Acórdão nº 9923/2005-5 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 23 de Maio de 2006

Data23 Maio 2006
ÓrgãoCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Acordam na Secção Criminal (5ª) do Tribunal da Relação de Lisboa: No processo comum colectivo n.º 55/04 (NUIPC 13394/99.0TDLSB) da 2ª Secção da 3ª Vara Criminal de Lisboa, por acórdão de 03-05-2005 (cfr. fls. 1261 a 1300), no que agora interessa, foi decidido: «Por todo o exposto, o Tribunal Colectivo delibera no sentido de considerar a pronúncia parcialmente procedente e provada e consequentemente decide:

  1. Absolver os arguidos AAA…. da prática do crime de infracção das regras técnicas a observar em instalações p. e p. pelo artº 277º, nº 1, al. a) do C. Penal por que vinham pronunciados.

  2. Condenar os arguidos AAA…, pela prática como autores materiais de um crime de infracção das regras técnicas a observar em instalações negligente p. e p. pelo artº 277º, nºs 1 al. a) e 3 na pena de 1 (um) ano de prisão, nos termos dos artºs 70º e 71º, todos os artigos referidos do Código Penal.

  3. Suspender as penas aos arguidos AAA…, por um período de 2 (dois) anos, nos termos do artigo 50º do Código Penal.

  4. Condenar ainda os arguidos AAA…, em 8 Uc a título de taxa de justiça e nas custas do processo com ¼ de procuradoria, nos termos dos artºs 513º e 514º nº 1 do CPP e 74º, 82º nº 1, 85º nº 1 al. b), 89º al. e) e 95º do Código das Custas Judiciais, na redacção que lhe foi dada pelo DL 324/03 de 27DEZ.

  5. Condenar por último o arguido A…, em 25 Uc a título de honorários ao Ilustre Defensor Oficioso que assegurou a sua defesa no julgamento, que serão adiantados pelo Cofre Geral dos Tribunais, nos termos da Tabela Anexa nº 3.1. e 9 da Portaria nº 1386/04 de 10NOV.

*No caso dos arguidos AAA…, virem a ter que cumprir efectivamente as penas em que vão condenados ser-lhes-á eventualmente aplicado o perdão previsto na Lei 29/99 de 12MAI.

*Boletins dos arguidos AAA… ao Registo Criminal.

*Notifique.».

O arguido José … não aceitou esta decisão e dela recorreu (cfr. fls. 1327 a 1381), extraindo da motivação as seguintes conclusões: «I- O Tribunal deu como provado que ao recorrente competia fiscalizar as normas de execução e de segurança da obra em causa, e que o sr J… trabalhava sob as suas ordens directas.

II- Fundamentou esta resposta à matéria de facto com base nos depoimentos do recorrente, …..

III- Apreciados os seus depoimentos acima transcritos, de nenhum em particular, nem da sua ponderação conjunta se pode alicerçar a conclusão retirada pelo Tribunal.

IV- Vê-se claramente do conjunto destes depoimentos que ao invés do decidido a função do recorrente era de coordenação das várias especialidades de serviços (drenagem, terraplanagem, via férrea, catenária, construção civil) a prestar pela G…, que o recorrente era o responsável pela coordenação destes vários serviços a desenvolver pela G… e desta com a REFER, e verifica-se que ao contrário do ponderado pelo Tribunal, não era o recorrente o superior hierárquico directo do sr J….

V- A G… tinha contratado um engenheiro especialista em catenária que era a pessoa que superintendia directamente os serviços do sr J… e que o acompanhava tecnicamente. Era a ele que competia acompanhar os serviços da especialidade de catenária e quem instruía tecnicamente o sr J….

VI- Há pois, com o devido respeito, erro do Tribunal recorrido na fixação desta matéria de facto que não tem suporte na fundamentação invocada.

VII- Isso mesmo se confirma pelo depoimento da testemunha sr engº J. A… que confirmou as funções do recorrente e a sua relação com o sr J… nos termos defendidos pelo recorrente.

VIII- Ao exposto deve juntar-se a prova resultante do doc. de fls 807 dos autos, tudo comprovando que na equipa da G… além do recorrente que tinha as funções de engenheiro civil residente, havia outros engenheiros de outras especialidades, como a engenharia de electricidade de catenária e que era este elemento da equipa quem coordenava o trabalho do sr J….

IX- Relacionada, como não podia deixar de ser, com esta matéria do nº 6, foi dado como provado nos nºs 36 a 39 da matéria de facto provada, que o recorrente devia verificar o cumprimento das regras de segurança, que possuía os elementos do projecto que lhe impunham proceder ao isolamento da zona de trabalhos, que devia saber que os isoladores e o shunt não tinham sido montados e que não exigiu do empreiteiro a sua instalação, permitindo o início dos trabalhos.

X- A motivação destas respostas foram as declarações do recorrente e do sr J… em que o Tribunal alicerçou as conclusões sobre as funções do recorrente, seus conhecimentos e omissões.

XI- Lidas estas declarações, em nenhum lado se pode suportar umas tais conclusões.

XII- Não há a menor prova ou referência de que coubessem ao ora recorrente funções de verificação de cumprimento de segurança.

XIII- Ao invés, ficou confirmado que as funções do recorrente eram as equivalentes ao lugar de "engenheiro civil residente" e materializavam-se na coordenação administrativa dos serviços, transmitindo aos especialistas os elementos pertinentes ao seu trabalho.

XIV- Não há também a menor prova da conclusão retirada na resposta ao nº 37 pois que, se é correcto afirmar-se que o recorrente teve acesso ao projecto e peças desenhadas, não tem qualquer suporte a afirmação subsequente de que o recorrente não acautelou as regras de segurança e permitiu o início dos trabalhos sem o isolamento da zona (37 a 39).

XV- O que consta nos depoimentos do recorrente e do sr J... é, em resumo, que o recorrente desempenhou as funções de engenheiro civil coordenador, que recebeu e transmitiu aos especialistas os vários projectos, nomeadamente o de obras de catenária de fls 83 e 85, que havia um engenheiro especialista de catenária na equipa de trabalho e que era este quem coordenava tecnicamente os trabalhos do sr J... no domínio das obras de catenária.

XVI- O Tribunal admite que as funções do recorrente se desenvolviam na área específica da catenária mas, com o devido respeito, fá-lo sem atender à prova produzida e acima transcrita que confirma a participação de um engenheiro especialista de catenária a quem cabia o acompanhamento dos serviços desta área específica de electricidade.

XVII- Na resposta dada à matéria de facto no nºs 45 a 49 o Tribunal fixou que o recorrente não fez cumprir como lhe competia as regras de segurança previstas pelo projectista, as quais conhecia, que o recorrente devia conhecer o perigo da obra em causa, que o recorrente não deu atenção à nota 3 de fls 85 e não mandou instalar o isolador e shunt, que o recorrente desrespeitou as regras técnicas estabelecidas pelos projectistas.

XVIII- A motivação desta resposta foi retirada de anterior resposta dada assente: as funções que atribuiu ao recorrente.

XIX- Não sendo as funções do recorrente as que o Tribunal lhe atribuiu, consequente e directo foi o erro na fixação destes factos em causa.

XX- Nenhuma prova analisada na audiência pode confirmar o raciocínio do Tribunal quanto às funções do recorrente.

XXI- O Tribunal esqueceu a multidisciplinaridade técnica dos serviços, a distribuição de funções pelos técnicos que formavam a equipa de trabalhos da G… e o papel de coordenação que cabia ao recorrente.

XXII- O Tribunal ao responder como respondeu à matéria dos nºs 6, 36 a 39 e 45 a 49 errou na apreciação da prova analisada que invocou como suporte da sua motivação.

XXIII- Acresce que em relação à matéria das funções de fiscalização de segurança que imputa ao recorrente, o Tribunal não teve em conta o teor do Regulamento Geral de Segurança XII da CP REFER, junto a fls 101 dos autos.

XXIV- Conforme acima se explanou, está previsto no RGS XII ponderado pelo Tribunal, a participação de técnicos da CP no acompanhamento das obras em causa, a quem incumbia assegurar-se de segurança do pessoal em obra.

XXV- Neste aspecto temos de ter ainda em conta o teor do documento que consta a fls 849 e (repetido por equívoco) a fls 1228 dos autos que é o projecto de execução da obra em que concretamente se deu o acidente dos autos.

XXVI- Este documento está apenas parcialmente copiado a fls 83 a 86 dos autos. Todos os arguidos foram ouvidos sobre ele, designadamente sobre o teor da nota 3 de fls 86 cujo incumprimento foi imputado ao recorrente.

XXVII- A sua versão integral consta como se disse a fls 849 e 1228 e, como se vê a fls 849 e 1228, sob a epígrafe "Normas de Execução da Catenária" consta no ponto 1.3 o seguinte: "Os trabalhos serão acompanhados por pessoal da CP que obrigará ao cumprimento das regras necessárias à segurança das pessoas e das circulações" XXVIII- É pois manifesto que a responsabilidade pelo acompanhamento dos trabalhos na catenária e por assegurar o cumprimento das condições de segurança das pessoas e das circulações, cabia ao pessoal da CP, como se vê dos pontos 1.1 a 1.3 do Caderno de Encargos/Cláusulas especiais do projecto de execução do feeder de contornamento, junto a fls 849 e 1228.

XXIX- Acresce ainda outro argumento a suportar esta crítica ao julgamento de facto da sentença recorrida: Imputou-se à G… a não elaboração de um plano de segurança.

XXX- Não era à G… que cabia apresentar o plano de segurança e saúde para a obra.

XXXI- Está provado documentalmente e testemunhalmente, (cfr. p.f. fls 951 a 1183 dos autos) que o plano de segurança e saúde (PSS) foi apresentado pela O... (empreiteira da obra) que nomeou o coordenador de segurança previsto no nº 2 do artº 5º do DL 155/95 de 1 de Julho, diploma que regulava a matéria de segurança de obras e se dá por reproduzido.

XXXII- O coordenador de segurança nomeado foi o sr F…, que foi o autor do PSS como se vê nas actas juntas a fls 974 e 949 dos autos que se dão por reproduzidas.

XXXIII- Prova-se pois, com estes documentos, que não cabia à G… a apresentação do PSS e a função de coordenador de segurança da execução da obra.

XXXIV- E se não cabia à G…, não cabia aos seus técnicos e nomeadamente ao recorrente.

XXXV- O que se acaba de afirmar foi confirmado pela testemunha sr engº J… cujo depoimento na audiência está transcrito a fls 492 a 531 do auto de transcrição que se dá por reproduzido.

XXXVI- A...

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