Acórdão nº 2012/03-2 de Tribunal da Relação de Guimarães, 17 de Maio de 2004

Data17 Maio 2004

Acordam em audiência na Relação de Guimarães I. Por acórdão de 2 de Julho de 2003, proferido no processo comum colectivo 52/00, do Tribunal Judicial de Amares, a arguida "A" foi absolvida do crime de homicídio, previsto e punido pelo artigo 131º, do Código Penal, que o Ministério Público lhe imputara na acusação, e do pedido de indemnização deduzido pelos demandantes "B", "C" e "D".

  1. Factos dados como provados: a. No dia 5 de Setembro de 2000, pelas 16h30, José ..., marido de "A" dirigiu-se ao lugar de ..., em Valdozende, Terras de Bouro, para esperar Maria ... - id. a fls.142, por forma a impedi-la de desviar a água de rega e lima para o seu terreno.

    b. Por volta das 18h10 chegou àquele local "A" com o mesmo propósito, uma vez que já há alguns anos havia divergências sobre o aproveitamento da referida água.

    c. Cerca das 18h30m chegou ao referido local Maria ..., com o propósito de desviar a água para a sua propriedade, objectivo esse a que "A" se opôs, começando ambas a discutir.

    d. O local onde se encontrava a arguida "A" ficava num socalco de terreno que se situa num plano superior em cerca de um metro acima do terreno onde estava Maria ....

    e. O terreno onde se encontrava Maria ... estava cultivado, pelo que não continha pedras, existindo uma plantação de milho que estava pronto para ser colhida.

    f. A dita Maria... sofreu fractura do ramo esquerdo e posterior da primeira vértebra cervical, originando a luxação desta relativamente ao buraco occipital e à segunda vértebra cervical, com o consequente esmagamento/estiramento da medula.

    g. Posteriormente, o marido da arguida chamou ao local uma ambulância que transportou a ofendida ao Hospital de Vieira do Minho, onde esta, em consequência directa e necessária das referidas lesões, veio a falecer pelas 19h40m.

    h. Desde a morte da Maria..., os Assistentes "B" e "D" que com ela residiam ficaram privados do montante de cerca de € 355 que aquela auferia mensalmente, por limpar as partes comuns de um prédio em Braga, por efectuar limpezas numa casa particular em Braga e por cuidar de um jardim, cultivar o terreno e limpar a casa de uma Quinta em Valdozende.

    i. A Maria... sempre gozou de muito boa saúde, era uma mulher de hábitos regrados, administrando a casa de família, tomando conta de um neto como sempre tinha tomado dos filhos e contribuindo para as despesas da casa com os proventos que recebia.

    j. Cada um dos herdeiros, especialmente o viúvo "B", sofreu um enorme abalo psíquico, um profundo desgosto e dor em virtude da morte da mãe e mulher, à qual devotavam, com reciprocidade, sincero amor e afecto.

    k. Os Demandantes Civis tiveram de pagar o funeral da vítima, que ascendeu a € 1 343,01 (Esc. 269.250$00).

    l. A Arguida não possui antecedentes criminais.

    m. Possui boa aceitação na respectiva comunidade, pese embora o conflito sobre partilha de águas que mantinha com os Assistentes e a vítima; trabalha na agricultura e sempre foi dona de casa (mesmo no período em que se encontrou emigrada com seu marido).

    Factos dados como não Provados: 1. Após uma breve troca de palavras sobre a referida questão da água, a arguida "A" lançou-se do local onde encontrava - num plano superior em cerca de um metro de altura em relação ao local onde se encontrava a ofendida - sobre Maria ..., fazendo-a cair ao chão e rebolando-se de seguida as duas no chão.

    1. Quando já se encontravam as duas no chão, a arguida "A" empurrou e torceu a cabeça da Maria ..., efectuando um movimento brusco de hipertensão da cabeça da Maria ... relativamente ao pescoço desta, causando-lhe directa e necessariamente com tal movimento a fractura do ramo esquerdo e posterior da primeira vértebra cervical, originando a luxação desta relativamente ao buraco occipital e à segunda vértebra cervical, com o consequente esmagamento/estiramento da medula.

    2. A arguida sabia que, agindo pela forma descrita, molestava fisicamente a ofendida e que actuando, como pretendeu e concretizou, efectuando um movimento brusco de hipertensão da cabeça da ofendida relativamente ao pescoço desta, atingia uma parte vital do corpo da ofendida, consciente de que este seria um meio idóneo e capaz de causar a morte da ofendida, tal como pretendeu e ocorreu.

    3. Assim, a arguida actuou da forma supra descrita em livre manifestação da vontade com o propósito concretizado de matar a ofendida.

    4. Que antes de perecer a vítima Maria... tenha suportado um penoso e profundo sofrimento físico e moral, apercebendo-se da iminência da sua morte e que ainda estivesse viva quando foi socorrida no local do crime e transportada para o hospital de Vieira do Minho.

    Motivação (transcrição): “A convicção do Tribunal achou-se tendo por base os únicos meios de prova disponíveis: o relatório de autópsia de fls. 23 e 24, o qual descreve a causa da morte da vítima, complementado pelas declarações do perito médico legista Manuel ..., prestadas em audiência de julgamento – declarou que na base do acontecido, na respectiva biodinâmica, se encontra um movimento de hiperextensão da coluna para trás, seguida de rotação à esquerda, face à fractura à esquerda da vértebra – não descartou, todavia, o perito a hipótese de tal ter sido provocado por uma queda de pequena altura; relativamente à presença no local da Arguida e de seu marido a sós com a vítima e das horas a que tal se passou, tal facto foi unanimemente mencionado pelas testemunhas que chegaram ao local logo após, os vizinhos Maria D... e José P..., bem como Manuel M... e Leonel R... (chamados ao local a fim de verificarem os “problemas” que havia e que prestaram primeiros socorros à vítima, tendo, só após a presença desses dois no local, sido chamada a ambulância); as primeiras duas testemunhas citadas, bem como outras, Mª da G..., acrescidos do depoimento dos Assistentes, elucidaram o Tribunal sobre as divergências que vinham existindo no decorrer daquele ano de 2000 sobre a partilha de uma água que servia para os usos dos prédios quer da vítima e seu marido, quer da Arguida e marido; a discussão em voz alta foi mencionada pelas testemunhas Mª D... e José P..., situados em prédio vizinho (apesar da distância a que se encontravam, as primeira citada testemunha foi terminante quanto ao facto de ter ouvido vozes alteradas, respondendo: “aí estão eles pegados”); o local onde se encontrava a vítima, mais alto que o terreno da Arguida, e a natureza de cultivo do terreno de baixo, onde a vítima foi encontrada, foi unanimemente referido pelas testemunhas que conhecem o local, designadamente as que foram confrontadas com as fotos dos autos, António D... (soldado da G.N.R., que compareceu no local após a vítima ter sido retirada de ambulância) e Manuel M...; a confirmação do falecimento da vítima no hospital de Vieira foi referida, incluindo a hora a que se verificou, pelas testemunhas Fernando M... (socorrista e motorista da Cruz Vermelha) e pelo acompanhante na ambulância Manuel M....

    Todavia, não se pôde formar qualquer convicção sobre o facto de se ter, ou não, a vítima lançado sobre a Arguida, sobre o facto de se terem rebolado as duas pelo chão e de a Arguida ter empurrado e torcido a cabeça da vítima: em primeiro lugar, nenhuma das testemunhas que prestaram declarações presenciou os factos, apenas os citados Maria D... e José P... ouviram um grito da “comadre” que, após, “esmoreceu”; a Arguida não prestou declarações, bem como seu marido não o fez, usando ambos da faculdade legal; os demais depoimentos são meramente indirectos: a testemunha socorrista Fernando M... refere que a Arguida lhe disse “engadalhámo-nos uma na outra” e a testemunha Manuel do N... (inspector da P.J.) relatou a reconstituição do acidente que efectuou, em sede de inquérito, com o auxílio das declarações da Arguida e de seu marido – nenhum desses depoimentos pode servir para formar convicção do Tribunal em sede de julgamento; é certo que existem sinais de confronto físico no cadáver da vítima (fls. 23 – escoriações compatíveis com “unhadas” na testa e no lábio, confirmadas pelas declarações em audiência do perito Manuel ... e da testemunha Manuel M...), acrescendo cabelos curtos de cor preta nos tegumentos unguenais da vítima (cf. relatório da autópsia), mas de tal facto não se pode retirar que a Arguida e a vítima se tenham envolvido fisicamente (também o marido da Arguida se...

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