Acórdão nº 1111/2006-5 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 30 de Maio de 2006
Magistrado Responsável | MARGARIDA BLASCO |
Data da Resolução | 30 de Maio de 2006 |
Emissor | Court of Appeal of Lisbon (Portugal) |
Acordam, em conferência, na 5ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Lisboa I 1-Aos 8.08.2005, foi proferido no Tribunal de Instrução Criminal de Lisboa, o seguinte despacho, que se transcreve: Em sede de inquérito investigou-se nos presentes autos a eventual prática por E… e J… de um crime de ofensa à integridade física simples p. e p. pelo art. 143º do CP.
Findo o inquérito o MP proferiu o despacho de arquivamento de fls. 140 e seg.
O assistente (ora recorrente J…) não se conformando requereu a abertura da instrução nos termos e com os fundamentos constantes de fls. 154 e segs.
Cumpre analisar este requerimento e os preceitos legais que com o mesmo têm a ver.
Nos termos do artº 287º nº1 al. b) do CPP, a abertura da instrução pode ser requerida pelo assistente, se o procedimento não depender de acusação particular, relativamente a factos pelos quais o MP não tiver deduzido acusação.
Por sua vez, nos termos do preceituado no nº2 da mesma disposição legal, o requerimento não está sujeito a formalidades especiais mas deve conter, em súmula, as razões de facto e de direito da discordância relativamente à acusação ou não acusação, bem como a indicação dos actos de instrução que o requerente pretende que o juiz leve a cabo, dos meios de prova que não tenham sido considerados no inquérito e dos factos que através de uns e outros espera provar, sendo ainda aplicável ao requerimento do assistente o disposto no art.º 283º nº3 al. b) e c). Ou seja, o requerimento do assistente deve conter a narração, ainda que sintética dos factos que fundamentam a aplicação ao arguido de uma pena ou de uma medida de segurança, incluindo, se possível, o lugar, tempo e motivação da sua prática, o grau de participação que o agente neles teve, quaisquer circunstâncias relevantes para a determinação da sanção que lhe deve ser aplicada e a indicação das disposições legais aplicáveis.
Nos termos do art. 57º do mesmo diploma assume a qualidade de arguido todo aquele contra quem for requerida a instrução em processo penal.
De acordo com o art. 309º nº1 do CPP, a decisão instrutória é nula na parte em que pronunciar o arguido, no que ao caso interessa, por factos que constituam uma alteração substancial dos descritos no requerimento de abertura da instrução.
Da conjugação de todos estes preceitos, e tendo presente que o processo penal se rege pelos princípios do acusatório e contraditório, resulta que o requerimento de abertura da instrução quando requerida pelo assistente, porque é consequente de um despacho de arquivamento, deve conter todos os elementos de uma acusação com especial relevância para a matéria de facto que descreve o ilícito que o assistente imputa ao arguido. É o requerimento de abertura da instrução que delimita o objecto específico desta fase processual, sendo que o arguido tem de conhecer os factos cuja prática lhe é imputada para que deles se possa defender. O requerimento de abertura da instrução é mais do que uma forma de impugnar o despacho de arquivamento (para o qual existe a reclamação hierárquica) consubstanciando, quando apresentado pelo assistente, uma verdadeira acusação. Sem factos concretos que descrevam uma conduta penalmente punível a instrução padece de falta de objecto ou seja, não pode haver instrução. Sem instrução, o debate e a decisão instrutória constituem uma impossibilidade jurídica e os actos instrutórios actos inúteis.
A este propósito, veja-se José de Souto Moura in Jornadas de Direito Processual Penal - O Novo Código de Processo Penal" ed. Almedina, 1988, pág. 120: "Se o assistente requerer a instrução sem a mínima delimitação do campo factual sobre que há-de versar, a instrução será a todos os títulos inexequível. O juiz ficará sem saber que factos é que o assistente gostaria de ver acusados. Aquilo que não está na acusação e que no entendimento do assistente lá devia estar pode ser mesmo muito vasto. O juiz de instrução "não prossegue" uma investigação, nem se limitará a apreciar o arquivamento do MP, a partir da matéria...
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