Acórdão nº 167/06-1 de Tribunal da Relação de Évora, 26 de Setembro de 2006
Magistrado Responsável | ALBERTO BORGES |
Data da Resolução | 26 de Setembro de 2006 |
Emissor | Tribunal da Relação de Évora |
Acordam, em audiência, os Juízes que compõem a Secção Criminal da Relação de Évora: 1. No Tribunal Judicial da Comarca de … correu termos o Proc. Comum Singular n.º …, no qual foi julgado o arguido M, melhor identificado na sentença de fol.ªs 303 a 325, datada de 7.11.2005, pela prática - como autor material, na forma consumada - de um crime de ofensa à integridade física simples, p. e p. pelo art.º 143 n.º 1 do CP, tendo sido condenado, pela prática do mencionado crime, na pena de 100 (cem) dias de multa, à taxa diária de 3 (três) euros, o que perfaz a multa global de 300 (trezentos) euros.
Tendo sido deduzidos pedidos de indemnização civil pelo ofendido A e pelo H, foi ainda decidido: - Julgar parcialmente procedente o pedido de indemnização civil deduzido pelo ofendido A e o arguido condenado a pagar àquele, a título de indemnização civil, a quantia de 500 (quinhentos) euros (o ofendido havia pedido a condenação do arguido no pagamento da quantia de mil euros); - Julgar procedente o pedido de indemnização civil deduzido pelo H, e o arguido condenado a pagar àquele … a quantia de 27,93 (vinte e sete euros e noventa e três cêntimos), acrescida de juros moratórios, à taxa legal, desde a notificação do pedido até efectivo e integral pagamento.
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Recorreu o arguido da sentença proferida, concluindo a motivação do recurso com as seguintes conclusões: a) Entende o recorrente que resultaram da discussão da causa factos relevantes para a decisão e que o tribunal a quo não deu como provados ou não provados, pelo que a decisão padece do vício de insuficiência da matéria de facto previsto no art.º 410 n.º 2 al.ª a) do CPP, porque "ocorre este vício quando, da factualidade vertida na decisão em recurso, se colhe que faltam, elementos que, podendo e devendo ser indagados, são necessários para se poder formular um juízo seguro de condenação ou absolvição" (Código de Processo Penal Anotado, 2.º vol., 2.ª edição, Simas Santos e Leal-Henriques, Editora Rei dos Livros, em anotação ao art.º 410, página 737).
b) E também "haverá insuficiência da matéria de facto provada quando o tribunal deixar de investigar a intenção de defesa ou não do arguido para poder apreciar se o mesmo agiu ou não em legítima defesa...
" (Código de Processo Penal Anotado, 2.º vol., 2.ª edição, Simas Santos e Leal-Henriques, Editora Rei dos Livros, em anotação ao art.º 410, páginas 737 e 738).
c) Consta da motivação da decisão de facto da sentença recorrida que o arguido e todas as testemunhas arroladas pela defesa que presenciaram os factos são unânimes em afirmar que o arguido interpelou o ofendido por ter ligado a água e estar a lavar as árvores que o arguido tinha acabado de curar, ao que o ofendido respondeu com ameaças e agressões verbais e físicas, designadamente, chamando ao arguido ladrão e acusando-o de ter mudado os marcos e ameaçando-o com um tiro, bem como, igualmente, referiram que o queixoso deu um pontapé ao arguido e a seguir ambos se agarraram, que o ofendido A é mau vizinho, ameaça as pessoas com a espingarda, e que o arguido ficou com ferimentos na cara provocados pelo ofendido A.
d) Estes factos, constantes da motivação da decisão de facto da sentença recorrida, são relevantes para a boa decisão da causa, porque consubstanciam a existência de uma causa de exclusão da ilicitude do facto imputado ao arguido, a legítima defesa, pelo que o tribunal a quo deveria tê-los considerado na fundamentação da decisão, dando-os como provados ou não provados.
e) A partir dos depoimentos das testemunhas presenciais e das declarações do arguido é fácil concluir que o primeiro a iniciar a agressão foi o queixoso e que essa agressão foi levada de fora para dentro da propriedade do arguido.
f) Resulta da própria motivação de facto da sentença, conjugada com a prova produzida na audiência de julgamento: - que o arguido foi quem primeiro interpelou o queixoso, mas com urbanidade; - que o queixoso foi quem primeiro agrediu o arguido, respondendo com injúrias e ameaças, tais como, "cala-te ladrão, dou-te um tiro e vou buscar a caçadeira", ao mesmo tempo que invadiu o terreno contíguo ao seu, propriedade do arguido, o que também consubstancia o crime p. e p. pelo art.º 191 do CP; - que (o queixoso) avançou para o arguido, pontapeando-o e socando-o, o que consubstancia um crime de ofensa à integridade física, p. e p. pelo art.º 143 n.º 1 do CP; - que o ofendido é pessoa violenta e conflituosa; - que o ofendido é mau vizinho, é muito mais novo que o arguido (que tem já 79 anos) e tem menos possibilidades de se defender; - que a agressão ao arguido por parte do ofendido foi relâmpago, não podendo o arguido recorrer ao auxílio da nora ou das outras pessoas presentes ou à força pública para deter a agressão; - que com esta conduta o ofendido provocou arranhões no rosto do arguido.
g) Se estes factos tivessem sido dados como provados e conjugados com os outros factos provados, designadamente que o ofendido e arguido "de imediato se agarraram pelos braços um ao outro, fazendo força com os mesmos, envolvendo-se em luta, arranhando-se e caído ao solo" e "com esta conduta o ofendido provocou arranhões no rosto do arguido", levariam à exclusão da ilicitude da conduta do arguido, por legítima defesa.
h) Porque estariam verificados todos os pressupostos e requisitos da legítima defesa, uma vez que o ofendido levou a efeito a agressão "de fora para dentro", que é actual, porque se mostra iminente, está em curso ou ainda perdura, e é ilícita, porque foi objectivamente contrária ao ordenamento jurídico; e o arguido apenas agarra os braços do queixoso, fazendo força, envolvendo-se em luta, arranhando-se e caído ao solo, ou seja, exerce a defesa necessária, na medida em que, por um lado, é adequada ao afastamento da agressão e, por outro, representou o meio menos gravoso para o agressor e foi subjectivamente conduzida pela vontade de defesa.
i) Assim, o tribunal, ao omitir a pronúncia sobre os aludidos factos, os quais, provando-se, poderiam excluir a ilicitude da conduta do arguido, violou, desde logo, o princípio da investigação dos factos relevantes para a descoberta da verdade e a boa decisão da causa, previsto no art.º 340, bem como violou o princípio da livre apreciação da prova previsto no art.º 127 do CPP e ainda o disposto nos art.ºs 31 n.ºs 1 e 2 al.ª a) e 32 do CP.
j) Em conformidade com o exposto, quanto ao vício da insuficiência da matéria de facto para a decisão, previsto no art.º 410 n.º 2 al.ª a) do CPP, vem o recorrente impugnar a matéria de facto dada como provada, porquanto, impunham decisão diversa da recorrida, designadamente, os depoimentos das testemunhas arroladas pelas defesa e do arguido.
k) O ofendido é pessoa violenta, agredindo sistematicamente todos os vizinhos, não fala com ninguém e todos lhe têm medo, devido a fazer-se acompanhar por uma arma caçadeira, que habitualmente traz no seu tractor.
l) Contrariamente, o arguido é pessoa humilde, muito respeitado no povoado e por todos os vizinhos, pelo que não se conforma que, depois de ter sofrido uma agressão dentro da sua propriedade, seja ainda condenado.
m) Assim, a manter-se a sentença recorrida, entende o arguido que irá funcionar como um incentivo à violência e agressividade, doravante, do arguido contra os seus vizinhos.
n) O tribunal a quo fez uma incorrecta valoração da prova, o que conduziu a uma incorrecta subsunção do direito aplicável, porquanto, não atendeu aos factos que resultaram da discussão da causa e consubstanciam a existência dos requisitos e pressupostos da legítima defesa, os quais, provando-se, levariam à absolvição do arguido; ainda que ao tribunal subsistissem dúvidas sobre a veracidade dos mesmos, este deveria tê-los dado como provados, sob pena de...
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