Acórdão nº 1726/06-2 de Tribunal da Relação de Guimarães, 15 de Janeiro de 2007

Magistrado ResponsávelFERNANDO MONTERROSO
Data da Resolução15 de Janeiro de 2007
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães No 3º Juízo Criminal de Guimarães, em processo comum com intervenção do tribunal singular (Proc. 11.488/02.5TAGMR), foi proferida sentença que: A) Absolveu o arguido A da prática do crime de maus tratos, previsto e punível pelo artigo 152º, n.º 1 do Código Penal, praticado sobre a pessoa da menor S.

B) Condenou o arguido A pela prática de um crime de maus tratos, previsto e punível pelo artigo 152º, n.º2, na pessoa da menor C, na pena de 18 meses de prisão; C) Condenou o arguido A pela prática de um crime de maus tratos, previsto e punível pelo artigo 152º, n.º2, na pessoa do menor J, na pena de 18 meses de prisão; D) Condenou o arguido A pela prática de um crime de maus tratos, previsto e punível pelo artigo 152º, n.º2, na pessoa do menor D, na pena de 18 meses de prisão; E) Em cúmulo jurídico, condenou o arguido A na pena de 2 anos de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 2 anos.

F) Absolveu a arguida M da prática dos quatro crimes de maus tratos a menor, previstos e puníveis, pelo artigo 152º, n.º 1, do Código Penal, pelos quais vinha pronunciada.

G) Por convolação, condenou a arguida M pela prática de um crime de ofensa à integridade física qualificada, previsto e punível pelo artigo 143º,n.º1, 146º e 132º, n.º 2, alínea b) do Código Penal na pessoa da menor C, na pena de 200 dias de multa, H) Por convolação, condenou a arguida M pela prática de um crime de ofensa à integridade física qualificada, previsto e punível pelo artigo 143º,n.º1, 146º e 132º, n.º 2, alínea b) do Código Penal na pessoa da menor J, na pena de 200 dias de multa, I) Por convolação, condenou a arguida M pela prática de um crime de ofensa à integridade física qualificada, previsto e punível pelo artigo 143º,n.º1, 146º e 132º, n.º 2, alínea b) do Código Penal na pessoa da menor D, na pena de 200 dias de multa, J) Em cúmulo jurídico, condenou a arguida M na pena de 380 dias de multa, à razão diária de 4 euros, o que perfaz a multa global de 1.520,00 euros.

* Desta sentença interpuseram recurso os arguidos A e M.

Suscitam as seguintes questões: - impugnam a decisão sobre a matéria de facto; - argúem a violação do princípio in dubio pro reo; - questionam o enquadramento dos factos na previsão do crime de maus tratos p. e p. pelo art. 132 nº 1 do Cod. Penal; - questionam o enquadramento dos factos na previsão do crime de ofensa à integridade física qualificada – arts. 143 nº 1, 146 e 132 nº 2 al. b) do Cod. Penal; - impugnam as penas concretas e únicas.

* Respondendo, o magistrado do MP junto do tribunal recorrido e o demandante defenderam a improcedência do recurso.

Nesta instância o sr. procurador geral adjunto emitiu parecer no mesmo sentido.

Colhidos os vistos, realizou-se a audiência.

* I – Na sentença recorrida foram considerados provados os seguintes factos: 2. Os arguidos são casados entre si.

  1. Por decisão proferida, em 10 de Outubro de 2001, nos autos de promoção e protecção n.º 27/97, a correr termos neste 3° Juízo Criminal do Tribunal…, foram entregues à guarda e cuidados do seu avô materno e ora arguido A, os seguintes menores: - J, nascido em 09/07/1993, filho de Ana e de J; - D, nascido em. 05/10/1995, filho de Ana e de J; - C, nascida em 03/03/2000, filha de Ana e de J.

  2. Naquela ocasião já se encontrava a viver com os arguidos a menor S, nascida em 03/03/2000, filha de Ana e de José.

  3. Em 7 de Novembro de 2002, na sequência de procedimento de urgência, a Comissão de Protecção de Crianças e Jovens de Guimarães, retirou os menores ao avô, ora arguido, tendo os mesmos sido provisoriamente acolhidos em Instituição, concretamente, no Lar...

  4. Tal procedimento de urgência foi desencadeado em virtude de ter sido sinalizada pela Escola frequentada pelos menores J e D, uma eventual situação de risco e maus tratos.

  5. Por decisão proferida, em 11 de Junho de 2003, nos autos de promoção e protecção n.º 2939/97.TBGMR, deste 3º Juízo Criminal do Tribunal…, foi determinado aplicar aos menores J e D, "a medida de acolhimento em instituição, mais concretamente no Centro…, até atingirem a maioridade" e às menores C e S, a medida de acolhimento familiar, tendo sido confiadas ao casal constituído por Alda e Manuel, até atingirem a maioridade.

  6. Durante o período em que os menores viveram com os arguidos, estes revelaram sempre uma postura fortemente repressiva e punitiva para com aqueles.

  7. Era habitual o arguido A, quando os menores C, J e D urinavam na cama, durante a noite, o que sucedida com frequência, como forma de os castigar, lhes bater com a mão e de cinto.

  8. Era habitual a arguida M, quando os menores C, J e D urinavam na cama, durante a noite, o que sucedida com frequência, como forma de os castigar, levá-los para a casa de banho e dar-lhes banho de água fria.

  9. Tais situações ocorriam no interior da residência dos arguidos.

  10. Os menores C, J e D costumavam ser fechados no quarto, à chave, como forma de castigo.

  11. Raramente lhes eram dados brinquedos.

  12. Após terem sido retirados de casa do arguido, como procedimento de urgência, pela Comissão de Protecção de Crianças e Jovens de Guimarães, os menores foram sujeitos a exames médicos, tendo-se constatado que: - a menor C apresentava lesões cicatriciais na região frontal de aspecto antigo, equimoses recentes no dorso e outra mais pequena na zona do joelho, e ferida na pálpebra superior do olho esquerdo, ferida essa que era consequência de castigo físico infligido, num dos dias anteriores, pelo arguido A; - o menor J apresentava lesões residuais na face e região dorsal e um hematoma na região dorso-lombar, as quais eram consequência dos castigos físicos infligidos pelo arguido.

  13. O arguido A sabia que tinha à sua guarda e cuidados os aludidos menores e que ao agir do modo descrito, criava e alimentava um clima de intimidação, desrespeito e mal estar em casa, infligindo maus tratos aos netos C, J e D.

  14. A arguida M sabia que os menores se encontravam à guarda e cuidados do seu marido e ora arguido A, bem como que ao agir do modo descrito colaborava na criação e alimentação de um clima de intimidação, desrespeito e mal estar em casa, ofendendo o corpo e saúde dos menores C, J e D.

  15. Os arguidos agiram de modo livre, consciente e voluntário, bem sabendo da censurabilidade da sua conduta.

    Quanto à situação socio-económica e pessoal dos arguidos provou-se que: 18. O arguido é reformado, auferindo uma pensão de reforma no valor de 400,00 euros mensais; 19. A arguida trabalha como costureira, na fábrica de confecções P, auferindo cerca de 380,00 euros, por mês.

  16. Os arguidos vivem numa casa arrendada, pagando a renda mensal de 3,50 euros.

  17. Os arguidos têm a seu cargo uma filha de 9 anos de idade, que frequenta ATL, pelo qual pagam mensalmente 50,00 euros.

  18. Os arguidos não têm antecedentes criminais.

    * Considerou-se não provado: 1. Os arguidos ameaçassem os menores com agressões físicas caso os mesmos contassem ou revelassem a terceiros os males infligidos.

  19. Era habitual os arguidos indistintamente baterem aos menores com as mãos ou com qualquer outro objecto que tivessem na ocasião nas imediações.

  20. Era habitual a arguida M, quando os menores C, J e D urinavam na cama, durante a noite, o que sucedida com frequência, como forma de os castigar, lhes bater com a mão e de cinto.

  21. Era habitual o arguido A, quando os menores C, J e D urinavam na cama, durante a noite, o que sucedida com frequência, como forma de os castigar, levá-los para a casa de banho e dar-lhes banho de água fria.

  22. Durante o período em que os menores viveram com os arguidos estes os agredissem com uma tábua, ou os arrastarem pelos cabelos até à casa de banho, onde os obrigavam a permanecer de pé, nus e ao frio na casa de banho por períodos longos de tempo.

  23. Era frequente os arguidos ausentarem-se à noite de casa, sendo que nessas ocasiões ali deixavam os menores sozinhos e fechados à chave.

  24. Os arguidos agredissem física ou psicologicamente a menor S.

    *FUNDAMENTAÇÃO 1 – A impugnação da matéria de facto Na sentença recorrida deu-se como provado o seguinte facto, sob o ponto nº 2: “2 - Por decisão proferida, em 10 de Outubro de 2001, nos autos de promoção e protecção n.º 27/97, a correr termos neste 3° Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Guimarães, foram entregues à guarda e cuidados do seu avô materno e ora arguido A, os seguintes menores: - J, nascido em 09/07/1993, filho de P e de F; - D, nascido em. 05/10/1995, filho de Ana e de João; - C, nascida em 03/03/2000, filha de Ana e de João”.

    Porém, da certidão do assento de nascimento junta a fls. 471 consta que a menor C nasceu em 20 de Novembro de 1997.

    Assim, naquele facto, onde se escreveu 03/03/2000 passará a constar 27/11/1997.

    *Os recorrentes impugnam os factos considerados provados sob os nºs 7, 8, 9, 11, 12, 13, 14, 15 e 16.

    Porém, a motivação do recurso parece partir de um equívoco. O de que, em sede de recurso da matéria de facto, o tribunal da Relação pode fazer um novo julgamento, indicando, mediante a leitura das transcrições feitas, os factos que considera provados e não provados.

    Como escreveu o Prof. Germano Marques da Silva, talvez o principal responsável pelas alterações introduzidas no CPP pela Lei 59/98 de 25-8, “o recurso em matéria de facto não se destina a um novo julgamento, constituindo apenas um remédio para os vícios do julgamento em primeira instância” – Forum Justitiae, Maio/99.

    Não concretiza aquele Professor a que vícios se refere, mas alguns poderão ser sumariamente indicados.

    Por exemplo, se o tribunal a quo tiver dado como provado que A bateu em B com base no depoimento da testemunha Z, mas se da transcrição do depoimento de tal testemunha não constar que ela afirmou esse facto, então estaremos perante um erro manifesto no julgamento. Aproveitando ainda o mesmo exemplo, também haverá um erro no julgamento da matéria de facto se, apesar da testemunha Z afirmar que A bateu em B, souber de tal facto apenas por o ter ouvido a terceiros. Aqui estaremos perante uma...

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