Acórdão nº 10145/2006-6 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 14 de Dezembro de 2006

Magistrado ResponsávelPEREIRA RODRIGUES
Data da Resolução14 de Dezembro de 2006
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)
  1. OBJECTO DO RECURSO.

José … intentou, nos Juízos de Pequena Instância Cível de Lisboa, a presente acção declarativa, com processo sumaríssimo, contra …. Seguros, S. A, pedindo que esta seja condenada a pagar-lhe a quantia de € 3.329, acrescida de juros vencidos e vincendos, desde a data da citação até efectivo e integral pagamento.

Os autos configuram uma acção para efectivação de responsabilidade civil extracontratual, decorrente de acidente de viação.

A Ré contestou, pugnando pela improcedência da acção e consequentemente pela absolvição do pedido.

Prosseguindo os autos os seus trâmites, veio a ser proferido douto despacho a julgar o tribunal incompetente em razão da matéria para o conhecimento da presente acção e, em consequência, a absolver a ré da instância.

Inconformado com a decisão, veio o Ministério Público interpor recurso para este Tribunal da Relação, apresentando doutas alegações, com as seguintes CONCLUSÕES: 1. A douta sentença recorrida absolveu o Réu da instância, por incompetência absoluta do Tribunal de Pequena Instância Cível de Lisboa, nos termos do disposto nos artgs. 102º, nº 1, 105º, nº 1, 288º, nº 1, alínea a), 493º, nº 2 e 494º, alínea a), todos do Cód. Proc. Civil, sustentando que a competência para apreciação da matéria em discussão nos autos pertence ao Julgado de Paz instalado na comarca de Lisboa; 2. Fundamentou a sua posição no artg. 9º, nº 1, alínea h) da Lei nº 78/2001, de 13 de Julho, no artg. 66º do Cód. Proc. Civil e no artg. 211º da C.R.P.

  1. Discordamos de tal posição, entendendo que a natureza dos Julgados de Paz é alternativa e não exclusiva.

  2. Não se encontrando o território nacional coberto pela instalação de Julgados de Paz, não faz sentido que esta jurisdição conheça, em exclusivo, de matérias apreciadas por Tribunais Judiciais em outras circunscrições territoriais.

  3. Igualmente, o princípio da reserva de jurisdição, ou a disponibilidade das partes na possibilidade de submeterem os litígios materialmente judiciais nos tribunais judiciais, aponta para uma competência alternativa.

  4. Acresce que a consagração da competência exclusiva expressa nos projectos de lei que antecederam a aprovação da Lei nº 78/2001, de 13 de Julho, não obteve consagração no texto da lei vigente.

  5. Favorecem, de resto, a tese da sua competência alternativa os artgs. 41º e 59º, nº 3 da sobredita lei, não fazendo sentido que os Tribunais Judiciais, inicialmente incompetentes, adquiram competência quando sejam suscitados incidentes não admissíveis no processo dos Julgados de Paz ou seja requerida prova pericial.

  6. Os artgs. 66º do Cód. Proc. Civil e 211º da C.R.P., invocados no texto da sentença recorrida, não apontam para a competência exclusiva da Jurisdição de Paz, pois que o que está em causa é, justamente, a ausência de uma norma atributiva de competência a um Tribunal Judicial e outra atributiva de competência aos Julgados de Paz.

  7. O reconhecimento de que um tribunal judicial e um julgado de paz têm idêntica competência material não implica qualquer entorse aos princípios gerais, uma vez que pertencem a estruturas jurisdicionais diversas.

  8. A prolongada inércia legislativa no sentido de clarificar a competência - alternativa/exclusiva - dos Julgados de Paz não pode deixar de apontar no sentido do nosso entendimento.

  9. Neste sentido foi emitido o Parecer nº 10/2005, da Procuradoria-Geral da República, publicado no D.R., II Série, em 2 de Setembro de 2005.

  10. Pelo exposto, o Tribunal de Pequena Instância Cível de Lisboa é competente, em razão da matéria, para apreciar o caso concreto.

  11. Assim, a absolvição do Réu da instância, por incompetência absoluta deste tribunal, inobservou o disposto nos artgs. 9º nº 1, alínea g), 41º, 59º, nº 3 da Lei nº 78/2001, de 13 de Julho, 211º da Lei Fundamental e 66º do Cód. Proc. Civil.

    Nestes termos, deverá ser concedido provimento ao recurso, revogando-se a decisão recorrida e declarando-se o Tribunal de Pequena Instância Cível de Lisboa materialmente competente para apreciar o pleito desenhado nos autos, realizando-se, assim, a habitual JUSTIÇA! Não houve contra-alegação.

    Admitido o recurso na forma, com o efeito e no regime de subida devidos, subiram os autos a este Tribunal da Relação, sendo que nada obstando ao conhecimento do agravo, cumpre decidir.

    A questão a resolver é a de saber se o tribunal competente para a acção é a Pequena Instância Cível, onde a acção foi proposta, ou se o Julgado de Paz.

    | II.

    FUNDAMENTOS DE FACTO.

    Os factos a tomar em consideração para conhecimento do agravo são os que decorrem do relatório acima inscrito.

    | III.

    FUNDAMENTOS DE DIREITO.

    Nos termos do n.º 1 do art. 18º da LOTJ (1) e do art. 66º do CPC "são da competência dos tribunais judiciais as causas que não sejam atribuídas a outra ordem jurisdicional".

    Os citados preceitos, cuja formulação vem já do CPC de 1939, enunciam uma regra genérica, ou um critério geral, de orientação para solucionar o problema da determinação do tribunal competente em razão da matéria e que consiste em colocar no âmbito da competência dos tribunais comuns todas as causas que por lei não estejam, concretamente, afectas à apreciação dos tribunais especiais ou de alguma jurisdição especial. É a indagação da competência por exclusão.

    Como ensinava o Prof. Alberto dos Reis, "todas as causas que por lei não são da competência dalgum tribunal especial pertencem ao foro comum. De modo que a competência dos tribunais especiais determina-se por investigação directa: vai-se ver qual é, segundo a lei orgânica do tribunal, a espécie ou espécies de acções que podem ser submetidas ao seu conhecimento.

    Pelo contrário, a competência do foro comum determina-se por exclusão: apurado que a causa de que se trata não entra na competência de nenhum tribunal especial, conclui-se que para ela é competente o tribunal ou juízo comum.

    Portanto, a competência do foro comum só pode afirmar-se com segurança depois de se ter percorrido o quadro dos tribunais especiais e de se ter verificado que nenhuma disposição da lei submete a acção em vista à jurisdição de qualquer tribunal especial» (2).

    Obviamente que o que se diz dos tribunais especiais vale igualmente quanto a outras jurisdições especializadas, hoje bastante em voga.

    Porém, saber se um determinado tribunal ou entidade jurisdicional de competência especializada é competente, ou não, para conhecer de determinada acção nem sempre é de evidência apodíctica, tornando-se necessário, não raras vezes, proceder a laboriosas indagações, para, através de vários elementos indiciadores, se ensaiar uma resposta convincente.

    Para o Prof. Manuel de Andrade, «são vários esses elementos também chamados índices de competência (Calamandrei). Constam das várias normas que provêem a tal respeito. Para decidir qual dessas normas corresponde a cada um deve olhar-se aos termos em que foi posta a acção - seja quanto aos seus elementos objectivos (natureza da providência solicitada ou do direito, para o qual se pretende a tutela judiciária, facto ou acto donde teria resultado esse direito, bens pleiteados, etc.), seja quanto aos seus elementos subjacentes (identidade das partes). A competência do tribunal - ensina Redenti (vol. I, pág. 265), afere-se pelo quid disputatum (quid decidendum, em antítese com aquilo que será mais tarde o quid decisum); é o que tradicionalmente se costuma exprimir dizendo que a competência se determina pelo pedido do autor. E o que está certo para os elementos da acção está certo ainda para a pessoa dos litigantes» (3).

    Também a jurisprudência tem propendido para o entendimento de que a competência em razão da matéria tem de ser averiguada em função dos termos em que a acção é configurada pelo autor, quanto ao pedido e seus fundamentos (4).

    Ora, no caso dos autos pretende o A que a R seja condenada a pagar-lhe a quantia de € 3.329, acrescida de juros vencidos e vincendos, desde a data da citação até efectivo e integral pagamento.

    Entendeu-se no despacho recorrido que para conhecer da presente acção era competente o Julgado de Paz de Lisboa.

    A organização, competência e funcionamento dos Julgados de Paz, encontra-se regulada no DL 78/2001, de 13/7, nele se consagrando como princípios gerais, o da participação cívica dos interessados e da justa composição do litígio por acordo das partes e ainda o de os procedimentos estarem concebidos e orientados por regras de simplicidade, adequação, informalidade, oralidade e absoluta economia...

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