Acórdão nº 8667/2006-5 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 16 de Janeiro de 2007

Magistrado ResponsávelMARGARIDA BACELAR
Data da Resolução16 de Janeiro de 2007
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Acordam, em audiência, os juízes da 5ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa: No 4º Juízo Criminal do Tribunal de Círculo da Comarca de Cascais, mediante acusação do Ministério Público, foi julgado em processo comum, perante o tribunal colectivo, com documentação das declarações oralmente prestadas em audiência, o Arguido a seguir identificados: M., actualmente sob obrigação de permanência na habitação sob vigilância electrónica.

A final, foi decidido julgar a acusação procedente, e, em consequência, condenar o referido arguido:

  1. Como autor material de 1 (um) crime de homicídio p. e p. pelo artigo 131.º do Código Penal, na pena de 4 (quatro) anos de prisão (pena especialmente atenuada); b) Julgar parcialmente procedente o pedido de indemnização civil deduzido pelas assistentes/demandantes e, em consequência, condenar o arguido/demandado a pagar-lhe as seguintes quantias: - € 84.549,60, a I. P. ; - € 35.000,00, a I P , S P e C P , enquanto herdeiras de C .

    - € 15.000,00, a S P; - € 15.000,00, a C P; acrescidas dos juros de mora sobre essas quantias a contar desde a data da presente decisão e até integral pagamento, à taxa de 4 % ao ano.

  2. Absolver o arguido/demandado do demais peticionado.

  3. Julgar parcialmente procedente o pedido de indemnização civil deduzido pelo Instituto de Solidariedade e Segurança Social e, em consequência, condenar o arguido/demandado a pagar-lhe a quantia de € 2.181,87, acrescida dos juros de mora contados desde a data da citação até integral pagamento à taxa de 4% ao ano.

    II - Inconformado, o arguido interpos recurso da referida decisão, formulando as seguintes conclusões: " 1. O tribunal a quo apreciou incorrectamente as provas produzidas nos autos, relativamente aos pontos 10, 12 e 17 da matéria de facto considerada provada.

    1. Pois que as declarações do arguido (registadas em duas fitas magnéticas, desde o nº 0000 até ao nº 4914 do lado A, cassete 1, desde o nº 0000 ao nº 1600 do lado B, e desde o nº 182 até ao nº 196 do lado B, cassete nº 4), os relatórios periciais de fls.566/568 e 569/571, bem como o depoimento da testemunha P (registado em duas fitas magnéticas, desde o nº 000 até ao nº 182 do lado B, cassete nº 4), impunham que o tribunal a quo não tivesse considerado provado que o arguido decidiu matar a vítima.

    2. E, bem assim, que não tivesse considerado provado que o mesmo previu e quis a morte do C. quando disparou o revólver, tendo-se determinado livre e conscientemente.

    3. Acresce que o tribunal a quo desvalorizou os relatórios psicológico e psiquiátrico junto aos autos, bem como o testemunho da Drª P ., sobrevalorizando o relatório da autópsia, apesar deste apenas retratar as consequências acto e não a essência deste.

    4. De tais elementos probatórios resulta que a situação vivenciada pelo arguido é explicada como um acting-out - uma situação psicótica geradora de um stress muito elevado, em que falharam os processos de controlo de impulsos.

    5. O que significa que, no momento do disparo, o arguido não teve consciência do que estava a fazer.

    6. Ao subestimar tais provas, o tribunal recorrido infringiu o disposto no artº 163º do CPP.

    7. E infringiu, ainda, o princípio constitucional in dubio pro reo, que manda beneficiar o arguido, em caso de dúvida na apreciação de cada um dos factos que lhe são imputados.

    8. O acordão recorrido merece também censura na parte em que não considerou existir, in casu, uma situação de excesso de legítima defesa.

    9. Com efeito, a conduta do arguido foi motivada pelas múltiplas ofensas e ameaças de que foi alvo, sendo previsível, face à conduta da vítima, que pudessem verificar-se outras agressões mais graves.

    10. Assim, tal situação configura um quadro de agressão actual, pelo que se justificava o recurso por parte do arguido à sua arma de defesa.

    11. Embora se admita Ter havido um excesso por parte do recorrente, na utilização de tal arma, motivado pelo estado de medo e perturbação, não censuráveis, em que o mesmo se encontrava.

    12. Verificam-se, pois, no caso vertente, todos os requisitos legais, a que aludem os artºs 32º e 33º do Cód.Penal.

    13. Ainda que assim se não entendesse, sempre o tribunal recorrido deveria Ter considerado compreensível a emoção violenta vivida pelo arguido e, consequentemente, convolado o crime de homicídio pelo qual o mesmo vinha pronunciado para o tipo privilegiado, p.p. pelo artº 133º do Cód.Penal.

    14. Com efeito, o tribunal equacionou, de forma incorrecta, o conceito de "homem médio", a partir do qual aferiu se a referida emoção violenta foi ou não compreensível.

    15. Pois que o conceito de "homem médio" deve Ter em consideração as características concretas do agente e as circunstâncias em que o mesmo actuou.

    16. Sendo compreensível que um homem de 72 anos de idade, de compleição física frágil, que foi agredido verbal e fisicamente por pessoa de estatura física superior, que ficou privado dos seus óculos e diminuído na sua visão, que foi ameaçado de levar com um ferro na cabeça e viu o seu agressor dirigir-se à garagem onde trabalhava e se convenceu de que o mesmo ia buscar o dito ferro, seja acometido de uma emoção violenta que o impeça de controlar devidamente os seus impulsos, como sucedeu com o ora recorrente.

    17. O tribunal a quo também não ponderou devidamente a diminuta intensidade do dolo e da culpa, a ameaça grave de que o arguido foi alvo, o arrependimento demonstrado, os sentimentos manifestados no cometimento do crime, a consulta anterior e posterior ao facto, a preparação por si manifestada para manter conduta lícita e, acima de tudo, a necessidade da pena, ao proceder à determinação concreta da pena a aplicar ao recorrente.

    18. Todas as referidas circunstâncias, que a lei penal manda ter em consideração no momento da fixação concreta da pena, militam invariavelmente a favor do ora recorrente.

    19. Todas as referidas circunstâncias, ainda que sopesadas com as graves consequências do facto, justificam que a pena concreta a aplicar ao arguido se situasse no primeiro quarto da moldura penal abstractamente aplicável.

    20. Donde se conclui que o tribunal a quo jamais deveria ter aplicado ao arguido uma pena superior a 3 anos de prisão.

    21. Além disso, tal pena deveria ser declarada suspensa na sua execução, uma vez que se mostram verificados, in casu, todos os requisitos previstos no artº 50º do Cód.Penal, podendo tal suspensão ser condicionada ao cumprimento de diversos deveres, nomeadamente os previstos no artº 51º do citado diploma legal.

    22. Ao decidir de outra forma, fez o tribunal a quo uma aplicação e interpretação erradas dos comandos legais constantes dos artºs 32º, 33º, 50º, nº 1, 70º, 71º nºs 1, 2 b), c), e) e f) e 3 e 72º nºs 1 e 2 a) e c), 133º, todos do Cód.Penal, 163º do CPP e 32º nº 2 da Constituição da República Portuguesa.

    Nestes termos e sempre sem olvidar o douto suprimento de V.Exªs, Venerandos Desembargadores, deve o presente recurso merecer provimento e, em consequência, ser o acordão recorrido revogado e, em substituição, ser proferido um outro que, a final, absolva o recorrente da prática do crime por que foi pronunciado.

    Quando assim se não entenda, sempre a pena de prisão a aplicar ao arguido deverá ser fixada, concretamente, em medida não superior a três anos, suspendendo-se a respectiva execução, de harmonia com o disposto no artº 50º do Código Penal, como é de elementar JUSTIÇA! " O MINISTÉRIO PÚBLICO respondeu à motivações de recurso apresentadas pelo Arguido Recorrente, pugnando pela improcedência do mesmo.

    Neste Tribunal o Exmo.Procurador-Geral Adjunto limitou-se a apor o seu visto.

    Efectuado o exame preliminar, e não havendo questões a decidir em conferência colhidos os vistos, prosseguiram os autos para audiência, que se realizou com observância das formalidades legais, como a acta documenta.

    Nas alegações orais não foram suscitadas novas questões.

    Cumpre decidir.

    FACTOS CONSIDERADOS PROVADOS NO ACÓRDÃO RECORRIDO São os seguintes os factos que o acórdão recorrido indica como estando provado: " 1) No dia 03.04.2004, pelas 19.20 horas, o arguido dirigiu-se ao posto de abastecimento de combustíveis da Galp, na Rua S., na Parede, ao volante do carro da marca "Volkswagen", modelo "Polo", com a matrícula …, visando abastecê-lo de carburante; 2) Ao manobrar o carro no qual se transportava, o arguido deixou a sua viatura bater no pára-choques duma carrinha de marca "Nissan", com a matrícula que estava aparcada nas proximidades, tendo o carro do arguido ficado com marcas de tinta desta viatura, não sendo visíveis estragos nesta; 3) No mesmo local e na mesma ocasião encontrava-se C., pessoa que habitualmente trabalhava nessa gasolineira, mas que naquele dia estava de folga.

    4) Apercebendo-se da aludida pancada entre os carros, o C. dirigiu-se ao arguido, fazendo-lhe notar que tinha batido com o seu carro na viatura "Nissan", responsabilizando-o pelos prejuízos que tivesse causado e proibindo-o de abandonar o local; 5) Nesse momento, começou uma discussão entre o arguido e o C., no decurso da qual este em tom exaltado dirigiu por diversas vezes palavras ofensivas da honra do arguido, tais como "cabrão" e "filho da puta" e a certa altura desferiu uma bofetada na cara deste, fazendo cair ao chão o par de óculos que o arguido então trazia colocados donde resultou a perda da lente direita.

    6) C. ameaçou ainda o arguido que caso este pretendesse abandonar o local lhe daria com "um ferro nos cornos"; 7) A dada altura e quando esta discussão já se prolongava por um período de tempo de aproximadamente 15 minutos, o arguido dirigiu-se à bagageira do seu carro, retirou duma pasta o seu revólver de marca "Smith & Wesson", de calibre 32 longo municiado com seis munições no tambor, instrumento que sabia que era adequado a causar os mais graves ferimentos na saúde, e a tirar a vida, das pessoas contra as quais fosse usado; 8) No momento em que arguido foi buscar o revólver tinha a intenção de com ele intimidar o C. de modo a evitar que este o voltasse a agredir ou injuriar; 9) O arguido empunhou esse...

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