Acórdão nº 147/2006-5 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 06 de Junho de 2006

Magistrado ResponsávelMARGARIDA BLASCO
Data da Resolução06 de Junho de 2006
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Acordam, em conferência, na 5ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Lisboa I 1-Por despacho judicial de 13.07.2005, proferido no 1º Juízo do Tribunal do Barreiro, foi revogada a suspensão da execução da pena aplicada à arguida Maria … e determinado o cumprimento da mesma. Recordemos o teor deste despacho (transcrição): Maria … foi condenada, por acórdão de 11 de Dezembro de 2003, transitado em julgado, na pena única de três anos de prisão suspensa na sua execução pelo período de quatro anos, sob condição de a arguida, no prazo de dois anos, proceder ao pagamento aos demandantes civis das indemnizações fixadas, devendo pagar um quarto do pedido a cada seis meses, incluindo a última prestação os juros, pela prática de um crime de abuso de confiança agravado na forma continuada e de um crime de falsificação de documento na forma continuada, previstos nos artigos 205º, nº1 e 4, b), 256º, nº1, b) e 30º, nº2 do Código Penal.

A arguida não efectuou qualquer pagamento.

Prestou declarações em 16 de Fevereiro de 2005, invocando dificuldades económicas decorrentes de início recente de nova actividade relacionada com equipamento e prática de Karting e de distúrbios emocionais para si resultantes da condenação objecto do processo.

Manifestou intenção de cumprir a condição imposta e afirmou que diligenciou pela obtenção de crédito bancário com reforço de hipoteca de imóvel de elevado valor de sua propriedade, aguardando para data breve, que não concretizou, resposta favorável por parte da instituição bancária.

Verifica-se, porém, que o imóvel mencionado pela arguida foi objecto de venda judicial através de propostas em carta fechada em 22 de Fevereiro de 2005, no âmbito da Execução Ordinária nº 279/2001 do 2º juízo cível do tribunal da comarca de Setúbal, em que é exequente a Caixa de Crédito Agrícola Mútuo Entre Tejo e Sado e executados a arguida e marido.

Resulta, pois, manifestamente, abalada a credibilidade das declarações prestadas pela arguida, tornando-se previsível o incumprimento da condição imposta, impondo-se não perder de vista que o montante global do quantum indemnizatório fixado é aproximadamente de 85 167,53 €.

Estabelece o artigo 56º, nº 1, a) do Código Penal que a suspensão da execução da prisão é revogada sempre que, no decurso dela, o condenado infringir grosseira ou repetidamente os deveres de conduta impostos ou o plano individual de readaptação social.

Os ilícitos objecto da condenação nos presentes autos revestem gravidade significativa e dos mesmos resultou para os ofendidos, prejuízo patrimonial e não patrimonial importante.

A arguida violou de forma reiterada a obrigação estabelecida no âmbito da condenação condicional, não justificando de forma aceitável a omissão.

Por outro lado, transmitiu ao tribunal a ideia de que realizou todas as diligências possíveis com vista à obtenção do montante em dívida, dando mesmo como certa a concessão de crédito bancário com reforço de hipoteca sobre imóvel de grande valor, omitindo a real situação deste e a indisponibilidade de tal garantia.

Acresce que a arguida retomou o exercício de actividade de natureza comercial, não sendo de desprezar a possibilidade séria de cometimento de novos crimes contra o património, resultando, assim, abalado o juízo de prognose favorável subjacente à condenação condicional.

Apreciado de forma criteriosa o incumprimento, impõe-se desde já, sem grandes dúvidas, concluir que assume particular gravidade, não se afigurando suficiente ou eficaz, no caso em apreço, nenhuma das medidas previstas no artigo 55º do Código Penal.

Perante a natureza do incumprimento, a atitude da arguida e a personalidade evidenciada, não pode o tribunal deixar de concluir, com segurança, que se frustraram já as expectativas e finalidades que a suspensão da execução da pena pretendia alcançar Estão, pois, preenchidos os pressupostos da revogação da suspensão da pena, de harmonia com o disposto no artigo 56º do Código Penal.

Pelo exposto, revogo a suspensão da execução da pena e determino o cumprimento da mesma pela arguida.

2-Veio a arguida recorrer deste despacho invocando as razões que se resumem nas suas conclusões que se transcrevem:

  1. Perante a obrigação legal do Juiz de administrar a justiça em nome do povo, proferindo decisão acerca dos assuntos que lhe são submetidos e fazendo executar essas decisões, atendo o disposto no art. 495.º, 2 do CPP, devia o tribunal recorrido ter promovido a recolha de prova acerca da situação da arguida condenada que não cumpriu a obrigação da condição da suspensão da pena, usando, para o efeito, os poderes legais ao seu dispor, nomeadamente, o direito de prioritariamente ser coadjuvado por qualquer outra autoridade e de pedir informações e esclarecimentos a qualquer entidade.

  2. A não dilucidação das concretas situações da arguida condenada impõe o recurso ao princípio "in dubio pro reo" e, bem assim, impede a qualificação como grosseira ou repetida a violação da obrigação da condição da suspensão da pena.

  3. Na interpretação do disposto no art. 56.º, n.º1 a) do CP é necessário dotar de conteúdo conceitual a violação grosseira dos deveres, em conjugação com os demais disposições legais, nomeadamente as dos arts. 50.º, n.º 1; 51.º, n.º 1 a); 40.º e 71.º, todos do CP e, assim, concluir que é grosseira a violação de um dever exigível, em termos de razoabilidade, nas concretas circunstâncias da vida da arguida condenada, e que a violação tenha ocorrido com culpa grave, imputável à mesma arguida condenada, durante o espaço temporal do período da suspensão.

  4. A arguida que no período da suspensão da execução da pena teve graves dificuldades económicas que, até, determinaram a venda judicial, em processo de execução de um valioso imóvel, nomeadamente quando a quantia em que foi condenada ascende a mais de € 85.000, não está em condições de lhe ser, razoavelmente, exigido um pagamento desta elevada quantia, num prazo de dois anos, nem procede de culpa sua, pelo menos, grave, a violação dos deveres que lhe foram impostos, pelo que não violou de forma grosseira o dever que lhe foi imposto como condição de suspensão da execução de pena.

  5. A tal não obsta o acórdão condenatório transitado por o caso julgado em processo penal abranger apenas a existência e qualificação do facto punível e a determinação dos seus agentes, não podendo, nem devendo, ser considerado, neste âmbito, para efeitos de extrair daí a determinação, com a cobertura da imutabilidade do caso julgado, quanto às condições económicas da arguida condenada.

  6. Havendo condições para...

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