Acórdão nº 130/2007-9 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 18 de Janeiro de 2007

Magistrado ResponsávelRIBEIRO CARDOSO
Data da Resolução18 de Janeiro de 2007
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Recurso n.º 130/07 - 9.ª Secção.

(Processo comum colectivo n.º 230/05.9PKLSB da 3.ª Secção da 8.ª Vara Criminal de Lisbo

  1. Acordam, precedendo conferência, na 9.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa: I - Relatório 1.

Nos autos de processo comum acima referidos, foi submetido a julgamento o arguido J., melhor identificado nos autos, pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo art. 21.º, n.º 1 do Dec. Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, com referência às Tabelas I-B anexa a esse diploma.

  1. Realizado o julgamento, o tribunal colectivo, por acórdão proferido no dia 14 de Novembro de 2006 (v.fls.155 a 160), deliberou:

    1. Absolver o arguido J.

      da prática do crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo art. 21.º, n.º 1 do DL n.º 15/93, de 22 de Janeiro, que lhe vinha imputado.

    2. Condenar o arguido, como autor material, de um crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade, p. e p. pelo art. 25.º, alin. a) do Dec. Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, por referência à tabela I-B anexa a esse diploma, na pena efectiva de 2 (dois) anos de prisão.

    3. Declarar perdida a favor do Estado a droga apreendida.

  2. Inconformado com o assim decidido, o arguido veio interpor recurso para esta Relação pugnando para que seja anulada a sentença proferida e ele arguido absolvido do crime por que foi condenado, tendo extraído da correspondente motivação de fls.174 a 184, cujo teor aqui se dá por reproduzido, as seguintes conclusões: 1.ª - A sentença do Tribunal de primeira instância viola os limites do princípio da livre apreciação da prova, ao colidir com os princípios da presunção da inocência e do "in dubio pro reo"; 2.ª -Em face das provas produzidas, o Tribunal deveria ter-se decidido pela absolvição do Arguido, à luz daqueles dois últimos princípios atrás expostos; 3.ª - Ao não fundamentar com base em factos a causa da não atribuição de credibilidade às declarações do Arguido, nem explicar quais os factos que consubstanciam a existência de tráfico e não do consumo previsto e punido pelo art. 40.º do Decreto-Lei n.º 15/93, a sentença está ferida de nulidade, nos termos e para os efeitos conjugados dos art. 379.º n.º1, alin. a) e c) do Código de Processo Penal.

    4.ª - Consubstanciam aqueles vícios os fundamentos previstos no disposto no art. 410.º n.º2, alin. a) - a insuficiência para a decisão da matéria de facto provada; c) - erro notório na apreciação da prova, do Código de Processo Penal; É assim de justiça que a acusação seja considerada não provada quanto ao arguido ora recorrente e este ABSOLVIDO: 4.

    O recurso foi admitido a fls.187.

  3. O Ministério Público no Tribunal recorrido respondeu ao recurso nos termos constantes de fls.190 a 192, concluindo que o douto acórdão recorrido não merece censura, pois fixou correctamente a matéria fáctica pertinente, que qualificou e sancionou de forma adequada e criteriosa, não tendo incorrido em qualquer erro que invalide o decidido.

  4. Remetidos os autos a esta Relação, a Exma. Procuradora - Geral Adjunta não emitiu qualquer parecer sobre as razões aduzidas pelos recorrentes.

  5. Efectuado o exame preliminar foi entendido haver razões para a rejeição do recurso por manifesta improcedência (art. 420 n.º1 do CPP), sendo, por isso, determinada a remessa dos autos para conferência (cf. art. 419 n.º4, alin. a) do CPP). Colhidos os vistos legais e realizada a conferência, cumpre decidir: II - Fundamentação 8. O tribunal recorrido deu como provados e não provados os seguintes factos: 8.1 - FACTOS PROVADOS: 1 - Cerca das 22 horas e 10 minutos do dia 23 de Março de 2005 na zona do n.º 28 do Largo da Graça nesta cidade e comarca de Lisboa, o arguido tinha consigo dois sacos de plástico que continham cocaína com o peso líquido total de 9,715 gramas, que transportava dentro da viatura automóvel de marca Fiat, modelo Punto, com a matrícula ….

    2 - O arguido conhecia a natureza estupefaciente da cocaína.

    3 - Mesmo assim, decidiu manter em seu poder as embalagens dessa substância, acima discriminadas.

    4 - Agiu consciente e deliberadamente, fazendo-o com plena liberdade de actuação bem sabendo que a sua conduta era criminalmente punida por lei.

    5 - O arguido até aos 18 anos trabalhou numa panificadora.

    6 - Tem uma filha com 2 anos e meio que está à guarda e cuidados da mãe.

    7 - Antes de preso via em casa dos pais dele e dos pais da companheira.

    8 - Tem o 6.º ano.

    9 - Já respondeu nos seguintes processos: a) - n.º 838/02.4PRLSB da 3.ª VC de Lisboa, 2.ª Secção, por crime de roubo, praticado em 03.06.02, tendo sido condenado por acórdão de 17.07.03, na pena de 9 meses de prisão, suspensa por 2 anos (fls. 62); b) - n.º 660/05.6PMLSB da 5.ª VC de Lisboa, 1.ª Secção, por um crime de roubo (art. 210/1/2/b) e dois crimes de sequestro (art. 158/1), praticados em 16.12.05, tendo sido condenado por acórdão de 07.07.06, transitado em 24.07.06, na pena única de 5 anos e seis meses de prisão, pena esta que cumpre actualmente com termo previsto para 20.06.11 (fls. 131 e ss); 10 - Averba na guia de recluso de fls. 147 e ss., mais os seguintes processos: a) - n.º 586/04.0S5LSB do 2.º JC de Lisboa, 2.ª Secção, em que foi condenado por condução de veículo sem habilitação em 480 € de multa, com a alternativa de 80 dias de prisão; b) - n.º 1047/02.8PJLSB do 2.º JC de Lisboa, 1.ª Secção, por crime desconhecido; c) - n.º 742/05.4PKLSB do 3.º JC de Lisboa, 3.ª Secção, onde aguarda julgamento em 30.01.07, por crimes de ofensa à integridade física qualificada e injúria; 8.2 - A respeito de factos não provados o tribunal recorrido exarou o seguinte: Não se provou que: 1NP - em data aproximada e anterior às 22 horas e 10 minutos do dia 23 de Março de 2005 o arguido formulou o propósito de guardar transportar e entregar doses individuais de cocaína a indivíduos que consumissem tais substâncias exigindo e aceitando as correspondentes quantias em dinheiro para pagamento de tais produtos estupefacientes; 2NP - as embalagens de cocaína referidas em 1 dos factos provados se destinavam a ser entregues pelo arguido a terceiros, em troca de contrapartida em dinheiro; 3NP - o arguido é consumidor ocasional de cocaína e adquiriu a que lhe foi apreendida no dia dos factos no Largo do Intendente.

    8.3 - O tribunal recorrido motivou a sua decisão quanto à matéria de facto nos seguintes termos: "A convicção do Tribunal formou-se a partir das declarações do arguido, do depoimento das testemunhas ouvidas e documentos juntos aos autos.

    O arguido, como não podia deixar de fazer, admitiu a posse da droga com que foi detido, o que foi confirmado pelo agente da PSP, Delmar Monteiro, que o deteve em flagrante.

    Disse o arguido, além do mais, que detinha a cocaína para consumir e ceder a amigos numa festa no Algarve, ao que não se deu crédito e tão pouco que o mesmo é consumidor ocasional daquele produto visto que, para além das suas pouco convictas declarações, nenhuma outra prova foi produzida que permitisse confirmar o alegado.

    Deu-se-lhe todavia, crédito no declarado quanto à sua situação pessoal.

    O depoimento da testemunha C. nenhum relevo teve para o apuramento dos factos e da personalidade do arguido.

    Atentou-se ainda no CRC junto aos autos (fls. 61), no exame do LPC de fls. 60, na certidão de fls. (fls. 131 e ss) e na guia de fls. 147 e ss." 9.

    Os recursos são remédios jurídicos que se destinam a despistar e corrigir erros in judicando ou in procedendo, que são expressamente indicados pelo recorrente, com referência expressa e específica aos meios de prova que impõem decisão diferente, quanto aos pontos de facto concretamente indicados (quanto à questão de facto), ou com referência à regra de direito respeitante à prova, ou à questão controvertida (quanto à questão de direito) que teria sido violada, com indicação do sentido em que foi aplicada e qual o sentido com que devia ter sido aplicada Ora, apesar das Relações poderem conhecer de facto e de direito (cf. art. 428 n.º1 do CPP), e do julgamento ter sido efectuado com documentação dos actos de audiência, o arguido não impugna a matéria de facto em termos deste Tribunal poder dela conhecer amplamente.

    O recorrente insurge-se contra a convicção alcançada pelo tribunal colectivo, entendendo que a "sentença" sob recurso [no caso, um acórdão, pois trata-se de uma decisão de um tribunal colegial - cf. art.97, alin. c) do CPP] está ferida de nulidade por o tribunal, no entender do arguido, não fundamentar, com base em factos, a causa da não atribuição de credibilidade às declarações do Arguido, nem explicar quais os factos que consubstanciam a existência de tráfico e não do consumo previsto e punido pelo art. 40.º do Decreto-Lei n.º 15/93; entende que a "sentença" enferma dos vícios de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada e de erro notório na apreciação da prova, que o tribunal violou os princípios da livre apreciação da prova, da presunção da inocência e do in dubio pro reo, que deviam conduzir à sua absolvição.

    Atendendo à factualidade apurada, à letra da lei e à jurisprudência dos tribunais superiores, é patente a sem razão do recorrente.

    Assim, as questões a decidir, por ordem preclusiva, são as seguintes:

    1. Se o acórdão recorrido é nulo, por falta de fundamentação, como sustenta o arguido; B) Se o acórdão recorrido enferma dos vícios prevenidos no art. 410 n.º2, alin. a) e c) do CPP; C) Se o tribunal recorrido violou os princípios da livre apreciação da prova, da presunção da inocência e do in dubio pro reo; D) Se o arguido deve ser absolvido.

  6. Passemos à apreciação da 1.ª questão: Da nulidade do acórdão recorrido.

    Defende o arguido J.

    que a sentença é nula, nos termos do art. 379 n.º1, alin. a) e c) do CPP, pois deveria ter-se pronunciado sobre a factualidade concreta que diz respeito à atribuição de credibilidade ou não credibilidade às declarações do arguido, e aos factos que a ela subjazem, bem com quais os factos que consubstanciam a existência de tráfico e não de consumo.

    Afigura-se-nos que tal vício inexiste e, a existir...

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