Acórdão nº 1424/02-2 de Tribunal da Relação de Guimarães, 22 de Janeiro de 2003

Magistrado ResponsávelROSA TCHING
Data da Resolução22 de Janeiro de 2003
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

15 Apelação nº 1424/2002 - 2ª secção.

Processo sumário n.º 1482/01- 2º juízo Cível da Comarca de Braga.

Relatora - Maria Rosa Tching ( nº 76 ) Adjuntos - Des. Espinheira Baltar (50 ) e Des. Arnaldo Silva Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães "A", com sede na ..., Braga, veio intentar a presente acção com processo sumário contra "B", com sede no Lugar ..., Braga, pedindo que seja condenada a pagar-lhe indemnização de Es: 895.000$00, acrescida de juros de mora legais vencidos, no montante de Esc: 142.000$00, e juros legais vincendos até integral pagamento.

Alegou, para tanto e em síntese, que se dedica à comercialização e manutenção de material informático e que vendeu à Ré, em 27 de Março de 2001, diversos artigos de informática e prestou assistência, pelo preço de 1.295.000$00 com IVA incluído, do qual a Ré pagou apenas 400.000$00.

Regularmente citada, contestou a Ré, alegando que: - dos três computadores fornecidos pela autora, apenas um funcionava correctamente, sendo que, não obstante ter dado conhecimento disso à autora e dela ter reclamado a reparação dos defeitos do material, ou a sua substituição, bem como a prestação da assistência a que se havia obrigado, a mesma nunca a isso acedeu.

- em face disso, entendeu suspender os pagamentos, tendo já pago 500.000$00 e não apenas 400.000$00 conforme refere a Autora, dispondo-se a pagar o restante quando a Autora cumprir a sua obrigação contratual.

Na sua resposta, a A. negou que a Ré lhe tivesse dado conhecimento de quaisquer defeitos e manteve o já alegado na p.i..

Foi proferido despacho saneador, no qual se afirmou a validade e a regularidade da instância.

Procedeu-se à elaboração dos factos assentes e da base instrutória, os quais não foram objecto de qualquer reclamação.

Procedeu-se a julgamento com observância de todas as formalidades legais, tendo aos artigos da base instrutória sido dadas as respostas constantes do despacho de fls. 45 e 46.

A final foi proferida sentença que julgou a acção improcedente e consequentemente absolveu a Ré do pedido formulado pela A. nestes autos, condenando a autora no pagamento das custas.

Não se conformando com a decisão, dela, atempadamente apelou a autora, terminando a sua alegação com as seguintes conclusões, que se transcrevem: “ Quanto á matéria de facto I- No que respeita à reapreciação da prova ( art° 712° do CPC ), deve ser revista e alterada a prova referente ao art° 1° da base instrutória, no sentido de considerar provado que a A. prestou a assistência técnica à Ré, aquando da instalação do equipamento na sede da Ré, com base nos fundamentos invocados no início das alegações supra para os quais se remete.

II- Deve ser ainda considerado não provado ( com base no supra alegado a propósito da matéria de facto ) os artigos 4°, 5° e 6° da base instrutória que dizem, respectivamente : - " Apenas um dos três computadores funcionava correctamente ? " ( 4° ); " Os outros dois apresentavam defeitos de funcionamento ? " ( 5° ); " Do que a Ré deu conhecimento à Autora reclamando a reparação dos defeitos do material ou a sua substituição ou que a Autora efectuasse a assistência a que se tinha obrigado ? ".

Quanto à matéria de direito III- O Tribunal, salvo o devido respeito, fez uma errada interpretação e aplicação das normas legais aplicáveis ao caso dos autos, nomeadamente ao aplicar as normas do art° 913° e segs e 342° e 799° do Código Civil, quando estava em causa a aplicação do art° 471° do Cód. Comercial e art° 344° do Cód. Civil. Aplicou erradamente ainda a norma do art° 428° do CC, por violação da norma do art° 334° deste diploma ( abuso de direito ). Violou a norma do art° 3°, 664°, 668°, n° l, al. d) e ainda a norma constante dos art°s 493°, n° l e 494°, todas do CPC.

IV- Com efeito, estamos perante um contrato de compra e venda de natureza mercantil. O equipamento adquirido pela A., foi adquirido para ser utilizado como acessório do seu comércio, sendo a A. uma sociedade por quotas e por isso comerciante.

V- O equipamento adquirido consistia em bens móveis de determinadas características e qualidades, de marca, perfeitamente identificados e reconhecidos no mercado, cfr doc. l dos autos.

VI- O contrato em causa, como contrato comercial que é, rege-se pelas normas do Cód. Comercial, sendo-lhe aplicável o art° 471° do citado diploma e não o art° 913° e sgs do Cód. Civil, como supra se alega. Neste sentido o Ac STJ de 31 de Maio de 1990, in BMJ, pág. 512.

VII- Cabia à Ré ( compradora ) o ónus da prova da reclamação dos defeitos, no prazo de oito dias a contar da entrega e não à A. ( vendedor ). Há, neste caso, uma inversão à regra geral prevista no art° 342°, n° 2 do Cód Comercial, por estar em causa a aplicação de uma norma especial ( art° 471° do Cód. Comercial ). Estatui o n° l do art° 344° do Cód. Civil : "As regras dos artigos anteriores invertem-se, quando haja presunção legal, dispensa ou liberação do ónus da prova, ou convenção válida nesse sentido, e, de um modo geral sempre que a lei o determine ".

VIII- No caso dos autos, a Ré não logrou ter feito a denúncia dos defeitos alegados, no prazo de oito dias, sendo certo que ela nem sequer conseguiu dizer datas concretas e precisas sobre a comunicação dos alegados.

IX- A única data que existe é a que se refere ao fax enviado em 24 de Novembro de 2000, o qual apenas se refere a um problema com um monitor que havia sido levado para reparar pela A. e que foi entregue à Ré em condições de funcionamento.

X- De resto, nem a própria Ré fez prova de qualquer reclamação posteriormente, sobre problemas de funcionamento com o referido monitor.

XI- Nem se pode considerar que ao reparar o dito monitor e resolvido algumas outras questões levantadas no fax ( que não a substituição de visores, caixas partidos, problemas com as "fitas" ou com as placas gráficas ), se pode concluir que a A. reconheceu o direito da Ré ( para além deste ponto concreto ), para efeitos do art° 331°, n° 2 do Cód. Civil - a não ser o defeito no monitor. De resto, posteriormente, sobre as questões levantadas no fax, não existe prova de mais qualquer reclamação de defeitos.

XII- Apenas o monitor tinha um defeito ( que foi reparado ), sendo que as restantes questões levantadas no fax ( e só estas podem ser consideradas ), não constituíam qualquer defeito - nem a A. substituiu ou reparou caixas e visores partidos.

XIII- Não só porque não são defeitos de funcionamento, a não ser que a Ré demonstrasse que o equipamento já se encontrava partido ou estragado quando foi entregue - o que manifestamente não fez .

XIV- Acresce ainda que o referido fax só foi enviado para a Ré quase oito meses depois da entrega do equipamento e, portanto, manifestamente fora do prazo de reclamação e da garantia. De salientar ainda que o documento a que se reporta o fax, foi junto aos autos, pela própria A., na audiência - tendo sido objectivamente desvalorizado pela Ré em todo o processo.

XV- Por outro lado - sem prescindir -, nem sequer se pode considerar que a Ré tenha feito a denúncia na sua contestação, uma vez que ela limita-se ali a invocar defeitos de funcionamento, em termos genéricos e vagos, sem qualquer especificação ou concretização dos mesmos e das datas em que ocorreram.

XVI- O que constitui uma forma precária, deficiente e insuficiente de denúncia de defeitos.

XVII- A este propósito escreve o Professor Pedro Romano Martinez, in Cumprimento Defeituoso, Almedina, Colecção Teses, pág. 332, o seguinte : “Os defeitos têm de ser denunciados de forma precisa e circunstanciada, a fim de que o responsável possa determinar a respectiva natureza e importância ".

E acrescenta ainda este autor : .. " Os defeitos têm de ser denunciados de forma inequívoca, não bastando a formulação de dúvidas, pois só assim o vendedor e o empreiteiro ficam cientes da sua existência.

A denúncia de um defeito não se estende aos demais, porque isso contraria a ratio da norma que impõe tal dever. Da mesma forma, o agravamento substancial de uma desconformidade carece de nova reclamação. Em qualquer destas hipóteses, o devedor não ficaria ciente da existência ou da gravidade do defeito, de molde a poder intervir prontamente " XVIII- No sentido da aplicação da lei comercial se pronuncia - em caso idêntico - o Ac. da Relação de Coimbra, de 24 de Janeiro de 1989: CJ, 1989, 1°- 46 já supra citado e para o qual se remete.

XIX- Pelo que, expirado o prazo, sem que a denúncia dos alegados defeitos tenha sido efectuada, caducam os direitos do comprador, resultantes do inadimplemento do vendedor.

XX- Nem se pode conceder - em qualquer caso e sem prescindir - que a denuncia possa considerar-se validamente efectuada através da contestação para a acção, dados os termos vagos, genéricos e, portanto, deficientes em que ali é alegada ( pontos 5. e 6. da Contestação), cfr supra se demonstra.

XXI- Também não pode admitir-se - sem prescindir - que a denúncia tenha sido efectuada na audiência de julgamento, já que não foram alegados factos na contestação que consubstanciem quaisquer defeitos concretos - "defeitos de funcionamento" e " mau funcionamento" não são defeitos específicos e definidos de que possa resultar prova suficiente para a procedência dos mesmos ( até pelas razões já supra invocadas sobre a denúncia de defeitos ).

XXII- E o Tribunal só pode ter conhecimento dos factos alegados pela parte - art° 664° do CPC - a não ser que se trate de factos instrumentais - art° 264° do cit. diploma.

XXIII- Pelo que, não pode o Tribunal tomar conhecimento de factos apenas alegados e especificados na audiência de julgamento - sob pena de violação do princípio do contraditório ( art° 3° do CPC ) e de cometer a nulidade de sentença prevista no n° l, al. d) do art° 668° do Cód. de Processo Civil.

XXIV- Donde se conclui que o Tribunal não pode dar como provados, na audiência de julgamento, factos que não foram alegados e especificados no momento próprio - sob pena de violação do art° 664° e de se cometer a nulidade acima invocada.

XXV- Mesmo que por...

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