento.

Alegou, para tanto e em síntese, que em 20.01.2017, na qualidade de arrendatária celebrou com a Ré, senhorio, um contrato de arrendamento urbano para fins não habitacionais, respeitante a uma loja situada na Rua …, descrita na Conservatória do Registo Predial sob o n.º ..., pelo período de 5 anos, renovável por igual período, com início no dia 01.02.2017, para instalar uma pizzaria, no âmbito do projeto MPizza, que, durante as negociações, lhe foi dito que bastava averbar a licença para restauração e que, após a celebração do contrato, requereu à Câmara Municipal tal averbamento, tendo sido informada que o locado não possui licença de utilização, constituindo tal facto, do conhecimento da Ré, motivo de resolução, ascendendo os danos patrimoniais e não patrimoniais por si sofridos, em virtude da referida conduta da Ré, a € 320.000,00.

Regularmente citada, a Ré apresentou contestação, a fls. 40 a 68, onde se defende sustentando, em síntese, para além de vícios de natureza formal (ineptidão da petição inicial, falta de pagamento prévio do comprovativo da taxa de justiça e falta de mandato), que nunca garantiu que o locado dispunha de licença de utilização e de licença para restauração ou sequer que a Autora podia ali abrir o seu negócio, tendo sido clausulado, no artigo 6º do contrato, que era por conta da Autora que ficava o encargo de pedir o licenciamento para restauração, que o edifício, do qual faz parte o locado, foi construído antes da entrada em vigor do Regime Urbano de Edificações Urbanas (RGEU), sendo inexigível, para a válida celebração do contrato de arrendamento, a exibição de licença de utilização e que a falta de licença não lhe é imputável. Mais sustentou que, ainda que assim não se entenda, os prejuízos invocados não têm tradução factual, nem existe nexo entre aqueles e a conduta imputada à Ré.

Deduziu, ainda, o incidente de intervenção acessória provocada da Câmara Municipal B, com o fundamento em que, perdendo a demanda com base na falta de licença de utilização, é àquela imputável o prejuízo em que será condenada, pela emissão de informação de que a Ré não é detentora de licença e de que a Autora depende dela para o exercício da atividade de restauração.

Por fim, a Ré requereu a condenação da Autora como litigante de má-fé, por estar a pretender obter um resultado injusto através da presente ação, deduzindo pretensão cuja falta de fundamento não pode ignorar.

A fls. 85 a 96, a Autora apresentou articulado de resposta, pugnando pela improcedência do pedido de condenação como litigante de má-fé contra si formulado e pronunciando-se acerca das exceções suscitadas.

Por despacho de fls. 140 a 141, foi indeferida a admissibilidade do incidente de intervenção acessória.

Na audiência prévia foi proferido despacho saneador, onde se desatendeu a exceção de ineptidão (cfr. fls. 149 a 150). Fixou-se o objeto do litígio e estabeleceram-se os temas da prova, em termos que não mereceram reclamação das partes (cfr. fls. 150 a 151).

Realizou-se a audiência de julgamento, com observância do formalismo legal, como consta das atas respetivas (cfr. fls. 177 a 179 e 190 a 191).

*Procedeu-se à realização da audiência de julgamento com observância das formalidades legais.

*Foi proferida sentença com a seguinte parte dispositiva: “Em face de todo o exposto: 1- Julgo a ação parcialmente procedente, a. Decretando a resolução do contrato de arrendamento, aludido em a), da fundamentação de facto; b. Condenando a Ré M. R. a restituir à Autora C.-RIO, L.DA, o montante correspondente a € 9.000,00 (nove mil euros), sobre a qual ascendem juros civis, à taxa legal, desde a citação até integral pagamento; c. Condenando a Ré M. R. a pagar à Autora C.-RIO, L.DA, a título de indemnização, o montante correspondente a € 631,56 (seiscentos e trinta e um euros e cinquenta e seis cêntimos), sobre a qual ascendem juros, à taxa legal, desde a citação até integral pagamento; d. Absolvendo a Ré do demais peticionado; 2- Julgo improcedente o pedido de condenação da Autora como litigante de má-fé.

As custas são da responsabilidade de ambas as partes, na proporção do decaimento – cfr. artigo 527º/1,2, do CPCiv)”.

*A Ré apresentou recurso de apelação pugnando pelo suprimento da nulidade invocada, pela alteração da decisão proferida sobre a matéria de facto e pela revogação da sentença proferida. Formulou a recorrente, as seguintes CONCLUSÕES: 1.ª) O Tribunal a quo fez uma equivocada interpretação, valoração e consideração da prova produzida em sede do presente processo, ao ter dado como assente e provados os factos descritos na alínea g), 2.ª parte, alínea i) e alínea j) (ponto 1 Factos Provados do item IV. Fundamentação de facto), que deviam, ao invés, ter sido dados como não provados.

  1. ) O Tribunal de 1.ª instância não realizou convenientemente o exame crítico da prova documental e testemunhal produzida, violando a norma presente no artigo 607.º, n.º 4, do C.P.C..

  2. ) Foram violadas as regras da experiência e efectuada uma apreciação manifestamente incorrecta e desadequada, porquanto o Tribunal devia ter dado integral e perfeita credibilidade ao depoimento da testemunha arrolada pela Ré Manuel, que se mostrou esclarecedor, verdadeiro, espontâneo, coerente, consistente, imparcial, sincero, humilde e desinteressado, com conhecimento directo, não se apontando qualquer contradição ao que lhe foi questionado, formando, alicerçando e sustentando a sua convicção e decisão com base, no que ora importa e se recorre, neste depoimento.

  3. ) A Recorrente logrou demonstrar que antes da celebração do contrato de arrendamento em crise informou a Recorrida que o imóvel não dispunha da licença de utilização por não ser exigível, uma vez que o prédio é anterior ao RGEU, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 38382/51, de 07 de Agosto.

  4. ) Como se demonstrou, até pelo depoimento da testemunha Manuel, a Ré estava convencida e considerava que o imóvel de sua propriedade, por ser de construção anterior a 07/08/1951, não era/é exigível a licença de utilização para a válida celebração do contrato de arrendamento.

  5. ) A testemunha Manuel afiançou que no dia da visita ao imóvel, ou seja, antes da outorga do contrato de arrendamento, ouviu a Ré dizer à Autora que o imóvel estava isento de licença por ser anterior a 1950 (minutos 03:10 a 04:32 do seu depoimento).

  6. ) O imóvel em causa esteve sempre arrendado para comércio e nunca a Câmara Municipal B manifestou qualquer oposição, nunca instaurou qualquer processo de contraordenação ou outro, e nunca obrigou ao encerramento de qualquer actividade (minutos 15:20 a 17:27 e 18:17 a 18:50 do testemunho de Manuel).

  7. ) Pela posição de concórdia e permissão e postura da Câmara Municipal B ao longo de mais de 20 (vinte) anos, decorre que seria normal e entendível o convencimento da Ré de que o imóvel não necessitava de licença de utilização ou que, pelo menos, tal questão estaria sanada.

  8. ) Se houve alguma notificação recente emitida pela Câmara Municipal B, a Ré não a recebeu ou dela teve conhecimento.

  9. ) O facto da testemunha A. M. se ter enganado na data em que afirma ter havido e assistido à visita pela Autora no imóvel da Ré, tal não pode, por si, reduzir à falta de fiabilidade desta testemunha. Tal-qualmente, o apontar pelo Tribunal a quo de uma “relação de inferioridade” à Ré é manifestamente discriminatório.

  10. ) O imóvel, com duas montras em vidro e vazio, apresentava uma acústica que permitiria uma boa ou até “perfeita” audição e percepção do que estava a ser...

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