Acórdão nº 10256/2006-9 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 18 de Janeiro de 2007

Magistrado ResponsávelCARLOS BENIDO
Data da Resolução18 de Janeiro de 2007
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

P. 10256/06- 9 Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação de Lisboa: I - RELATÓRIO No processo comum colectivo nº 151/03.0PCLRS, da 1ª Vara de Competência Mista do Tribunal Judicial da Comarca de Loures, foi submetido a julgamento o arguido A.

, acusado, pelo Ministério Público, da prática, em autoria material e concurso efectivo, de sete crimes de abuso sexual de crianças, p. e p. pelo art° 172°, nº 1, com a agravação constante do art° 177°, n° 1, al. a); um crime de abuso sexual de crianças, na forma consumada e continuada, p. e p. pelo art° 172º, nº 1 e 30º, nº 2, com a agravação constante do art° 177º, nº 1, al. a); seis crimes de abuso sexual de crianças, na forma tentada, p. e p. pelo art° 172°, n° 1, 22° e 23º, nºs 1 e 2, com a agravação já supra referida; um crime de abuso sexual de crianças, na forma consumada, p. e p. pelo art° 172°, n° 3, al. a), com a mesma agravação; três crimes de abuso sexual de crianças, na forma consumada, p. e p. pelo art° 172°, n° 3, al. b), todos do C. Penal, com a agravação supra referida.

Realizado o julgamento, foi decidido condenar o arguido como autor material de: A- 5 crimes de abuso sexual de crianças agravado, p. e p. pelos arts. 172°, nº 1 e 177°, do C. Penal, na pena de: - crime relativo aos factos descritos no ponto 2 - 2 anos de prisão.

- crime relativo aos factos descritos no ponto 4 - 2 anos e 6 meses de prisão.

- crime relativo aos factos descritos no ponto 7 - 2 anos e 6 meses de prisão.

- crime relativo aos factos descritos no ponto 10 - 1 ano e 6 meses de prisão.

- crime relativo aos factos descritos no ponto 11 - 2 anos e 6 meses de prisão.

B- 3 crimes de abuso sexual de crianças agravado, na forma tentada, p. e p. pelos arts. 172°, nº 1, 177°, n° 1, al. a), 22º e 23º, do C. Penal, na pena de: - crime relativo aos factos descritos no ponto 3 - 2 anos de prisão.

- crime relativo aos factos descritos no ponto 8 - 2 anos de prisão.

- crime relativo aos factos descritos no ponto 12 - 2 anos de prisão.

C- 1 crime de abuso sexual de crianças, p. e p. pelo art° 172°, n° 3, al. a), com a agravação do art° 177°, n° 1, al. a), do C. Penal, na pena de: - crime relativo aos factos descritos no ponto 6 - 1 ano de prisão.

D- 2 crimes de abuso sexual de crianças, na forma tentada, p. e p. pelo art° 172°, n° 3, al. b), 22° e 23°, nºs 1 e 2, com a agravação do art° 177°, n° 1, al. a), do C. Penal, na pena de: - crime relativo aos factos descritos no ponto 5 - 1 ano de prisão.

- crime relativo aos factos descritos no ponto 9 - 1 ano de prisão.

E- E, em cúmulo jurídico das referidas penas parcelares, na pena única de 6 (seis) anos e 6 (seis) meses de prisão.

Inconformado com o assim decidido, recorreu o arguido, concluindo: 1- Denota-se conforme o acima descrito, no ponto 1, que a prova não foi bem valorada, pois no caso de dúvida o tribunal a quo devia ter seguido o caminho mais favorável ao arguido em respeito pelo principio "in dubio pro reo.

2- Pelo exposto o tribunal a quo violou, ainda, o disposto no n.° 2 do art.° 32.° da Constituição da República Portuguesa.

3- Nestes factos dados como provados foi excluída toda a prova testemunhal apresentada pelo arguido, assim como a sua versão dos factos.

4- Deverá pois essa supra referida prova ser valorada por V. Ex.as.

5- No entanto e se esse não for o entendimento de V. Ex.as, deve o arguido ser apenas condenado a 2 crimes de abuso sexual de criança agravado e sob a forma de crime continuado.

6- Toda a matéria que o tribunal a quo considerou provada, aponta no sentido de uma única intenção do arguido, a de se relacionar sexualmente com as menores, satisfazendo assim a sua libido. Para com cada uma das menores existiu uma só resolução criminosa, um só acto de vontade, insusceptível, pois, de provocar vários juízos de censura.

7- O arguido ao longo de toda a sua actuação, e conforme as declarações das menores, leva-nos a crer que agiu sempre com o mesmo dolo, mostrando-se desta forma significativamente diminuída a sua culpa.

8- Também o seu comportamento ao que parece se deveu a factores exógenos que o arrastaram, uma vez que o arguido não planeava nada, as situações segundo as menores aconteciam na ausência da sua progenitora.

9- Como é sabido, o crime continuado ocorre quando o agente, com unidade de propósito e violando o mesmo bem jurídico - pertencente a uma pessoa ou a várias sempre que o bem ou bens violados não sejam de natureza eminentemente pessoal - executa, em momentos distintos, acções diversas, cada uma das quais conquanto integre um comportamento delituoso, não constitui mais que a execução parcial de um só e único facto típico ( Cf. Cuello Calón, Derecho Penal, Parte General, 9.ª edição, 566), sendo que o seu fundamento reside no menor grau de culpa do agente.

10- São pois pressupostos do crime continuado a realização plúrima do mesmo tipo de crime ou de vários tipos que protejam fundamentalmente o mesmo bem jurídico, homogeneidade da forma de execução, lesão do mesmo bem jurídico, unidade de dolo, persistência de uma situação exterior que facilita a execução e que diminui consideravelmente a culpa.

11- Pelo que deveria, o arguido, uma vez que não foi absolvido, ser condenado por 2 crimes de abuso sexual de criança continuados e não 11, tendo desta forma sido desrespeitado o art.º 30.º n.° 2 do C. P, já que os actos constituem dois crimes (um praticado sobre a vítima B. e outro sobre a vítima C. ), ficando o Tribunal dispensado de encontrar a pena parcelar para cada um dos crimes.

Termos em que e nos demais de direito, deve ser dado provimento ao recurso, e em consequência ser o arguido absolvido dos crimes pelos quais foi condenado, ou então se V. Ex.as assim não o entenderem deverão ser reduzidos os onze crimes de que o arguido vem acusado a dois crimes de abuso sexual de criança agravado e sob a forma de crime continuado, com as consequências legais relativas à culpa e ilicitude, bem como relativamente à medida da pena, nos termos do art.º 431.º do C. P. P..

Respondeu a Exma. Procuradora da República, concluindo: O douto acórdão recorrido não nos merece qualquer censura, pois bem ajuizou da prova produzida em audiência, fazendo correcta qualificação dos factos e aplicando correctamente a pena.

Deverá pois manter-se o douto acórdão.

Neste Tribunal, o Exmo. Procurador- Geral Adjunto na vista preliminar que lhe foi dada nos autos arguiu, por seu turno, no seu douto parecer, a questão prévia da admissibilidade do recurso por, em sua opinião, ser extemporâneo.

Notificado o recorrente para responder a esta questão prejudicial, defendeu a tempestividade do recurso, nos termos explanados a fls. 802 a 805.

Efectuado o exame preliminar foi considerado enfermar a decisão recorrida de nulidade que obsta ao conhecimento das demais questões suscitadas no recurso sendo por isso determinada a remessa dos autos aos vistos para subsequente julgamento na conferência (artº 419º, nº 3, do CPP).

Tudo visto, cumpre decidir.

II - FUNDAMENTAÇÃO 1. Factos provados: 1. Em diversas datas não concretamente apuradas, mas durante o mês de Março de 2003, na casa de morada de família, sita na Rua …,Santo António dos Cavaleiros, e quando a mãe das menores não estava em casa, o arguido A. atentou contra a liberdade e auto determinação sexual das suas enteadas B. nascida em … de 1989, e C. , nascida em … de 1994, sendo que tinha perfeita consciência da idade destas.

  1. Concretizando, em relação à B., o arguido em data indeterminada mas também durante o período supra referido apalpou-lhe os seios com as mãos, o que aconteceu contra a vontade desta, sem aviso e quando esta estava distraída, e também agarrou a B. por trás e encostou-lhe a zona do pénis à zona do rabo.

  2. Igualmente por mais de uma vez, o arguido dirigiu-se à B. e, pondo o seu pénis de fora, pediu para que esta lhe "fizesse festinhas", o que esta sempre recusou, tentando então o arguido forçá-la a masturbá-lo com a mão, o que só não conseguia porque esta resistia e/ou gritava pela irmã C., quando esta estava em casa.

  3. Por volta do dia 07 de Março de 2003, quando a B. havia acabado de tomar banho, o arguido aproximou-se desta, tirou-lhe a toalha que cobria o corpo e, após ter baixado as suas calças, começou a esfregar o pénis erecto na zona vulvar da B., o que durou algum tempo e causou algumas dores nesta, tendo dito ainda "olha, está a começar a crescer". A B. opôs-se a esta actuação do arguido, só tendo conseguido libertar-se por ter mordido o arguido numa mão e no ombro.

  4. Ainda durante o mês de Março de 2003, o arguido disse para a B. ir ver com ele um filme pornográfico (que havia gravado no canal Sexy Hot) e, como esta não quis, forçou-a a vê-lo.

  5. Em data não concretamente apurada, mas por volta do ano de 2000, o arguido tentou mexer no sexo da B. e tentou que esta mexesse no seu pénis, mas, como não conseguiu, masturbou-se, com a mão, à frente desta e disse "olha, vai deitar leitinho".

  6. Em relação à C., e nas datas e local referido em 1 supra, o arguido, por mais de uma vez, levou-a para o quarto de casal, e, sem as calças vestidas, com o pénis à vista da criança, introduzia-se a si e à C. na cama, com uma manta a cobri-los, e mexia com as mãos na zona da vulva da menor, esfregando os dedos para cima e para baixo, enquanto obrigava através de força física a criança a mexer-lhe no pénis, enquanto dizia "vá, continua, continua".

  7. Ainda em Março de 2003 e no mesmo local, o arguido por mais de uma vez tentou encostar o seu pénis à vulva e ao rabo da C., só não o tendo conseguido porque esta se opunha.

  8. De igual forma, o arguido por mais de uma vez pôs um filme pornográfico na sala, com a C. ao seu lado, e enquanto a criança via ele mexia com os seus dedos na vulva desta.

  9. Em outra ocasião, e sempre em casa do arguido e durante o mês de Março de 2003, o arguido puxou as calças da C. para baixo, esta puxou-as para cima, o arguido puxou-as novamente para baixo, a C. para cima mais uma vez e o arguido para baixo...

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