Acórdão nº 1347/06-1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 30 de Outubro de 2006

Data30 Outubro 2006

Acordam, em audiência, no Tribunal da Relação de Guimarães:*No 2º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Guimarães, no âmbito do Processo Comum Singular nº 1743/04.5TABMR, por sentença de 18 de Abril de 2006, o arguido Manuel F..., foi condenado como autor material de um crime de difamação, p. e p. pelos arts. 180º, n.º 1, 183º, n.ºs 1 e 2, 184º, do Código Penal, na pena de 250 (duzentos e cinquenta) dias de multa, à taxa diária de 1,50 euros (um euro e cinquenta cêntimos) o que perfaz a multa de 375,00 (trezentos e setenta e cinco) euros, bem como a pagar ao demandante civil José A... a quantia de 1.000,00 (mil) euros, a título de indemnização pelos danos não patrimoniais sofridos por este em virtude da conduta daquele, acrescidos de juros, à taxa legal e contados desde a data desta decisão até efectivo e integral pagamento.

*Inconformado com a sentença, o arguido dela interpôs recurso, rematando a sua motivação com as seguintes conclusões que se transcrevem: 1. As liberdades de expressão e de crítica implicam que as mesmas possam ser exercidas de forma pouco amistosa ou mesmo acintosa para com o visado, sendo que o Direito não tem que intervir sempre que a crítica feita desta forma provoque desconforto ou incomode seriamente o seu destinatário.

  1. A tarefa do julgador será, por isso, caso a caso, e partindo do senso e experiência comuns, averiguar se determinadas expressões devem ou não ser consideradas ofensivas devendo, por isso, descortinar se, ao afirmar determinados factos, ou ao formular certos juízos, se ultrapassou aquele limite ou norma de conduta que a comunidade entende como o mínimo de respeito pelos demais cidadãos.

  2. O exercício do direito à crítica objectiva por parte de determinado cidadão torna a sua conduta atípica, independentemente do facto de a sua crítica ser acertada, errada, injusta, exagerada, grosseira ou mesmo violenta.

  3. Quem desempenha cargos políticos deve estar consciente que é um alvo preferencial das críticas, quer de adversários políticos, quer do comum dos cidadãos e que essas críticas nem sempre serão amáveis, polidas ou sequer bem-educadas.

  4. No que toca aos políticos, os limites da crítica admissível terão de ser forçosamente maiores do que relativamente ao comum dos cidadãos, já que aqueles se expõem de forma consciente a um controlo atento por parte dos seus concidadãos relativo aos seus actos, devendo mostrar uma grande tolerância perante as mesmas.

  5. A expressão "É por demais evidente que o Sr. Presidente da Junta tem um "pó" do caraças ao nosso Presidente da Câmara." é perfeitamente anódina e não contém qualquer facto ou juízo ofensivo da honra e consideração do Assistente.

  6. As restantes expressões atribuídas ao Rec.te inserem-se claramente no domínio da pura crítica política, designadamente visando criticar a actuação do Assistente enquanto Presidente da Junta de Freguesia e das suas decisões relativas é entrega de uma medalha ao Presidente da Câmara de V..., bem como ao descerrar de uma lápide na inauguração da sede da junta (daí o título "Lápides e Medalhas").

  7. O que foi criticado no artigo em questão foram as acções do Assistente enquanto Presidente da Junta, as quais foram qualificadas de "burrice" e "baixa canalhice",sendo que em momento algum o Rec.te apelidou o Assistente de "burro" ou "canalha".

  8. As referidas expressões, enquadradas que estão no direito à crítica objectiva por parte do Rec.te são penalmente atípicas.

  9. A expressão usada pelo Rec.te "insignificante mestre-escola de aldeia" integra-se num contexto de crítica política ao Assistente e, não sendo certamente uma expressão simpática ou sequer polida, não contém nada de injurioso ou difamatório para com aquele, não merecendo, por isso a tutela penal.

    l1. As expressões produzidas pelo arguido constantes da matéria provada, nas circunstâncias em que foram produzidas e atenta a qualidade do Assistente enquanto político e detentor de um cargo público, não são manifestamente difamatórias.

  10. Errou o Tribunal Rec.do ao considerar as referidas expressões como objectivamente difamatórias e que o aqui Rec.te tivesse intenção de ofender o assistente na sua honra e consideração, conclusão a que chegou por erro notório de apreciação da prova, vício previsto no art0 4100 nO 2 c) do CPPenal.

  11. Assim, e uma vez que se verifica o referido vício, não estão reunidos os elementos constitutivos do crime de difamação quer de ordem objectiva quer de ordem subjectiva, impondo-se a revogação da sentença recorrida e a absolvição do Rec.te.

  12. A decisão recorrida violou as normas constantes dos artºs 180 nº1,183º nºs 1 e 2 e 184º do CPenal.

    Termina pedindo a absolvição do recorrente.

    *O recurso foi admitido, para o Tribunal da Relação de Guimarães, por despacho constante de fls. 172.

    *O Ministério Público junto do tribunal recorrido não respondeu ao recurso.

    *O assistente respondeu ao recurso de forma muito douta, pugnando pela manutenção do julgado, formulando as seguintes conclusões: a) Face a tudo quanto acima se expendeu, somos forçados a concluir pelo acerto do douto aresto ora recorrido, pois as sobreditas expressões usadas pelo arguido/recorrente no seu artigo de opinião, configuram -pelo seu contexto, pelo seu teor e pelos seus objectivos - intoleráveis agressões pessoais, de ostensiva desconsideração centrada na pessoa do assistente, mais propriamente na sua integridade, honestidade e rectidão políticas e, sobretudo, profissionais, assumindo foros de juízos aviltantes e afrontosos sobre o seu carácter e modo-de-ser, dessa forma negando ao assistente as suas qualidades pessoais e profissionais; b) Pelo que o Tribunal a quo não violou qualquer uma das normas jurídicas aplicáveis in casu, pois as aplicou e interpretou correctamente, ao considerar as sobreditas expressões como objectivamente difamatórias e que o arguido teve a intenção de ofender, como ofendeu, o assistente na sua honra, bom nome e consideração que lhe é social devida, cometendo o crime previsto e punido pelos artigos 180.º, n.º 1, 183.º, n.º 1 e 2, e 184.º, todos, do Código Penal; c) Acrescente-se que, por essa mesma razão, o Tribunal a quo não incorreu em qualquer erro notório quanto à apreciação da prova, previsto na a!. c) do n.º 2 do art. 410.º do C.P.P.; quando muito poderia ter incorrido, isto apenas na óptica da argumentação vertida na motivação do recurso do arguido, num eventual erro de apreciação jurídica dos factos julgados como provados, isto é, num erro quanto à aplicação do Direito Penal aos factos dados como provados; razão pela qual não se entende que o recorrente, em sede de conclusão, invoque erro notório na apreciação da prova por parte do Tribunal a quo e não tenha, na motivação, impugnado o douto aresto quanto ao julgamento feito sobre a matéria de facto, até porque o Venerando Tribunal ad quem poderia conhecer da decisão sobre a matéria de facto caso o recurso versasse também sobre ela, o que não sucedeu (cfr. art. 410.º, n.ºs 1 e 2, do C.P.P.).

    *Nesta Relação, o Exmo Procurador-Geral-Adjunto emitiu parecer pronunciando-se igualmente no sentido de o recurso não merecer provimento.

    Sublinhou, para o efeito que “(…) ainda que num estado de direito democrático a liberdade de expressão e de imprensa constituam, como que a pedra de toque da qualidade dessa mesma democracia, e se aceite que as críticas aos cidadãos que ocupam cargos políticos e por causa deles, tenham, mercê da sua exposição pública limites menos apertados que as dirigidas aos demais cidadãos, a verdade é que a expressões utilizadas no artigo em causa e que se mostram devidamente identificadas na alínea f) da fundamentação de facto, constituem imputação de factos e juízes de valo, manifestamente ofensivos da honra e consideração devidas ao assistente, e que relevam jurídico-penalmente, nos termos decididos precisamente porque não se confundem com qualquer crítica no plano institucional, mas tão só como um gritante aviltar da pessoa do assistente”*Cumprido o disposto no art. 417º, n.º2 do CPP, foram colhidos os vistos...

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