Acórdão nº 01153/06.0BEVIS de Tribunal Central Administrativo Norte, 13 de Agosto de 2007

Magistrado ResponsávelDr
Data da Resolução13 de Agosto de 2007
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte: 1.

RELATÓRIO MINISTÉRIO DO TRABALHO E DA SOLIDARIEDADE SOCIAL, devidamente identificado a fls. 02, inconformado veio interpor recurso jurisdicional da decisão do TAF de Viseu, datada de 31/10/2006, que deferiu a providência cautelar contra si deduzida por J…, também devidamente identificado nos autos, e decretou a suspensão de eficácia do acto administrativo punitivo (pena disciplinar de inactividade por 1 ano) mantida por despacho de S.ª Ex.ª o Secretário de Estado da Segurança Social datado de 14/06/2006 no qual foi indeferido o recurso hierárquico interposto da pena disciplinar que havia sido imposta ao aqui recorrido.

Formula, nas respectivas alegações [cfr. fls. 259 e segs.

- paginação processo suporte físico tal como as referências posteriores a paginação salvo expressa indicação em contrário], as seguintes conclusões que se reproduzem: “...

  1. Os factos provados fundaram-se nos documentos indicados e na prova testemunhal. Assim, o facto dado como sumariamente assente: “Não tem quaisquer outros rendimentos” baseou-se apenas na prova testemunhal.

    Ora, tal facto só poderia fundar-se em prova documental, mormente na declaração de IRS.

  2. Com efeito, o facto de a prova exigida no processo cautelar ser uma prova indiciária, sumária ou perfunctória não obsta a que tenham de ser utilizados os meios de prova idóneos, isto é, seguirem-se as regras do direito probatório formal, sob pena de virem a ser obtidos direitos que nos processos principais nunca seriam alcançados. Assim, este facto negativo nunca poderia ter sido fixado.

  3. Também se verteu no probatório que o Requerente contraiu um empréstimo de € 7.864,02, que paga mensalmente e um PPR no montante de € 485,62. Contudo, desconhece-se qual o encargo periódico que o requerente tem com tais contratos.

    Cabendo ao Requerente a prova dos factos constitutivos do “periculum in mora”, como aliás se reconhece na sentença, há que considerar a irrelevância desta factualidade uma vez que o Requerente não alegou nem provou os encargos inerentes ao empréstimo e ao PPR.

    Na verdade, o incumprimento deste ónus de alegação ligado ao ónus da prova (art. 342.º n.º 1 do C. Civil) terá de desfavorecer aquele que é onerado com tal dever – o requerente.

  4. Igualmente consta do probatório que o Requerente em despesas com o automóvel (combustível, revisões, seguros) gasta quantia média € 250,00. Também aqui se desconhece se esta despesa é mensal, anual, semanal ou outra, sendo certo que o Requerente alegou ser mensal, valendo aqui, por isso todas as considerações feitas anteriormente. Este facto baseou-se exclusivamente na prova testemunhal. Parece-nos óbvio que tal facto se tem de fundar em documentos, ou seja, em facturas ou recibos de pagamento de combustível, das revisões da oficina e dos prémios de seguro. De facto, as testemunhas inquiridas, dois amigos comerciantes da zona de residência do Requerente e um colega aposentado, ou mesmo outras, não podem revelar um conhecimento de que o Requerente gasta em média por mês € 250,00 com o automóvel.

    Dada a exorbitância da quantia nem sequer se podia dar o facto como provado por apelo à regra do art. 514.º do CPC: “Não carecem de prova nem de alegação os factos notórios, devendo considerar-se como tais os factos que são do conhecimento geral”.

  5. Mas mesmo que o facto pudesse ter sido dado como provado, sempre seria muito questionável a consideração deste tipo de despesa como indispensável para sustento do Requerente e do seu agregado familiar, valendo a mesma ponderação para as despesas com telefone e Internet.

  6. No que respeita às despesas com medicamentos no montante médio e mensal de € 100,00, impõe-se referir que dos documentos juntos não se extrai a factualidade referida no probatório no que respeita ao montante e periodicidade.

  7. Mas ainda que se concedesse a prova de todas as despesas indicadas, verifica-se que o rendimento do agregado familiar chega para satisfazer todas as despesas indicadas e ainda sobra cerca de € 700,00.

  8. É pois evidente que não está provado o perigo de falta de subsistência do Requerente e do seu agregado familiar, nem está em causa a redução do seu nível de vida ou do agregado. Não pode concluir-se, como se faz na sentença recorrida, que a privação do Requerente da sua fonte de rendimento, o coloca em situação de não poder suportar todos os encargos mensais supra identificados, relativos a despesas suas e do seu agregado familiar.

  9. Não pode assim valorar-se os danos pessoais que o Recorrente poderá sofrer em consequência da indisponibilidade de meios económicos para fazer face a todas as suas despesas, da mulher e da filha a seu cargo, que podem não ser reparáveis, como se faz na sentença sindicanda.

  10. É incongruente dizer-se que “resulta assim possibilidade de produção de uma situação que impeça a satisfação das necessidades de sustento, de si e da sua família - ou fazê-lo com muito custo, porquanto os rendimentos sobrantes não são sequer superiores ao salário mínimo nacional”, sobretudo num país de forte desemprego e onde é público e notório que grande parte da população tem de viver apenas com salários que rondam o ordenado mínimo.

  11. Não foi alegado nem provado que a privação do vencimento do Requerente por aplicação da pena disciplinar, ponha em causa a sua subsistência e a do seu agregado familiar, ou mesmo que reduza o seu nível de vida ou do seu agregado familiar.

  12. Também não foi alegado nem provado que a situação de dependência do rendimento da mulher cause ao Requerente danos morais.

    Na sentença apenas se deu como sumariamente provado que o Requerente tem problemas de saúde, sofrendo de depressão profunda e de problema cardíacos, não se estabelecendo qualquer nexo de causalidade.

  13. Quanto aos critérios a atender na apreciação do”periculum in mora”, os mesmos devem obedecer a um maior rigor na apreciação dos factos integradores de tal ”periculum in mora”, visto que a qualificação legal do receio como fundado, visa restringir as medidas cautelares, evitando a concessão indiscriminada de protecção meramente cautelar, com o risco inerente de obtenção de efeitos que só podem ser obtidos com a segurança e ponderação garantidas pelas acções principais (cfr. Ac. do TCA Sul n.º 00166/04, de 17/6/2004, in www.dgsi.pt).

  14. O Requerente não provou, como lhe competia, a existência do ”periculum in mora”, consubstanciado no facto consumado ou na produção de um prejuízo de difícil reparação, traduzindo-se o primeiro num prejuízo irreparável, quando se verificam factos concretos que permitam perspectivar a criação de uma situação de impossibilidade de reintegração específica na esfera jurídica do Requerente, no caso do processo principal vir a ser julgado procedente, e o segundo quando a reintegração, no plano dos factos, se perspectiva difícil, ou porque pode haver prejuízos que, em qualquer caso, se produzirão ao longo do tempo e que a reintegração da legalidade não é capaz de reparar ou, pelo menos, de reparar integralmente.

  15. Portanto, a providência nunca poderia ter sido decretada por falta da verificação “in casu”, do requisito ”periculum in mora”, julgando-se irrelevante o interesse do Requerente.

  16. Por mero dever de patrocínio, sempre se dirá numa situação como a dos autos, nunca a Administração pode invocar outros factos para além dos que invocou, sendo que pormenorizar e particularizar os prejuízos do interesse público relativamente ao concreto Requerente da providência, seria entrar numa conjectura factual e pessoal, quantos ao mesmo intolerável. Assim, só se o Requerente tivesse prevaricado novamente, e sido alvo de outro processo disciplinar, é que se poderia concretizar tal factualidade.

  17. Na verdade, a factualidade invocada quanto ao interesse público, não poderia ter sido objecto de outra formulação, sendo pública e notória e, portanto, sem relevância a prova testemunhal ….” O recorrido apresentou contra-alegações nas quais se limita a sustentar a manutenção do julgado não formulando quaisquer conclusões (cfr. fls. 296).

    O Ministério Público (MºPº) junto deste Tribunal notificado nos termos e para efeitos do disposto nos arts. 146.º e 147.º ambos do CPTA veio a apresentar parecer no sentido de ser concedido provimento ao recurso (cfr. fls. 314 a 316).

    Exercido contraditório sobre tal parecer nenhuma das partes veio, válida e tempestivamente, a pronunciar-se sobre o mesmo (cfr. fls. 317 e segs.

    ).

    Sem vistos, dado o disposto no art. 36.º, n.ºs 1, al. e) e 2 do CPTA, foi o processo submetido à Conferência para julgamento.

  18. DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO - QUESTÕES A APRECIAR Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pelo recorrente, sendo certo que, pese embora por um lado, o objecto do recurso se ache delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, nos termos dos arts. 660.º, n.º 2, 664.º, 684.º, n.ºs 3 e 4 e 690.º, n.º 1 todos do Código de Processo Civil (CPC) “ex vi” arts. 01.º e 140.º do CPTA, temos, todavia, que, por outro lado, nos termos do art. 149.º do CPTA o tribunal de recurso em sede de recurso de apelação não se limita a cassar a sentença recorrida, porquanto ainda que declare nula a sentença decide “sempre o objecto da causa, conhecendo de facto e de direito”, pelo que os recursos jurisdicionais são “recursos de ‘reexame’ e não meros recursos de ‘revisão’” [cfr. Prof. J. C. Vieira de Andrade in: “A Justiça Administrativa (Lições)”, 8ª edição, págs. 459 e segs.; Prof. M. Aroso de Almeida e Juiz Cons. C. A. Fernandes Cadilha in: “Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos”, 2.ª edição revista, págs. 850 e 851, nota 1; Dr.ª Catarina Sarmento e Castro em “Organização e competência dos tribunais administrativos” - “Reforma da Justiça Administrativa” in: “Boletim da Faculdade de Direito Universidade de Coimbra - Stvdia ivridica 86”, págs. 69/71].

    As questões suscitadas e de que cumpre decidir resumem-se, em suma, em determinar, por um...

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