Acórdão nº 286/06-3 de Tribunal da Relação de Évora, 13 de Julho de 2006

Magistrado ResponsávelASSUNÇÃO RAIMUNDO
Data da Resolução13 de Julho de 2006
EmissorTribunal da Relação de Évora

Proc. nº 286/06-3 ACÓRDÃO Acordam os Juízes que compõem a Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora: Arnaldo …………… veio mover a presente acção, com processo sumário, contra Brisa - Auto-Estradas de Portugal, S.A., alegando em síntese, o seguinte: O autor circulava com o seu veículo na A2, auto - estrada do Sul, ao Km 58,1, concelho de Palmela, distrito de Setúbal, quando, sem que nada o fizesse prever, o A. se deparou com um lençol de água, com alguns centímetros de espessura.

Esse lençol de água estendia-se a toda a largura da faixa de rodagem, no sentido em que seguia o A., e por vários metros.

No preciso momento em que as rodas dianteiras do veículo conduzido pelo A. entraram em contacto com a água, o mesmo ficou desgovernado, rodopiando sobre si mesmo vindo a imobilizar-se cerca de 95 metros após o local onde ocorreu o primeiro embate, junto ao separador central.

No local onde ocorreram os embates, a faixa de rodagem não é plana, mas antes côncava, e não tem uma drenagem suficiente das águas pluviais.

A R. estava obrigada a assegurar que os sistemas de drenagem das águas pluviais funcionassem eficazmente evitando a formação de lençóis de água ou poças de água no pavimento da auto-estrada. O que não aconteceu.

Com efeito, a R., atentando contra os deveres de cuidado que se lhe impunham, e em manifesta violação dos mesmos, comprometeu a segurança dos utentes daquela auto-estrada, concretamente a segurança do A..

Imputando a culpa do acidente ao comportamento omisso da ré, conclui pedindo uma indemnização pelos danos sofridos, no montante global de 6.917,41 Euros (seis mil novecentos e dezassete euros e quarenta e um cêntimos), acrescida de juros legais sobre tal quantia, desde a citação e até integral e efectivo pagamento.

Na contestação a ré veio pedir a intervenção principal da Companhia de Seguros Fidelidade, SA, a qual, através de contrato de seguro, garantiu a responsabilidade da ré devida a terceiros até ao montante de 748.200,00€.

No mesmo articulado a ré impugnou o estado da estrada afirmado pelo autor e alegou que o autor não adequou a sua velocidade ao estado do piso e às condições climatéricas que se faziam no momento do acidente. Termina pedindo a sua absolvição do pedido e o deferimento da intervenção principal requerida.

A intervenção principal da seguradora veio a ser admitida por despacho de fls. 70 e, citada para contestar, veio fazê-lo a fls. 76.

Na sua contestação aderiu à posição defendida pela ré Brisa no seu articulado e impugnou os danos, alegando desconhecer a veracidade das assinaturas dos documentos que os titulam. Concluiu pela improcedência da acção.

No despacho saneador afirmou-se a validade da instância e a regularidade da lide. Foi agrupada a matéria de facto assente e foi elaborada a base instrutória, que não tiveram qualquer reclamação.

Após julgamento, o despacho que respondeu à matéria de facto quesitada não mereceu qualquer reparo.

Na sentença foi proferida a seguinte decisão: --- Pelo exposto, julgo a acção parcialmente procedente, porque apenas provada em parte, e em consequência, --- 1. Condeno a R., Brisa Auto-Estradas de Portugal, S.A., a pagar ao A.: ----- --- a) A quantia de €3.736,19 (três mil, setecentos e trinta e seis euros e dezanove cêntimos), correspondente a 70% do montante pago pelo A. com a reparação do veículo AS, em consequência do sinistro; ----- --- b) Juros de mora contados sobre tal quantia, desde a data da citação (21.01.2004) até efectivam cumprimento; ----- --- 2. Absolvo a R. do pagamento do montante de 1.601,22 euros, relativo a 30% do custo total da reparação, bem como do montante peticionado de 1.580 euros, a título de indemnização em virtude da privação do uso do veículo SA. ----- Inconformados com a decisão, recorreram o autor, a ré Brisa, SA. e a chamada Companhia de Seguros Fidelidade-Mundial, SA. apresentando as seguintes conclusões: O autor: A) Não resulta da matéria de facto provada qualquer facto que consubstancie a existência de culpa por parte do A. na ocorrência do acidente; B) Na verdade, o A. cumpriu rigorosamente com o dever geral de prudência e com o dever de cuidado a que estava obrigado, sendo a sua conduta demonstrativa disso mesmo; C) De facto, na presença de chuva intensa, o A. reduziu a velocidade a que circulava, apesar de não circular qualquer outro veículo num raio de 500 metros; D) Debaixo de chuva intensa o A. continuou circulando na auto-estrada em causa sem qualquer risco de segurança; E) Nas condições mais adversas de pluviosidade instantânea, qualquer auto-estrada está em condições de não deixar acumular água no seu piso e muito menos um lençol da mesma; F) A acumulação de um lençol de água, ocupando a faixa de rodagem por onde circulava o A. só ocorreu pelo facto das estruturas de escoamento da água se encontrarem parcialmente entupidas e atulhadas de vegetação, lama, lixo e detritos vários; G) Não era exigível ao A. que admitisse a hipótese de, para além da quantidade de água que se encontrava na faixa de rodagem por via da chuva que se fazia sentir naquele momento, situação perante a qual adequou a sua velocidade, existir um lençol de água acumulado na via por falta de capacidade de escoamento da água das estruturas da auto-estrada; H) O acidente ocorreu pois, única e exclusivamente, pelo aparecimento súbito e inesperado do lençol de água na faixa de rodagem; I) Se não fosse a existência do lençol de água, conforme admite o Tribunal a quo, o A. continuaria o seu trajecto nos moldes em que o vinha fazendo; J) Assim sendo, o Tribunal a quo errou ao entender que o A. violou o art.º 24º, n.º 1 do Código da Estrada, na redacção introduzida pelo Dec.-Lei n.º 265-A/2001, de 28 de Setembro; K) Podia e devia o Tribunal a quo ter decidido de forma diferente, nomeadamente concluindo pela não violação por parte do A. do art.º 24º, n.º 1 do Código da Estrada, na redacção introduzida pelo Dec.-Lei n.º 265-A/2001, de 28 de Setembro e, consequentemente, pela não existência de culpa sua, condenando a R. a pagar-lhe o montante total despendido com a reparação do veículo.

Nestes termos, nos demais de direito aplicáveis, e sempre com o mui douto suprimento de V. Exas., deve a Sentença recorrida ser revogada e substituída por outra que considere a R. como única e exclusiva responsável pela ocorrência do acidente e consequentemente, a condene a pagar ao A. o montante total por este despendido com a reparação do veículo A ré Brisa SA.: 1ª Face à prova produzida, deverá considerar-se não provado o quesito 5º, de fls. 104 (facto 3 da douta sentença). Atender-se-á (para tanto) ao depoimento de Francisco Gil a fls. 236, à audição do depoimento de Rodrigo Pinto dos Santos (cassete nº1,lado B, de 0802 a 884) e aos factos 25, 26, 27 e 23 da douta sentença.

  1. Perante a aplicação feita pela 1ª instância do art. 493º, nº1 do C. Civil, que estabelece uma presunção de culpa da apelante e consequente ónus da prova de a ilidir, esta tem direito, como requereu a fls. 229, a que sejam quesitados os arts. 107º e 108º da contestação e a propor prova sobre esses factos.

  2. Ainda que as estruturas de escoamento se encontrassem PARCIALMENTE entupidas - não se sabe ainda se já o estavam na hora do acidente -,não foi determinado - face à sua capacidade e à permeabilidade do material - que estava assim impedido ou mesmo dificultado o escoamento da faixa de rodagem. Este último facto estava quesitado (quesito 24), mas a resposta foi de NÃO PROVADO.

  3. O A. circulava pela 2ª via a contar da esquerda.

  4. Não se sabe se havia na ocasião obstrução ao escoamento, mas sabe-se que não existia acumulação de água na via por onde o A. devia circular. Quando chove, a via mais à esquerda é a que tem mais água pois junta a que escorre das outras três; a via mais à direita é a que tem menos água.

  5. Ora o A. circulava indevidamente na 2ª via a contar da esquerda, com velocidade excessiva e não especialmente moderada, quando devia circular na via mais à direita, com menos água.

  6. Face à descrição constante dos factos 5 a 10 da douta sentença (fls. 250) terá de concluir-se que o A. não circulava a velocidade especialmente moderada, mas sim com velocidade excessiva, em violação do disposto nos arts.24º nº1 e 25º nº1, al.h) do Cód. da Estrada.

  7. Ao contrário do ponderado pela douta sentença (fls. 259), o acidente não foi "provocado pela existência de acumulação de água na via", mas sim por o A. não circular na via a que estava obrigado. Na via onde o A. devia circular não existia qualquer acumulação de água.

  8. Se o A. tivesse cumprido com o seu dever não tinha encontrado nenhuma acumulação de água. Só portanto ao A. pode ser imputado o acidente, uma vez que se circulasse por onde devia circular com nenhuma acumulação de água tinha deparado.

  9. Cada via tem 3,5 metros de largura (fls. 104, E) e F)). Se o A. circulasse 7 metros mais à direita podia não se ter despistado ou despistando-se não chegar a embater no separador central. Com essa folga ou espaço de mais 7 metros poderia ter feito os rodopios sem tocar em nada e portanto sem danos.

    11º Porque o A. tinha à sua frente uma visibilidade de 500 metros, caso existisse lençol de água devia ter-se desviado dele ou ter parado. Não o tendo feito violou o disposto no art. 24º nº1 do Cód. da Estrada.

  10. Nestes casos, de acidentes, quando deva ser-lhe imputável, a responsabilidade civil da Brisa é extra-obrigacional. O próprio A. parece nisso concordar ao pedir juros desde a citação e não desde a liquidação da obrigação, como ocorreria se se tratasse de responsabilidade contratual.

  11. Ao caso é inaplicável o art. 493º, nº1: "as hipótese exógenas (animais nas faixas de rodagem, água, gelo, peças à solta, gasóleo, etc.) não têm a ver com "danos causados pela auto-estrada, mas com outras realidades". Não lhes é aplicável o art. 493º, nº1 - Prof. Menezes Cordeiro, Igualdade Rodoviária e Acidentes de Viação nas Auto-Estradas, Almedina, 2004, pág. 48.

  12. Se o A. tivesse cumprido a lei estradal não teria sofrido o dano. Se o...

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