Acórdão nº 7509/2006-2 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 26 de Outubro de 2006
Magistrado Responsável | ANA PAULA BOULAROT |
Data da Resolução | 26 de Outubro de 2006 |
Emissor | Court of Appeal of Lisbon (Portugal) |
ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA I MARIA…, intentou acção declarativa com processo ordinário, contra ARNALDO …, pedindo o reconhecimento da existência da união de facto entre Autora e Réu desde 1973 e se declarasse como sede dessa união de facto ou casa de morada de família a Rua …, alegando para o efeito, e em síntese, ser solteira e desde 1973 viver juntamente com o Réu, como casal, na Rua …, pretende fazer prova dessa união no âmbito da acção de despejo que corre termos no 8.° Juizo, 2.ª Secção dos Tribunais Cíveis de Lisboa, sob o n.° 1.905/2002. O Tribunal concluiu que a Autora carecia de uma falta absoluta de interesse em agir o que constitui um pressuposto processual insuprível, e em consequência, indeferiu liminarmente a Petição Inicial, absolvendo o Réu da instância.
Inconformada a Autora interpôs recurso de Agravo, apresentando as seguintes conclusões: - A acção para reconhecimento de união de facto, foi correctamente proposta na modalidade de acção constitutiva, por com ela se pretender ver consagrada uma nova situação jurídica criadora de direitos e deveres novos e oponíveis a terceiros, equiparável, em algumas situações, ao casamento; - Casamento que, por gozar de registo próprio, não necessita de ser reconhecido por sentença judicial, para ser oponível a terceiros; - Pelo que a recusa de consagração, por via de sentença judicial, da primeira realidade jurídica pressupõe a violação do princípio constitucional contido no artigo 13 da CRP; - A decisão a proferir na presente acção é oponível a terceiros, porquanto, consagrando ela direitos e deveres específicos, para os poder exercer a recorrente, necessita de os ver consagrados em sede da realidade jurídica da união de facto; - Existe interesse processual, imediato e concreto, da Recorrente em agir, uma vez que, ao ver consagrada por sentença a união de facto, poderá prevenir a lesão de direitos que, neste momento, estão ameaçados, conforme alegou; - A união de facto pode ser reconhecida por sentença judicial, tal como pode ser dissolvida por sentença judicial, nos termos do disposto nos n°s. 1 b) e 2 da Lei 7/2001, de 11 de Maio.
- Ao decidir de outro modo, a sentença recorrida violou o disposto nos dispositivos legais citados, a saber: Lei 7/2001, de 11 de Maio, arts. 2° a 4° do CPC e arts. 13º e 202º da CRP.
Não houve contra alegações e a decisão foi sustentada em despacho lacónico de «Subam os autos».
II As questões a resolver no presente recurso são as seguintes: 1. Qual o tipo de acção e o seu fim.
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Se a Autora tem interesse em agir.
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Saber se a Lei 7/2001, de 11 de Maio (Medidas De Protecção Das Uniões De Facto), prevê a declaração da constituição da situação de união de facto através de acção judicial intentada para o efeito.
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A utilização da acção judicial para obter um meio de prova.
Para a economia do presente recurso, são os seguintes os factos alegados na Petição Inicial a ter em atenção: - A Autora tem 70 anos de idade e é solteira.
- O Réu, tem 73 anos de idade e é viúvo.
- A Autora e o Réu vivem um com o outro, em comunhão de cama, mesa e habitação desde meados 1973.
- Autora e Réu habitam na Rua ….
- Autora e Réu são considerados pelos vizinhos, familiares, amigos e outras pessoas que com eles se relacionam, como se de marido e mulher fossem.
- Autora e Réu pretendem produzir prova cabal sobre o seu estatuto de união de facto, na acção de despejo que corre termos no 8º Juízo Cível de Lisboa, 2ª secção, com o nº 1905/2002.
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O tipo de acção e o seu fim.
Alega a Agravante, na sua tese que a acção proposta para reconhecimento de união de facto, entre a Agravante e o Agravado, foi correctamente proposta na modalidade de acção constitutiva, por com ela se pretender ver consagrada uma nova situação jurídica criadora de direitos e deveres novos e oponíveis a terceiros, equiparável, em algumas situações, ao casamento.
Vejamos.
Dispõe o normativo inserto no artigo 4º, nº1 do CPCivil que as acções são declarativas ou executivas, e acrescenta no seu nº2 que aquelas podem ser, além do mais, constitutivas, especificando a alínea c), o fim destas acções «(…) autorizar uma mudança na ordem jurídica existente.».
Ora, a decisão recorrida conclui que, perante a causa de pedir e o pedido invocados, a acção em análise não é de natureza constitutiva, mas uma acção de simples apreciação positiva.
Mas, sem razão.
As acções de simples apreciação (positiva ou negativa), são aquelas em que, reagindo contra uma situação de incerteza, o Autor pretende apenas obter uma declaração, com a força vinculativa própria das decisões judiciais, da existência ou inexistência de um direito ou de um facto, facto este que tem de ser juridicamente relevante, limitando-se a mesma a este único objectivo, cfr Giampiero Balena, Elementi di Diritto Processuali Civile, 3ª edição, vol I, 31.
Todas as acções envolvem o reconhecimento da existência ou inexistência de um direito, mas é no que se segue àquele reconhecimento (ou negação do mesmo) que se encontra o critério diferenciador dos vários tipos de acção.
Assim e no que concerne à economia deste recurso, se a parte além do reconhecimento do status (ou de um direito) que invoca, pretende a produção ope judicis dos efeitos jurídicos a que o mesmo tende, v.g., a constituição de uma nova relação com todos os direitos e deveres dela emergentes, oponíveis a terceiros e equiparáveis aos que resultam do casamento, a acção é constitutiva, cfr Giampero Balena, ibidem, 45 e Antunes Varela, Manual De Processo Civil, 1984, 21.
É o caso dos autos, inequivocamente.
Saber, se o nosso sistema jurídico permite que as partes possam vir a obter a produção de tais efeitos através de uma acção especificamente proposta para tal fim, já não diz respeito à temática da tipologia das acções, mas antes ao próprio direito que se quer ver reconhecido e se o mesmo é suceptível de uma tutela jurisdicional autónoma.
É que, o direito processual civil constitui a concretização prática do direito civil, na medida em que este ao englobar um conjunto de normas reguladoras das relações entre os indivíduos, ou entre estes e o Estado ou qualquer ente público, desde que despedidos das suas vestes de soberania, faz gerar uma dicotomia entre o direito subjectivo e o correspectivo dever, cfr Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, 1976, 2, Montalvão Machado e Paulo Pimenta, O novo Processo Civil, 5ª edição, 10.
Poder-se-ia argumentar que uma vez obtida tal decisão, à mesma não se seguiria um processo executivo.
Todavia, nem sempre à acção declarativa se segue uma acção executiva, nem poderá seguir-se, já que o efeito pretendido pela Autora, aqui Agravante, ficaria esgotado com a sentença proferenda e a sua realização coactiva não estaria dependente de outras medidas judiciais, sendo oponível, a se, erga omnes, ao contrário do que sustenta a decisão recorrida, cfr Antunes Varela, o.c., 72.
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Do interesse em agir.
Insurge-se a Agravante contra a sentença recorrida porque em seu entender e ao invés do que decidido foi, existe interesse processual, imediato e concreto, da Recorrente em agir, uma vez que, ao ver consagrada por sentença a união de facto, poderá prevenir a lesão de direitos que, neste momento, estão ameaçados, conforme alegou.
O interesse em agir, consiste no direito do demandante estar necessitado de tutela judicial, sendo no âmbito das acções de simples apreciação (positiva ou negativa) que a necessidade de acção se confunde com aquele direito, por se verificar um estado de incerteza sobre a sua existência (cfr neste sentido os Ac STJ de 3 de Maio de 1995 (relator Cons Faria de Sousa) e de 4 De Junho de 1996 (Relator Cons Machado Soares), in www.dgsi.pt), o que não significa que não se possa falar e discutir sobre a verificação de tal requisito em sede de acções condenatórias e/ou constitutivas, cfr Manuel de Andrade, ibidem, 81.
A nossa Lei processual não prevê este requisito, sendo o mesmo incluído no artigo 26º do CPCivil: o conceito lato de legitimidade acabaria por abarcar o interesse em agir, através do interesse em demandar (do lado activo) e do interesse em contradizer (do lado passivo).
Todavia, enquanto a legitimidade é um pressuposto processual, o interesse em agir é algo diverso: é uma condição, sine qua non, da própria acção, porque se falta, isso significa que o Autor não tem qualquer razão para pedir e conseguir a tutela jurisdicional pretendida.
Até pareceria, com esta afirmação que se estaria desde logo a coarctar o direito de aceder aos Tribunais.
Mas assim não é.
O acesso à justiça, constitui uma garantia constitucional dos cidadãos, prevenida no artigo 20º, nº1 da CRP, com o seu consequente reflexo a nível processual, cfr artigo 2º do CPCivil. Mas, uma coisa é os cidadãos poderem recorrer aos Tribunais, outra coisa será a apreciação da pretensão formulada, por estes órgãos.
Aquele direito geral de acesso à justiça e aos Tribunais (o princípio pro actione), por si só, não constitui qualquer aferição prévia da admissibilidade do pedido formulado, mas antes a consagração de um direito fundamental qual é a da liberdade concedida aos interessados de poderem recorrer a juízo e de obterem uma decisão sobre a questão suscitada, cfr Jorge Miranda e Rui Medeiros, Constituição Portuguesa Anotada, 2005, tomo I/176.
Tal direito de aceder aos órgãos competentes, não se confunde com a tutela jurisdicional da pretensão, já que esta tutela pressupõe uma previsão legal que confira ao...
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