Acórdão nº 1206/06-3 de Tribunal da Relação de Évora, 25 de Janeiro de 2007

Magistrado ResponsávelSILVA RATO
Data da Resolução25 de Janeiro de 2007
EmissorTribunal da Relação de Évora

I - "A" intentou contra "B", a presente acção de anulação sob a forma de processo ordinário, pedindo que: a) seja declarada a ilegitimidade da Ré para requerer a desanexação por fraccionamento do prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de …, sob o nº 645/Freguesia de …, requerido nos termos do pedido de registo apresentado nesta Conservatória sob o n° 2 de 28 de Outubro de 1998, com a consequente inutilização ou cancelamento do averbamento n° 2 e inscrição F -1 da mesma descrição; b) seja declarada a nulidade da hipoteca sobre o prédio acima identificado, constituída os termos da respectiva inscrição C-1, cujo registo foi requerido sob a apresentação n° 3 de 28.10.98 e ordenado o respectivo cancelamento; c) seja declarada a ilegitimidade da Ré para requerer a rectificação de área do mesmo prédio, requerida nos termos do pedido de registo apresentado na Conservatória, sob o nº 3, de 18.01.01, com a consequente inutilização ou cancelamento do averbamento n° 3 da referida descrição predial; d) seja declarada a nulidade da constituição em propriedade horizontal do mesmo prédio, a que se refere o registo predial pedido na referida Conservatória, sob a apresentação 4, de 15 de Março de 2001, cancelando-se, consequentemente, o registo constante da inscrição F-2; e) seja declarada a nulidade da hipoteca das fracções autónomas designadas pelas letras A, B, C, D, E e F do prédio em causa, após a constituição da propriedade horizontal, constituídas nos termos das respectivas inscrições C -2 de cada uma das descrições dessas fracções, cujos registos foram requeridos na mencionada Conservatória, sob a apresentação n° 3, de 27 de Abril de 2001, com o consequente cancelamento desses registos; f) sejam declarados nulos todos os restantes e eventuais negócios jurídicos que tenham como objecto o mesmo prédio urbano e que afectem ou sejam incompatíveis com o pleno exercício do direito de superfície de que é titular a Autora, ordenando-se o cancelamento dos respectivos registos prediais entretanto requeridos na dita Conservatória do Registo Predial, até à data do registo da presente acção.

Alegou para o efeito, em síntese, que: - A Ré era dona e legítima proprietária, no regime de propriedade plena, do prédio urbano sito na Estrada Nacional, n° …, na freguesia e concelho de …; - Em 17 de Julho de 1991, por escritura pública, foi constituído pela Ré, a favor da autora, pelo prazo de trinta anos, o direito de superfície sobre o dito prédio; - O referido direito de superfície incidia e abrangia todo o edifício já construído, bem como todo o logradouro, ou área de superfície descoberta de que era composto o prédio urbano e abrangia a faculdade de a autora construir e manter no referido prédio, durante a sua vigência, o edifício e instalações para um posto de abastecimento de combustíveis; - A Autora não submeteu a constituição do direito de superfície a registo, junto da competente Conservatória do Registo Predial até ao dia 20 de Agosto de 2001; - Em 28 de Outubro de 1998 a Ré requereu e procedeu através do registo predial, à desanexação de uma parcela de terreno, com a área de 50 m2, da área descoberta do prédio em causa, fraccionando assim o mesmo e provocando a abertura dum nova descrição predial para o novo prédio; - Também naquela data, a Ré requereu o registo da hipoteca que constituiu a favor da "C", para garantia de empréstimo contraído junto desta instituição bancária, que foi deferido; - Em 15 de Março de 2001 a Ré requereu o registo da constituição em propriedade horizontal do referido prédio urbano, pedido este que foi deferido; - Em 27 de Abril de 2001 a Ré pediu o registo da hipoteca que constituiu a favor da "C", para garantia de novo empréstimo, pedido que obteve deferimento; - Os actos mencionados são inválidos, dada a ilegitimidade da Ré para a disposição do bem que constitui o seu objecto; - Efectivamente, ao proceder à constituição da hipoteca e à constituição da propriedade horizontal, sem conhecimento e intervenção da Autora, a Ré praticou actos de disposição e modificação do direito de propriedade de um prédio cuja titularidade em termos de propriedade plena sabe que não tem; - Consequentemente, a validade substantiva de todos os negócios jurídicos onerosos praticados pela Ré, após a constituição do direito de superfície a favor da autora, pelos quais tenha alienado o imóvel ou tenha estabelecido quaisquer encargos sobre ele, são nulos nos termos da disposição legal que regula a venda de bens alheios - cfr. art. 892° do Código Civil - extensiva a todos os negócios onerosos por força do disposto no art. 939º do mesmo Código.

Contestou a Ré invocando a sua ilegitimidade passiva para os termos da acção, alegando que esta também deveria ter sido proposta contra a "C", uma vez que parte do pedido atinge os direitos desta instituição bancária, que tem registada a seu favor hipoteca sobre o prédio em questão, hipoteca esta que a Autora pretende ver invalidada.

Pede, assim a Ré, atento o disposto no art. 28º do Código de Processo Civil, a sua absolvição da presente instância.

Não obstante, impugnou igualmente a matéria de facto articulada pela autora, alegando, em síntese, que: - Pela escritura pública celebrada, a autora tem a faculdade de sobre o referido prédio, construir e manter, durante o prazo estipulado, o edifício e instalações para um posto de abastecimento de combustíveis; - Na petição inicial a autora não esclarece com rigor qual a faculdade do direito de superfície que se encontra prejudicada pela constituição do prédio em propriedade horizontal; - Não obstante, porque a autora vem efectivamente concretizando a manutenção do posto para abastecimento de combustíveis, deve reportar-se, apenas, à possibilidade de construir no prédio existente; - Em 1975, altura em que foi inscrito na Conservatória do Registo Predial, o prédio já tinha a seguinte estrutura: rés-do-chão, primeiro e segundo andar tendo sido, naquela altura, que se colocou em funcionamento um posto de abastecimento de combustíveis; - Com a constituição do prédio em propriedade horizontal todo o espaço que era afecto ao posto de abastecimento manteve-se exactamente o mesmo, mas agora incluído na fracção A; - A faculdade de construir a que se alude na escritura pública que constituiu o direito de superfície sobre o prédio, há-de concretizar-se na faculdade de construir obra sobre o prédio existente, isto é, para cima do segundo andar, pois não existe no mesmo qualquer possibilidade de construir obra/edifício noutro sítio; - O regime estabelecido no art. 1526° do Código Civil manda que se apliquem as normas da propriedade horizontal no caso do direito de sobreelevação, quer o edifício já esteja nesse regime quer o não esteja; - Assim, no presente caso, se autora quisesse construir, teria de edificar um terceiro andar e, uma vez construído, passava a ser condómina da parte que construísse, passando obrigatoriamente o prédio a estar sujeito ao regime da propriedade horizontal e a autora era apenas mais um condómino, com direito de propriedade superficiária sobre a fracção por si construída, mas que em nada poderia restringir ou limitar o direito de propriedade da ré sobre as restantes fracções; - Com a constituição do direito de superfície nestes moldes, não perde a ré o direito de dispor sobre a coisa, como pretende a autora.

A Ré deduziu, ainda, no mesmo articulado, pedido reconvencional contra a Autora, alegando para tanto que: - Na escritura celebrada entre a Autora e a Ré instituiu-se a favor da primeira as faculdades de construir e manter obra sobre o prédio, o que se afigura contrário ao regime decorrente do art. 1524° do Código Civil que não admite que se estabeleçam cumulativamente estas duas faculdades, contrariamente ao que sucedia no âmbito da Lei n° 2030°, nomeadamente, no seu art. 21º, onde se definia o direito de superfície como "a faculdade de implantar e manter edifício próprio em chão alheio ... ".

- Nestes termos, o objecto do acto que instituiu o direito de superfície a favor da autora tal como consta da escritura pública é nulo, porque ilegal, violando o art. 1524°, não podendo, por isso, produzir quaisquer efeitos.

Terminou a Ré, pedindo seja julgada procedente por provada a reconvenção, declarando-se nulo o acto que instituiu o direito de superfície a favor da autora, determinando-se, consequentemente, que a autora/reconvinda, entregue à ré/reconvinte, o prédio do qual tem a posse ao abrigo do contrato cuja nulidade do objecto se peticiona.

A Autora apresentou articulado de réplica, respondendo à excepção de ilegitimidade suscitada pela ré, bem como ao pedido reconvencional contra si deduzido.

Quanto à excepção dilatória de ilegitimidade, a Autora admitiu a necessidade de chamar a "C", à presente acção, para que esta possa produzir o seu efeito útil tendo em conta o pedido formulado na petição inicial.

Assim, visando sanar a excepção de ilegitimidade verificada, a Autora pediu a intervenção principal daquela instituição bancária, em conformidade com o disposto nos arts. 3250 n° 1, 3260 n° 1 al. a) e 3200 al. b), todos do Cod. Proc. Civil.

Quanto ao pedido reconvencional, diz a Autora em sua defesa e, em síntese, que: - A interpretação do regime decorrente do art. 15240 do Código Civil não pode ser a que é adiantada pela Ré. Efectivamente, a única conclusão a retirar daquele preceito legal é a de que a lei, onde poderia apenas prever o exercício do direito de construir e manter obra por edificar, incluiu também na sua previsão, com a expressão de manter uma obra, a faculdade de que o direito de superfície se constitua também com o objectivo de se conservar, gozar e fruir uma obra já edificada; - Mesmo que assim não se entenda, o negócio em causa não pode ser considerado nulo, pois face aos princípios da boa - fé que regem os negócios jurídicos, terá que ser adoptada uma interpretação restritiva e adaptada ao fim negocial invocado, que obviamente passaria por se entender que a faculdade concedida no...

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