Acórdão nº 10121/2006-1 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 13 de Fevereiro de 2007

Magistrado ResponsávelRUI VOUGA
Data da Resolução13 de Fevereiro de 2007
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Acordam na Secção Cível da Relação de LISBOA: Nos Juízos Cíveis de Lisboa, em 12 de Julho de 2006, BANCO, S.A., com sede em Lisboa, na Rua Soeiro Pereira Gomes, nº 7, sala 2, propôs contra PAULO, acção com processo especial para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contrato, nos termos do Decreto-Lei n.º 269/98, de 1 de Setembro, com base em contrato de mútuo celebrado em 23 de Fevereiro de 2005, pelo qual emprestou ao Réu a importância de € 5.237,80, alegando que, como o réu não pagou a 4ª prestação e as seguintes, tal implicou o vencimento imediato de todas as restantes prestações, no valor global de € 8.437,71 (57 x € 148,03), acrescido de juros e imposto de selo.

Logo aduziu (na própria petição inicial) que a escolha feita pelas partes (n.º 16 das "Condições gerais" anexas ao contrato de mútuo), como foro convencional, da comarca de Lisboa, feita nos termos e ao abrigo do disposto no artigo 100.º, n.º 1, com referência ao artigo 110.º, ambos do Código de Processo Civil (CPC), nas redacções dos ditos preceitos anteriores às que lhes foram dadas pela Lei n.º 14/2006, de 26 de Abril, é válida e legal, atento o disposto nos artigos 5.º e 12.º, n.ºs 1 e 2, do Código Civil.

A entender-se doutro modo, sustentou que: "a Lei n.º 14/2006, de 26 de Abril, na parte e na medida em que altera a redacção do artigo 110º, n.º 1, alínea a), do Código de Processo Civil, é inconstitucional, e consequentemente, a referida alínea a) do n.º 1 do dito artigo 110º, com a mencionada redacção, é inconstitucional - logo inaplicável pelos Tribunais "ex-vi" do disposto no artigo 204° da Constituição da República Portuguesa - na interpretação que permita a aplicação do disposto no referido artigo 110º, n.º 1, alínea a), a contratos celebrados anteriormente à publicação da referida Lei em que as partes tenham optado, nos termos do artigo 100º, n.ºs 1, 2, 3 e 4 do Código de Processo Civil, por um foro convencional no que respeita à competência dos Tribunais em razão do território, por violação dos princípios da adequação, da exigibilidade e da proporcionalidade, e da não retroactividade consignado nos artigos 18°, n.ºs 2 e 3, da Constituição da República Portuguesa e, também ainda, por violação dos princípios da segurança jurídica e da confiança corolários ambos do Estado de Direito Democrático consagrado no artigo 2° da Constituição da República Portuguesa".

Por despacho proferido em 2OUTUBRO2006, a Exmª Juiz do 4º Juízo Cível de Lisboa (a quem a acção foi distribuída) declarou este Tribunal incompetente, em razão do território, para tramitar a presente acção e, em consequência, determinou a sua remessa aos Juízos Cíveis de Guimarães, em estrito cumprimento do disposto nos artigos 74º, 108 a 111º, 493º, 494º, alínea a) e 495º do Código de Processo Civil, na redacção introduzida pela Lei nº 14/06.

O Tribunal fundamentou assim a sua decisão: "A A., melhor identificada nos autos, intentou a presente acção declarativa sob a forma de processo especial para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos, nos termos do Decreto-Lei n.° 269/98, de 1/IX, tendo em vista a condenação do(a) R no pagamento de quantia devida, por incumprimento de contrato, em 12.07.2006.

De harmonia com o disposto no artigo 74°, n.° 1 do Código de Processo Civil, na redacção dada pela Lei n.° 14/06, de 26/IV : "A acção destinada a exigir o cumprimento de obrigações, c indemnização pelo não cumprimento ou pelo cumprimento defeituoso e a resolução cio contrato por falta de cumprimento é proposta no tribunal do domicilio do réu, podendo o credor optar pelo tribunal do lugar em que a obrigação deveria ser cumprida, quando o réu seja pessoa colectiva ou quando, situando-se o domicilio do credor na área metropolitana de Lisboa ou do Porto, o réu tenha domicílio nci mesma área metropolitana." (sublinhado meu) Nos termos do artigo 6° do mesmo diploma, a Lei n.° 14/06, de 26/IV aplica-se às acções e aos requerimentos de injunção instauradas ou apresentados depois da sua entrada em vigor.

Compulsados os autos, constata-se que consta do acordo junto aos autos cláusula de competência(1) territorial, segundo a qual seria competente o Tribunal Cível de Lisboa, sendo que foi com base nessa mesma cláusula que a A optou pela apresentação à distribuição nos Juizos Cíveis de Lisboa.

A A, antecipando, desde logo, que face aos termos da nova redacção do supra citado preceito o Tribunal não poderia deixar de conhecer a matéria da incompetência em razão do território, tomou posição, conforme resulta da douta Petição.

Pelo exposto, e uma vez que a A tomou j á posição nos autos, não se impõe o cumprimento do artigo 3°, n.° 3 do Código de Processo Civil, na medida em que a necessidade da presente apreciação foi já antecipada pela A.

Posto isto.

Repete-se: A A optou pela instauração da presente acção em Lisboa, pretendendo valer-se: - da existência de pacto de competência anterior à entrada em vigor da Lei n.° 14/2006; - subsidiariamente, de alegada inconstitucionalidade do artigo 110°, n.° 1, alínea a) do Código de Processo Civil, por violação do Princípio da Proporcionalidade, consagrado no artigo 18°, n.° s 2 e 3 da Constituição da República e do Princípio da Segurança Jurídica e da Confiança, que constituem corolários do Estado de Direito Democrático.

Cumpre apreciar.

A matéria em apreciação é de alguma simplicidade, sendo que a opção tomada pela A, que se reconduz a pretender fazer-se valer de cláusula de atribuição de competência, lhe ficou vedada com a entrada em vigor da supra citada lei, pelas razões que se passam a expor.

1.2 Da aplicação na Lei no Tempo A lei n.° 14/06, de 26/IV é uma lei processual e, ipso facto, de aplicação imediata, sendo que, conforme o supra citado artigo 6° da Lei 14/06, o momento relevante para efeitos de aplicação da lei se prende com a "data da apresentação" em juízo da acção.

A lei entrou em vigor, nos termos gerais do artigo 2° da Lei n.° 74/98, de 11/XI, em 1 de Maio de 2006. Daí que a mesma se aplique a todas as acções "apresentadas em juizo" a partir de tal data.

A circunstância de haver sido celebrado pacto de competência anterior não afasta o critério legal consagrado, exactamente porque tal pacto, face à opção legislativa tomada, passou desde então a não ser reconhecido, pelo legislador, como disposição susceptível de afastar o critério legal de fixação de competência em razão do território.

E, neste ponto, haverá que fazer ressaltar que nos encontramos no âmbito da aplicação da lei processual de fixação de competência territorial.

Ora, "A lei assinala a cada tribunal uma certa circunscrição territorial (distrito, circulo, comarca), localizando depois nas várias circunscrições as diferentes causas, através do elemento de conexão que, conforme os casos, considera decisivo para o efeito. Por isso mesmo se qualifica de territorial esta competbncia. É uma competência ratione loci (artigo 13°, n.° 1, e 17° da Lei Orgânica dos Tribunais Judiciais).

A competência territorial é competência subjectiva: competência de cada tribunal em concreto, entre os vários que constituem as diversas ordens de tribunais, segundo a nossa organização judiciária.

" - Domingues de Andrade, Manuel, Noções Elementares de Processo Civil, Coimbra, 1993, pág. 100.

É inquestionável que "O nexo de competência fixa-se no momento em que a acção se propõe, em atenção à lei, por um lado, e por outro à situação nesse momento dos factores de atribuição de competência; e, em princípio, mantém-se ainda que mude a lei ou a situação de tais factores (artigo 63°) " - Mendes, João de Castro, Direito Processual Civil, Vol. I, Edição AAFDL, pág. 558 O pacto de competência reconduz-se a uma renúncia antecipada das partes em arguir a incompetência do tribunal em razão do território, exactamente porque a possibilidade de celebração de pactos de competência apenas é permitida nos casos do artigo 100°, n.° 1 in fine do Código de Processo Civil.

Assim, a supra citada lei veio impor não só a irrenunciabilidade de tal direito como o conhecimento oficioso de tal matéria pelo tribunal. Em suma, o legislador declara indisponível o direito de arguir a incompetência em razão do território.

Nestes termos, haverá que concluir que o pacto de competência celebrado deixou de ser reconhecido como válvula de afastamento da competência legal, na medida em que no momento em que a A. apresenta em juizo a douta Petição, o pacto extravasa os limites da autonomia contratual(2), consagrada no artigo 405°, n.° 1 do Código Civil, não lhe sendo reconhecida qualquer eficácia, sendo o mesmo nulo, por impossibilidade legal.

Quanto a esta concreta questão da aplicação da Lei no Tempo, impõe-se salientar que o "Pacto de Competência" constitui um "negócio de eficácia deferida", o que vale por dizer que o mesmo tem como pressuposto uma eventual verificação de um facto futuro, qual seja a necessidade de as partes recorrerem a Tribunal para a resolução de qualquer litígio que as oponha no âmbito do contrato.

Sucede que tal facto - apresentação em juizo de acção - ocorre já à luz da Lei Nova que, por ser mais restritiva que a Lei Antiga, não reconhecendo qualquer eficácia a tal convenção - porque contrária a norma imperativa - impõe o recurso às normas de fixação de competência em razão do território que passaram a assumir natureza imperativa.

O carácter imperativo de tais normas de fixação de competência é, aliás, consentâneo com o artigo 22° da Lei n.° 3/99, de 13/I (Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais), que dispõe: "1- A competência fixa-se no momento em que a acção se propõe, sendo irrelevantes as modificações de facto que ocorram posteriormente.

" Em suma: - a autonomia privada, naquilo que respeita à fixação de elemento de conexão relevante para efeitos de competência territorial, não é ilimitada; - o pacto de competência, celebrado no momento da contratação, consubstancia-se num negócio de eficácia deferida e eventual; - o elemento relevante para a aplicação da...

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