Acórdão nº 3149/2006-5 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 04 de Outubro de 2006
Magistrado Responsável | JOSÉ ADRIANO |
Data da Resolução | 04 de Outubro de 2006 |
Emissor | Court of Appeal of Lisbon (Portugal) |
Acordam, em audiência, na 5.ª Secção (Criminal) da Relação de Lisboa: I. RELATÓRIO: 1. Nos presentes autos de processo comum que correram termos no 2.º Juízo do Tribunal das Caldas da Rainha, foram submetidos a julgamento, perante tribunal singular, os arguidos: - P…, - L… e - E…, aos quais era imputada a prática de um crime ofensa à integridade física por negligência, p. e p. pelo art. 148º, nº 1, do Código Penal.
A assistente, T.
, deduziu pedido de indemnização civil contra aqueles três arguidos, bem como contra a sociedade comercial por quotas "V., L.dª", pedindo a condenação solidária destes a pagar-lhe, a título de danos não patrimoniais, a quantia de € 37.500,00, acrescida de juros à taxa legal contados desde 13/8/1999 até à data do seu pagamento, bem como o pagamento da quantia de € 33.043,00, acrescida de juros à taxa legal contados desde 13/8/1999 até à data do seu pagamento, a título de danos patrimoniais, pedido que foi depois ampliado, peticionando-se ainda a condenação dos demandados no pagamento do montante a liquidar em execução de sentença, correspondente a todas as despesas com consultas médicas, exames, deslocações e farmácia, que a demandante venha a efectuar até à execução da sentença.
O Hospital de St.ª Maria deduziu pedido cível contra os arguidos P, L. e E., peticionando a condenação destes a pagar-lhe quantia não concretamente apurada, mas a liquidar em execução de sentença.
O Centro Hospitalar das Caldas da Rainha também deduziu pedido cível contra os mesmos arguidos, peticionando a condenação destes a pagar-lhe a quantia de € 25,94, acrescida de juros de mora, desde a notificação do pedido.
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Realizado o julgamento, foi proferida sentença, na qual se decidiu o seguinte (transcrição): «A) … julgar a acusação procedente, por provada, e, assim: - condenar o arguido P., pela prática, em autoria material, de um crime de ofensas à integridade física por negligência, p. e p. pelo art.148º, nº 1 do Cod. Penal, na pena de multa de 80 (oitenta) dias à taxa diária de € 5,00 (cinco euros), perfazendo a pena de multa global de € 400,00 (quatrocentos euros); - condenar a arguida L. , pela prática, em autoria material, de um crime de ofensas à integridade física por negligência, p. e p. pelo art.148º, nº 1 do Cod. Penal, na pena de multa de 80 (oitenta) dias à taxa diária de € 5,00 (cinco euros), perfazendo a pena de multa global de € 400,00 (quatrocentos euros); - condenar a arguida E., pela prática, em autoria material, de um crime de ofensas à integridade física por negligência, p. e p. pelo art.148º, nº 1 do Cod. Penal, na pena de multa de 80 (oitenta) dias à taxa diária de € 5,00 (cinco euros), perfazendo a pena de multa global de € 400,00 (quatrocentos euros); B) Julgar parcialmente procedente o pedido indemnizatório deduzido pela assistente T. contra os arguidos P., L., E. e a demandada cível "V. L.dª" e, em consequência, condená-los de forma solidária, a pagar à demandante: 1) a título de indemnização dos danos patrimoniais, a quantia de € 1.203,60 (mil duzentos e três euros e sessenta cêntimos).
2) a título de indemnização pelos danos não patrimoniais sofridos € 20.000,00 (vinte mil euros).
3) no pagamento de juros de mora contados, à taxa legal, desde a notificação aos demandados civis.
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No que respeita a este pedido cível, custas pela requerente e requeridos na proporção do respectivo decaimento.
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Julgar procedente por provado o pedido de indemnização civil formulado pelo Hospital de Santa Maria, condenando-se os arguidos P., L. e E. a pagar àquele Hospital o quantitativo de € 1.307,85 (mil trezentos e sete euros e oitenta e cinco cêntimos).
Custas, nesta parte, pelos demandados.
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Julgar procedente por provado o pedido de indemnização civil formulado pelo Centro de Saúde das Caldas da Rainha, condenando-se os arguidos P., L. e E. a pagar àquela instituição a quantia de € 25,94 (vinte e cinco euros e noventa e quatro cêntimos).
Custas, nesta parte, pelos demandados.
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Mais vão ainda os arguidos condenados nas custas do processo, fixando-se em 3 UC's a taxa de justiça, a que acresce 1% a favor do F.A.V., bem como procuradoria e bem assim como honorários às ilustres defensoras oficiosas a pagar de acordo com a tabela, a adiantar pelo Cofre Geral dos Tribunais».
***3. Inconformados com tal decisão, recorreram todos os arguidos e a demandada cível, para o que formularam as seguintes conclusões: (…) 4. Admitidos os recursos, respondeu o Ministério Público aos dos arguidos, defendendo que estes devem ser julgados improcedentes, mantendo-se a decisão recorrida.
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Neste Tribunal, a Exm.ª Procuradora-Geral Adjunta, na vista a que se refere o art. 416.º, do CPP, remeteu para audiência a pronúncia acerca das questões suscitadas nos recursos.
Proferido despacho preliminar e colhidos os necessários vistos, teve lugar audiência de julgamento, com observância do legal formalismo, cumprindo decidir.
***II. FUNDAMENTAÇÃO: 1 - Conforme entendimento pacífico nos Tribunais Superiores, são as conclusões extraídas pelos recorrentes, a partir da respectiva motivação, que operam a fixação e delimitação do objecto dos recursos submetidos à apreciação do tribunal ad quem, sem prejuízo da tomada de posição sobre todas e quaisquer questões que, face à lei, sejam de conhecimento oficioso e de que ainda seja possível conhecer.
No presente caso, tendo-se procedido à gravação das declarações oralmente prestadas em audiência, nos termos do art.º 364.º, do CPP, pode este tribunal de recurso conhecer de facto e de direito (art. 428.º n.º 1 do CPP).
Os recorrentes, porém, limitando os respectivos recursos, invocaram as seguintes questões: 1.
violação do art. 374.º, n.º 2, do CPP, por deficiente fundamentação da sentença no que concerne ao exame crítico da prova; 2. a sentença recorrida sofre de erro notório na apreciação da prova; 3. a conduta dos arguidos não preenche os elementos típicos do crime de ofensas à integridade física por negligência; 4. Não se verificam os pressupostos da responsabilidade civil.
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O montante indemnizatório correspondente aos danos não patrimoniais deve ser reduzido para € 8000,00 e os respectivos juros contabilizados a partir da decisão.
***2 - Mas, antes de mais, vejamos o conteúdo da decisão recorrida, no que concerne a matéria de facto: 2.1 O Tribunal declarou provados os seguintes factos (transcrição): «
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O primeiro arguido, no decurso do mês de Agosto de 1999, era quem estava incumbido da secção de pastelaria no estabelecimento comercial "V. L.dª", cabendo-lhe zelar pelo controlo da qualidade e segurança dos produtos ali fabricados e a vender.
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As arguidas naquela altura eram empregadas de balcão do mesmo estabelecimento, sendo a arguida E. a empregada mais velha na casa e aquela a quem os patrões incumbiam as tarefas de dirigir os restantes funcionários na sua ausência.
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No dia 11 de Agosto de 1999, na pastelaria V., sita na Rua da M., B., na então comarca de Caldas da Rainha, encontrava-se H. a conversar com o arguido P., no sentido de vender produtos de limpeza a esta pastelaria.
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H. pediu à arguida L. duas garrafas, entregando-lhe esta, duas garrafas da água da marca Frize, que se encontravam vazias, com as respectivas tampas.
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H. encheu-as, uma com detergente de louça e outra com detergente de roupa, apondo na zona do rótulo, numa a palavra louça e noutra a palavra roupa.
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A amostra para a máquina de roupa foi logo utilizada, ficando a da louça em cima do balcão de serviço.
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Todos os arguidos tiveram conhecimento destes factos.
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De forma não apurada, a garrafa contendo o detergente de louça foi colocada dentro do frigorífico junto ao balcão de atendimento da pastelaria e onde estão as restantes bebidas a servir aos clientes.
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No dia 13 de Agosto de 1999, na mesma pastelaria, cerca das 19H00, entrou na aludida pastelaria um grupo de pessoas que pediu várias bebidas.
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Nesse grupo estava T. que solicitou uma garrafa de água gaseificada à empregada que estava de serviço às mesas., O. .
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A garrafa de vidro que continha no seu interior um líquido com características de detergente foi servida a T. que dessa garrafa bebeu um gole.
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Em consequência de tais condutas, sofreu a ofendida T. lesões endoscópicas na mucosa e úlceras serpiginosas, que causaram gastropatia cáustica, as quais de forma directa e necessária lhe determinaram 150 dias de doença, sendo 75 deles com incapacidade para o trabalho, tendo sofrido dores quer na altura em que ingeriu o liquido que se encontrava no interior da mencionada garrafa, quer com os tratamentos das lesões.
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O acidente e lesões dele decorrentes ficaram a dever-se à falta de atenção dos arguidos que caso tivessem observado o dever de cuidado que as circunstâncias do caso concreto exigiam, designadamente, atendendo ao tipo de garrafas solicitadas por H. , a natureza do estabelecimento e das bebidas que ali se vendiam e que poderiam ser facilmente confundíveis com as aptas ao consumo, o que não fizeram e decerto evitariam o efeito danoso que o seu comportamento negligente acabou por produzir.
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Sabiam os arguidos que a lei não permitia a sua conduta.
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O arguido P. é empregado bancário, auferindo cerca de € 900,00/mês, é casado e tem um filho. A sua esposa aufere cerca de € 400,00/mês como empregada de escritório, despendendo cerca de € 460,00/mês em renda de casa. O arguido não tem antecedentes criminais.
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A arguida L. é empregada de balcão, vivendo em união de facto com um companheiro, servente, o qual aufere cerca de € 500,00/mês. Tem casa e carro próprio.
A arguida não tem antecedentes criminais.
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A arguida E. trabalha num escritório de contabilidade, é casada e tem uma filha. Aufere cerca de € 540,00/mês, e o seu marido, serralheiro, aufere cerca de € 700,00/mês. Pagam cerca de € 300,00/mês de casa.
A arguida não tem antecedentes criminais.
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Em consequência da conduta dos arguidos, a ofendida foi transportada para o Centro de Saúde do B. .
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Posteriormente foi transportada de ambulância para o Hospital Distrital das...
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