Acórdão nº 3360/2006-5 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 19 de Dezembro de 2006

Magistrado ResponsávelFILIPA MACEDO
Data da Resolução19 de Dezembro de 2006
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Texto: (…) O arguido A. foi condenado, pela prática de um crime de abuso de confiança fiscal, na forma continuada, previsto e punido pelo art.º 105º, nº 1 e 5 do RGIT, 30º nº 2 e 79º do Código Penal, na pena de um ano e seis meses de prisão cuja execução, ao abrigo do disposto nos art.ºs 50º nº 1 do Código Penal e 14º do RGIT, foi suspensa pelo período de cinco anos, sob a condição de, naquele prazo, pagar à Administração Fiscal a prestação tributária em dívida relativa aos períodos mencionados na factualidade provada, incluindo os acréscimos.

O arguido, não se conformou com tal decisão e dela interpôs recurso, alegando existir: - contradição insanável da matéria de facto provada; - nulidade da sentença, impugnando a matéria de facto; pedindo a renovação da prova, assim como a transcrição de uma série de depoimentos; - não preenchimento do tipo legal por entender não se estar perante uma prestação tributária que obedeça aos requisitos da norma incriminadora porquanto haveria IVA não recebido; - inconstitucionalidade das normas aplicadas e da interpretação, que o tribunal delas fez, por violação dos princípios da legalidade, tipicidade, necessidade e proporcionalidade; - exclusão da ilicitude porquanto terá agido em estado de necessidade desculpante; - desnecessidade da pena ou excesso da sua medida, defendendo que deveria ter sido especialmente atenuada; - ilegalidade e excesso da condição para a suspensão da execução da pena.

(…) O recorrente defende que os factos provados não se enquadram na previsão do art.º 105º nº 1 do RGIT, porquanto não se trata de prestação tributária deduzida, mas sim na previsão que resulta da conjugação desse nº 1 com o nº 2, parte final, do mesmo preceito, por se tratar de prestação de que havia obrigação legal de liquidar.

Assim considera que a norma deve ser interpretada no sentido de não punir a não entrega de IVA auto-liquidado mas não deduzido e não recebido.

A interpretação feita pelo tribunal é a única que cabe na letra da lei, coincidindo com o espírito do legislador e não viola a Constituição.

Nos termos do art.º 105º nº 1 do RGIT, comete o crime de abuso de confiança fiscal "quem não entregar, total ou parcialmente, prestação tributária deduzida nos termos da lei e que estava legalmente obrigado a entregar, é punido com pena de prisão até três anos ou multa até 360 dias".

O nº 5 do mesmo preceito determina que "quando a entrega não efectuada for superior a €50 000, a pena é a de prisão de um a cinco anos e de multa de 240 a 1200 dias para as pessoas colectivas".

Por sua vez, o art.º 11º alínea a) do RGIT dá a definição de prestação tributária, como sendo "impostos...incluindo taxas e outras receitas fiscais ... cuja cobrança caiba à administração tributária".

Nos termos do art.º 7º do C. de IVA, este imposto "torna-se devido e torna-se exigível no momento em que os bens são postos à disposição do adquirente ou da realização do serviço".

O art.º 22º do mesmo diploma preceitua que "o direito à dedução nasce no momento em que o imposto dedutível se torna exigível ... efectuando-se mediante subtracção ao montante global do imposto devido pelas operações tributáveis do sujeito passivo, durante um período de declaração, do montante do imposto dedutível, exigível durante o mesmo período".

Destas disposições legais resulta que para se incorrer na prática do crime de abuso de confiança fiscal não é necessário que o montante deduzido a título de IVA tenha sido efectivamente recebido.

O recebimento não constitui elemento do tipo legal de crime.

No caso em apreço estamos incontestavelmente perante uma não entrega ao credor tributário da prestação tributária deduzida por conta daquele, estando preenchidos todos os elementos objectivos, assim como o subjectivo porquanto o arguido, consciente da obrigação de entrega e da proibição subjacente à não entrega, voluntariamente, optou por dar outro destino àquelas quantias, além de se mostrar verificada a condição objectiva de punibilidade (decurso do prazo de 90 dias sobre o termo do prazo legal para a entrega).

Assim o comportamento constitui crime de abuso de confiança fiscal.

Quanto à alegada questão de o arguido ter agido em estado de necessidade desculpante determinante da sua absolvição ou em última análise da atenuação especial da...

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