Acórdão nº 10806/2006-6 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 08 de Fevereiro de 2007

Magistrado ResponsávelFÁTIMA GALANTE
Data da Resolução08 de Fevereiro de 2007
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

14 ACORDAM NA 6ª SECÇÃO DO TRIBUNAL DA REÇÃO DE LISBOA I - RELATÓRIO M veio intentar a presente acção de condenação, em processo declarativo comum, sob a forma ordinária, contra V e mulher, I.

Alega, sucintamente, que é advogada e que em Março de 1998 foi surpreendida ao ser citada, como executada, numa acção executiva que o 1º R. lhe moveu, com base em 3 letras que correu termos na 16ª Vara Cível de Lisboa. Sucede que, nem a A., nem a sociedade M, de que a A. é sócia, intervieram a qualquer título nas referidas letras. A isso acresce que essas letras teriam sido objecto de reforma, e as reformas foram pagas numa parte por cheque e noutra por compensação pelos honorários devidos pelos serviços jurídicos que a A. prestou ao R., pelo que jamais este poderia ter utilizado as mesmas para demandar a A.

Quando a A. foi citada para pagar 5.200.000$00, acrescida de juros, ficou em estado de choque, tendo então de recorrer a colegas para a ajudarem, não só na elaboração dos embargos de executado como no seu trabalho. Como se não bastasse, apesar de deduzidos os embargos, o R. não se coibiu de nomear à penhora as contas bancárias em nome da A. Mas, afinal, o R., ciente da falta de razão que lhe assistia, antes da data designada para a audiência preliminar dos embargos de executado, veio a desistir do pedido, o que demonstra a sua má-fé ao longo de todo o processo. A A. ficou muito afectada por todo este processo, pois foi apontada como uma devedora e os seus clientes passaram a ter receio de a consultar. A A. viu assim posto em causa o seu bom-nome e ficou psicologicamente afectada, tendo toda esta situação provocado angústia e desgosto, que constituem danos não patrimoniais cujo ressarcimento pretende e avalia em 25.000.000$00. Pelos honorários devidos ao advogado que contratou para organizar a sua defesa, a A. terá também de pagar 400.000$00, mais IVA. Acresce ainda um prejuízo de cerca de 5.000.000$00, pelo tempo perdido, bem como pela perda de clientes e trabalho que deixou de aceitar. Finalmente, alegou que todo o comportamento do R. marido foi doloso e resultou duma actividade que serve de proveito comum ao casal, pelo que deveriam os R.R. ser condenados solidariamente.

Concluiu pela condenação dos R.R. a pagarem à A. 30.468.000$00 a título de indemnização, sendo o 1º R. de condenar como litigante de má-fé.

Citados R.R. vieram contestar, explicando que o origem das letras dadas à execução foi um contrato de empreitada para execução duma moradia, celebrado entre o Réu-marido e a M, Lda, da qual a A. e o seu marido são os sócios gerentes. Repetiu que desse contrato subsistia um crédito que foi assumido pela A. e pelo seu marido, o qual esta não poderá ignorar. Como nenhum dos interessados devedores se decidiu a pagar ao R., este instaurou uma acção destinada a cobrar o seu crédito, sendo que não aceita ter havido qualquer compensação por serviços jurídicos prestados pela A., porquanto sempre lhe pagou os honorários devidos. De resto, impugnou todos os danos alegados pela A. e concluiu pela improcedência da acção.

Notificada da contestação, a A. veio replicar impugnando todas as justificações dadas para a existência do alegado crédito do R. e reafirmando todos os serviços que prestou ao R. e tudo o que havia expedido da petição inicial.

Findos os articulados foi designada data para realização de audiência preliminar com o objectivo da conciliação das partes, a qual não logrou êxito. Proferiu-se despacho saneador, tal como consta a fls. 325 e segs. dos autos, onde se julgou absolver o réu da instância relativamente ao pedido de condenação como litigante de má fé e onde se elaborou base instrutória.

Foi proferido despacho saneador, que absolveu o 1º R. da instância relativamente ao pedido de condenação como litigante de má-fé. Foi feita a selecção da matéria de facto, da qual reclamou a A., sem êxito.

Procedeu-se a julgamento, respondendo-se à base instrutória, sem qualquer reclamação.

Seguiu-se a sentença que, julgando improcedente a acção, absolveu os RR. do pedido.

Recorreu a A. da sentença, vindo a ser proferido acórdão por esta Relação que, anulando a sentença, ordenou a repetição do julgamento, com vista à ampliação da matéria de facto, por forma a averiguar os factores subjectivos e a intenção com que o titular agiu, considerando-se relevante apurar se o Réu, ora Apelado, era credor da Apelante.

Assim, foi repetido julgamento, nos termos determinados e proferida nova sentença que, de novo, julgou improcedente a acção e, em consequência, absolveu os RR. do pedido formulado pela A.

Inconformada, veio a A., mais uma vez, apelar da sentença, tendo, no essencial, formulado as seguintes conclusões: 1. A sentença recorrida violou o disposto no art. 659° do Código de Processo Civil, por incorrecta apreciação e exame crítico dos factos que julgou provados e por inadequada e desajustada interpretação e aplicação das normas jurídicas correspondentes.

  1. A sentença recorrida, no que respeita à apreciação da culpa do Apelado, ao julgar como erro desculpável a sua conduta, que definiu como ilícita por manifesto abuso de direito, violou, por errada interpretação, o disposto nos arts. 334° e 483º do Código Civil.

  2. A sentença recorrida, classificando como mero erro desculpável o abusivo comportamento do Apelado, naquela execução, violou, por errada interpretação e aplicação, o que se mostra disposto nos arts. 1178°, n° 2, do Código Civil e art. 36° do Código de Processo Civil, posto que apurou tal desculpabilidade pela conduta e pela omissão quer do mandatário forense do Apelado quer do Senhor Magistrado titular da acção executiva.

  3. A sentença recorrida, tendo julgado provados os danos sofridos pela Apelante e a sua decorrência directa e necessária da propositura da acção executiva contra ela indevidamente instaurada pelo Apelado, violou o disposto no art. 483° do Código Civil, por inadequada interpretação e não aplicação deste preceito, ao considerar inexistir nexo de causalidade entre o facto e os danos e desproporcionalidade na reacção da ora Apelante.

  4. Deve ser revogada a sentença ora em recurso, substituída por outra que julgue procedente a acção e condene os Apelados no pedido formulado ou na indemnização que vier a ser liquidada em execução de sentença, se se julgar ainda não apurado o valor dos danos sofridos.

    Não foram produzidas contra-alegações.

    Corridos os Vistos legais, Cumpre apreciar e decidir.

    São as conclusões das alegações que delimitam o objecto do recurso e o âmbito do conhecimento deste Tribunal (arts. 684º, nº 3 e 690º, nº 1 do CPC), pelo que, está, mais uma vez, em discussão, essencialmente, a responsabilidade civil por facto ilícito, emergente da instauração de acção executiva contra pessoa que, no respectivo título executivo, não figurava como devedora.

    II - FACTOS PROVADOS 1. A autora é advogada, portadora da cédula profissional .... (Factos assentes A).

  5. A autora tem escritório e exerce advocacia em.... (Factos assentes B).

  6. A autora foi citada em 20.03.98 para uma acção de execução que correu os seus trâmites na 16ª Vara Cível de Lisboa, no valor de esc: 5.200.000$00, mais juros. (Factos assentes C).

  7. Na acção referida em C) era exequente V e executados a ora autora, o seu então companheiro e agora marido, MF, e a sociedade de que os dois são sócios, a "M, Lda". (Factos assentes D).

  8. A acção referida em C) e D) terminou por sentença de homologação da desistência do pedido, tendo-se assim extinguido o direito que o exequente pretendia fazer valer. (Factos assentes E).

  9. Por apenso à acção executiva a autora havia deduzido embargos de executado alegando não ser obrigada cambiária e nada dever ao exequente. (Factos assentes F).

  10. As letras dadas à execução pelo sacador V estavam aceites apenas por MF. (Factos assentes G).

  11. O réu V havia sido cliente da autora entre 1993 e 1996. (Factos assentes H).

  12. A autora tem escritório aberto ao público em...

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