Acórdão nº 239/2006-7 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 12 de Setembro de 2006

Magistrado ResponsávelARNALDO SILVA
Data da Resolução12 de Setembro de 2006
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Acordam os juízes, em conferência, na 7.ª Secção Cível, do Tribunal da Relação de Lisboa: I.

Relatório: 1. José […], solteiro, maior, advogado […] intentou contra V.[…] SA., com sede em Lisboa, acção declarativa comum com forma ordinária, na qual pede que a ré seja condenada a liquidar a quantia de global de € 82.357,61 referente a danos materiais e morais causados com a utilização ilícita da imagem do autor para publicação da […], acrescida de juros à taxa legal de 7 % ao ano, desde a data da citação até integral pagamento.

Para o efeito alega que não autorizou que a ré utilizasse a sua fotografia para ilustrar a sua publicidade, mas que apenas concedeu à ré uma entrevista sobre a sua opinião como cliente da T.[…], e cedeu àquela uma sua fotografia para ilustrar aquela entrevista e ser publicada na New Letter da ré. E que através da utilização abusiva da sua fotografia a ré auferiu proventos que não lhe pertenciam, e que a utilização abusiva da fotografia lhe causou danos materiais e morais.

* 2. Na sua contestação, a ré impugnou os factos dizendo que, mesmo que os pretensos factos danosos fossem verdadeiros - e não são - não existiria qualquer relação de causalidade adequada entre os factos praticados pela ré e a suposta verificação dos factos danosos (art.º 563º do Cód. Civil), que os factos praticados pela ré não são aptos a produzir quaisquer danos morais, e que estes, a haverem existido se devem a uma sensibilidade especialmente apurada do autor, pelo que não merecem a tutela do direito. E mesmo assim não fosse, sempre estaria prescrito o direito à indemnização, por este prescrever no prazo de três (art.º 498º, n.º 1 do Cód. Civil), e o facto de o autor ter conhecimento da prática do acto ilícito em 01-09-1997 e de a ré ter sido citada para a presente acção em finais de Setembro de 2003.

E conclui pela improcedência da acção e pela sua absolvição, ou pela procedência da prescrição.

* 3. Na réplica, o autor sustenta que o direito à indemnização não está prescrito, porque os factos ilícitos praticados pela ré constituíam um crime previsto e punido nos art.ºs 199º, n.º 2 al. b) e 197º al. a) do Cód. Penal, e em 12-01-1998 foi deduzido o respectivo procedimento criminal, em 14-10-1998, o autor requereu a sua constituição como assistente, nos autos de inquérito n.º […], por despacho de 20-01-1999 o autor foi admitido como assistente, em 11-04-2000 o processo de inquérito foi objecto de despacho de arquivamento, não se conformando com tal despacho, o autor em 15-05-2000, requereu a abertura da instrução, em 22-06-2001, foi rejeitado o requerimento de abertura de instrução, por força do art.º 71º do Cód. Proc. Penal, o pedido de indemnização cível tinha obrigatoriamente de ser deduzido em processo penal, só o podendo ser em separado no tribunal cível, nos casos enumerados no art.º 72º do Cód. Proc. Penal, e nos termos do art.º 306º do Cód. Civil, o prazo da prescrição só começa a correr quando puder ser exercido o direito respectivo, e só em 22-06-2001 o Tribunal de Instrução Criminal proferiu despacho de arquivamento. Assim sendo, só a partir da notificação deste despacho começou a correr o prazo de prescrição.

E conclui pela improcedência da excepção peremptória da prescrição.

* 4. No despacho saneador foi julgada improcedente a excepção peremptória da prescrição.

A acção prosseguiu os seus posteriores termos, tendo sido proferido sentença que julgou a acção parcialmente procedente e, consequência condenou a ré a pagar ao autor a quantia de € 17.500,00 a título de indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais que causou ao autor, acrescida de juros de mora contados pela forma que descreve, na fundamentação da sentença. No mais absolveu a ré do pedido. E condenou o autor e a ré em custas, na proporção do respectivo decaimento.

* 5. Inconformada apelou a ré. Nas suas alegações, em síntese nossa, conclui: 1.º A resposta "provado" a um quesito onde se questiona "Só pela perda de um mandato que lhe tinha sido conferido deixou o A. de auferir a quantia de € 10.000 encerra matéria de direito e, consequentemente, deverá ter-se por não escrita ex vi do preceituado no art. 646°, n.º 4 do Cód. Proc. Civil; 2.º Na verdade, o conceito de "perda de mandato" é eminentemente jurídico, não tendo utilização na linguagem corrente, e sendo o seu uso restrito aos profissionais do direito; 3.º Acresce que, ao dar como provado o aludido quesito, a sentença do tribunal a quo, nessa parte, constitui uma verdadeira decisão-surpresa, já que a recorrente não foi chamada a pronunciar-se sobre a existência, validade e eficácia de um determinado contrato de mandato, bem como sobre a validade e eficácia da respectiva revogação unilateral por parte do mandante, em manifesta violação do princípio do contraditório; 4.º Ademais, ao contrário do que se entendeu na douta sentença recorrida, inexiste qualquer nexo de causalidade entre a associação da imagem do recorrido (cuja fotografia figurou num painel publicitário no interior do edifício da sede da recorrente, posteriormente reproduzido em duas emissões televisivas) e a "perda do mandato" em causa nos autos; 5.º Na verdade, a "perda de um mandato" não constitui o resultado típico ou normal da exibição de uma fotografia do recorrido num painel publicitário afixado no edifício da sede da recorrente posteriormente reproduzido em duas edições do programa televisivo da RTP "Finantial Times"; 6.º Aliás, mesmo a entender-se estar a recorrente obrigada a ressarcir os danos advenientes da referida "perda de mandato" - o que não se concede -, o cômputo da indemnização a pagar deverá reflectir, ex vi do preceituado no art. 566°, n.º 2 do Cód. Civil, a circunstância de o recorrido não haver realizado quaisquer despesas ou sequer dispêndio tempo ou esforço na execução do mesmo, o que não se verificou; 7.º Enfim, a indemnização, no montante de € 7.500,OO (sete mil e quinhentos euros), arbitrada ao recorrido a título de danos não patrimoniais é, salvo o devido respeito, clamorosamente exorbitante, injusta e desequilibrada tendo em conta o circunstancialismo provado nos autos; 8.º Resultaram, assim, violados na decisão recorrida, os seguintes preceitos legais: art.ºs 3°, 511°, n.º 1; 646°, n.º 4; 264º, n.º 2 do Cód. Proc. Civil, e art.ºs 483°; 563°; 566°, n.ºs 2 e 3, 496°, n.º 1 do Cód. Civil.

* 6. Nas suas contra-alegações o autor apelado, conclui: 1.º A matéria de facto seleccionada no quesito n.º 20 não constitui matéria de direito, sendo a expressão "mandato" usada na linguagem comum, com sentido unívoco; 2.º Sem prescindir, a testemunha que depôs sobre tal quesito era advogada, tendo inerente conhecimento técnico-jurídico para ter podido explicar ao Tribunal a quo, com clareza e certeza, os factos de que tinha conhecimento, e qual o mandato - claramente identificado - que o recorrido tinha perdido; 3.º A expressão "mandato" não carece, in casu, da alegação de outros factos; 4.º A recorrente não se opôs à selecção da matéria de facto, designadamente, ao teor do quesito n.º 20 quando notificada do despacho saneador, tendo precludido o direito para tal nos termos do n.º 2 do art.º 511º do Cód. Proc. Civil, o que determina a inadmissibilidade legal de recorrer sobre tal matéria, em sede de recurso para esta a Relação de Lisboa; 5.º Não houve qualquer violação do princípio do contraditório, nos termos o art.º 3º do Cód. Proc. Civil, tendo a recorrente sido notificada de todos os articulados e despachos produzidos nos autos, dispondo de prazo para se opor. Não o fez porque hão quis e, só podemos concluir daí que se não o fez foi porque entendeu que não dispunha de fundamento para tal!; 6.º Existe nexo de causalidade entre os factos praticados pela recorrente e os danos causados ao recorrido, não havendo qualquer violação do art.º 483º do Cód. Civil; 7.º O quantum indemnizatório fixado no valor de € 10.000,00 (dez mil euros) corresponde ao valor líquido do prejuízo patrimonial sofrido pelo Recorrido. Nada há, na atribuição de tal indemnização, que viole o disposto no art.º 566.° do Cód. Civil; 8.º O valor de € 7.500,00 (sete mil e quinhentos euros) nada tem de "exorbitante", de "clamorosamente excessivo", "injusto" ou "desequilibrado"; 9.º Com efeito, a matéria provada nos quesitos 13º, 15°, 16º a 20º foram bastante penosas para o recorrido e cuja gravidade foi devidamente ponderada pelo Tribunal a quo.

* 7. As questões essenciais a decidir: Na perspectiva da delimitação pelo recorrente (1), os recursos têm como âmbito as questões suscitadas pelos recorrentes nas conclusões das alegações (art.ºs 690º, n.º 1 e 684º, n.º 3 do Cód. Proc. Civil), salvo as questões de conhecimento oficioso (n.º 2 in fine do art.º 660º do Cód. Proc. Civil), exceptuando-se do seu âmbito a apreciação das questões cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras (n.º 2 1.ª parte do art.º 660º do Cód. Proc. Civil).

Atento o exposto e o que flui das conclusões das alegações (2) - e só se devem conhecer as questões que tenham sido suscitadas nas alegações e levadas às conclusões, ainda que outras, eventualmente, tenham sido suscitadas nas alegações propriamente ditas (3) -, da ré apelante supra descritas em I. 5. são três as questões essenciais a decidir: 1) se deve ou não ter-se por não escrita, nos termos do n.º 4 do art.º 646º do Cód. Proc. Civil, a resposta dada ao art.º 20º da b.i. (base instrutória)(4) por conter matéria de direito; 2) se a resposta dada ao art.º 20º da b.i. constitui ou não uma decisão-surpreza; 3) se se verifica ou não a existência do nexo de causalidade entre o facto imputável à ré e os danos; 4) e se sim, qual o quantum indemnizatur.

Vai-se conhecer das questões pela ordem indicada.

Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir: *** II.

Fundamentos: A) De facto: Na 1.ª instância foram dados como provados os seguintes factos: Em Janeiro de 1995, o autor foi contactado pelo Serviço de Apoio a Clientes da sociedade anónima T.[…] S.A. - a qual, hoje, se denomina V.[…] S.A.-...

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