Acórdão nº 2912/06-1 de Tribunal da Relação de Évora, 20 de Março de 2007

Data20 Março 2007

Acordam, em conferência, os juízes da Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora.

  1. Relatório 1.1. No âmbito do processo …a correr termos no JIC - do Tribunal Judicial de … foi proferido despacho, datado de 17/7/2006, a rejeitar por inadmissibilidade legal, o requerimento de abertura de instrução, apresentado pelo assistente A. … 1.2. Inconformado com a decisão, dela recorreu o assistente, extraindo da respectiva motivação as seguintes conclusões (transcritas): «1.ª - O presente recurso vem interposto do despacho que rejeitou, "por inadmissibilidade legal", o requerimento de abertura de instrução.

  1. - O assistente apresentou as suas razões de discordância relativamente ao arquivamento e fê-lo de forma exaustiva e não "em súmula".

  2. - Ao contrário do que consta no despacho recorrido, o assistente apresenta no requerimento as razões de discordância, fundamentando cada ponto da sua divergência.

  3. - O requerimento contém uma descrição factual, ordenada e sequencial.

  4. - O requerimento em apreço narra os factos ocorridos e são esses factos que fundamentam a aplicação de uma eventual pena.

  5. - Existe no requerimento de abertura de instrução factualidade suficiente que permite concluir pela consciência de ilicitude, por exemplo no artigo 6.°.

  6. - O art. 283.°, n.º 3, als. b) e c), por remissão do n.º 2 do artigo 287.° do CPP não prevêem expressamente a indicação de factualidade relativa à consciência de ilicitude e nem sempre as acusações públicas indicam essa factualidade, mas sim concluem no sentido da consciência da ilicitude.

  7. - Nem sempre as acusações públicas descrevem as circunstâncias de tempo e lugar em que ocorreram os factos, dando uma data aproximada, que foi também o que fez o recorrente no artigo 1.° no requerimento de abertura de instrução.

  8. - O requerimento de abertura de instrução descreve os factos ordenadamente, especifica quais os actos praticados por cada interveniente, descrevendo circunstâncias de modo, tempo e lugar.

  9. - Dando cumprimento à alínea c) do n° 3 do artigo 283°, o assistente indica, não só as disposições que tipificam os crimes que entende haver indícios de terem sido praticados pelos arguidos.

  10. - Não há qualquer omissão no requerimento e dele constam todos os elementos que permitem delimitar o campo sobre o qual irá incidir a instrução.

  11. - A instrução deverá incidir sobre os factos alegadamente praticados pelos arguidos.

  12. - O assistente considera que os factos que refere no requerimento são suficientes para integrar todas as circunstâncias que fundamentam a aplicação de uma pena.

  13. - O disposto no artigo 283°, n.º 3, alíneas b) e c) para o qual remete o artigo 287° n° 2 do C.P.P. foi cumprido na íntegra pelo assistente, ao contrário do que refere o despacho recorrido.

  14. - O requerimento em apreço vale por si, contendo toda a enumeração factual ordenada, e todos os elementos necessários para concluir sobre a aplicação de uma eventual pena.

  15. - É perfeitamente entendível pela leitura do requerimento a sequência de acontecimentos que o mesmo narra, quais os actos praticados pelos arguidos nessa sequência e a fundamentação que permite concluir pela tipificação desse comportamento como crime. 17.ª- Pela leitura do requerimento, não necessita o juiz de instrução de consultar os autos para entender qual o âmbito da instrução.

  16. - Ainda que se entendesse que, por hipótese, houvesse alguma imperfeição no requerimento de abertura de instrução a consequência não poderia ser a de rejeição, retirando completamente ao recorrente a possibilidade de fazer valer os seus direitos.

  17. - Ao mandar aplicar o disposto na alíneas b) e c) do n° 3 do artigo 283° do c.P.P. aplicável ao despacho de acusação - o artigo 287° n° 2 do C.P.P. não poderá significar que apenas é aplicável aquele artigo por uma questão de que sejam cumpridos os seus precisos termos, mas também porque, necessariamente, as consequências da sua não observância terão que ser as mesmas aplicáveis no caso de haver irregularidades no despacho de acusação.

  18. - No caso do despacho de acusação qualquer irregularidade pode ser sanada oficiosamente nos termos do artigo 123° C.P.P., tentando ao máximo reduzir as nulidades em processo penal, num espírito de não «deixar morrer» os procedimentos, mas sim, tentando recuperá-los e fazê-los prosseguir nos termos da lei (Ac. S.T.J. de 0705-1993 no Proc. 422/90- 3a).

  19. - Por aplicação do mesmo artigo 283° n° 3, não pode o requerimento em apreço simplesmente ser rejeitado.

  20. - Se o requerimento de abertura de instrução é entendido como se de uma acusação se tratasse, qualquer "falta de narração" dos factos deverá ser sanada, nos termos do 123° C.P.P.

  21. - In casu o acto de sanar uma eventual irregularidade consistiria num convite ao aperfeiçoamento do requerimento, opção que o despacho recorrido deixou fora de questão.

  22. - A rejeição rotunda do requerimento, sem qualquer oportunidade de que o processo siga os seus termos, retira ao recorrente o direito constitucionalmente consagrado de acesso à justiça, previsto no art. 20° n° 1 da Constituição da República Portuguesa.

    Nestes termos, o recorrente considera que deverá o despacho recorrido ser revogado e substituído por outro que considere que o requerimento apresentado cumpre o previsto nos artigos 287° n° 2 e 283° n° 3, als. b) e c).

    Caso assim não se entenda, deverá qualquer eventual irregularidade ser mandada suprir, não sendo de rejeitar o requerimento.

    Assim se fazendo, como sempre, JUSTIÇA»* 1.3. A fls. 25 dos autos foi proferido despacho a admitir o recurso.

    * 1.4. A M.P. junto do Tribunal "a quo", apresentou a sua resposta onde se limita a referir que o recurso deve ser julgado improcedente, mantendo-se o despacho recorrido.

    * 1.5. A fls. 27 dos autos foi proferido despacho se sustentação, mantendo na integra a decisão recorrida.

    * 1.6. O Sr.º Procurador Geral Adjunto junto deste Tribunal emitiu o seu parecer nos termos do art.º 416, do C.P.P., pugnando pela improcedência do recurso.

    * 1.7. Cumprido o n.º 2, do art.º 417, do C.P.P. nada foi referido.

    * 1.8. Procedeu-se a exame preliminar e foram cumpridos os demais trâmites legais.

    Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

    * 2. Fundamentação.

    O despacho sob censura, para que ao caso interessa, é do seguinte teor: «Findo o inquérito, entende o assistente, salvo melhor entendimento, que há indícios suficientes de que em Agosto de 2005 em data que não consegue precisar, no final da tarde, na Rua …, o B. ,.., sem qualquer motivo, dirigiu-se ao denunciante e, em voz alta, disse-lhe "qualquer dia parto-te os cornos".

    Em consequência do comportamento do arguido, o assistente temeu e ainda hoje teme pela sua integridade física.

    Na sequência destes acontecimentos, o C. …, bombeiro, filho do B. …, chegou à rua onde o assistente se encontrava com a sua esposa e vizinhos, e deu um empurrão ao assistente.

    Acto contínuo, agarrou o assistente brutalmente pela cintura e levou-o aos empurrões para dentro de casa do assistente.

    O assistente é uma pessoa séria e honrada, grande sensibilidade e consideração, com a agravante de que é uma pessoa doente, padecendo de hipertensão arterial insuficiência cardíaca, diabetes, hérnia discal e úlceras varicosas, conforme doc.1 que se juntou aquando da apresentação da queixa.

    Estes factos são do conhecimento do C. …, que no desempenho da sua profissão já conduziu o assistente ao Centro de Saúde de … e por diversas vezes lhe deu assistência no edifício dos Bombeiros Municipais.

    O C. …, ao empurrar e agarrar brutalmente o assistente, quis molestar a integridade física deste, o que logrou.

    Como consequência directa e necessária da actuação do C. … e do B. …, ficou o assistente em estado debilitado, quer fisicamente, quer psicologicamente, tanto mais que estes factos foram presenciados pelas pessoas que se encontravam no local, o que o levou a sentir-se humilhado e intimidado, agravado pelo facto de ter sido molestado dentro da sua própria casa sem que tivesse dado autorização para que o arguido se introduzisse na sua habitação.

    Na sequência dos empurrões sofridos, o assistente teve uma lesão na perna por padecer de úlcera varicosa, motivo pelo qual se teve de se deslocar ao Centro de Saúde de ….

    Por isso, não é aceitável o raciocínio constante no despacho de arquivamento, segundo o qual '' não é crível que o «tocar» numa ferida provoque tamanhos danos quando já existe documento junto aos autos (doc. 1) que prova que o mesmo padece de úlcera varicosa.

    Assim, esta situação não deve ser analisada à luz daquilo que é comum, mas de acordo com a situação de saúde do assistente.

    Nestes termos ao proferir a expressão "qualquer dia parto-te os cornos" o arguido B. ... preencheu os elementos do tipo de crime de ameaça, p. e p. pelo artigo 153, do CP..

    Não está indiciado nos autos que seja comum "haver troca de insultos e de ameaças de parte a parte" nem que a expressão em apreço não seja adequada a causar medo e inquietação ao assistente, pelo que não pode colher o argumento constante do despacho de arquivamento.

    As actuações atrás descritas provocaram a referida lesão na perna do assistente, bem como os empurrões, o acto de agarrar o assistente pela cintura, integram o crime de ofensa à integridade física, p. e p. pelo art. o 143, do CP..

    Não pode o assistente aceitar que só haveria crime se tivesse sofrido alguma lesão na cintura ou tivesse caído pelo que não se conforma com o arquivamento dos presentes autos.

    Ao levar o assistente à força para dentro da casa deste, e ao introduzir-se na mesma sem autorização, o arguido C. ... cometeu um crime de violação de domicilio p. e p. no art. o 141, do C.P..».

    * Apreciando e decidindo: De harmonia com o disposto no artigo 286, do Código de Processo Penal, a instrução é a fase processual que visa «a comprovação judicial da decisão de deduzir acusação ou de arquivar o inquérito em ordem a submeter ou não a causa a julgamento» e tem carácter facultativo.

    A instrução pode ser requerida, no que ao caso interessa, pelo...

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