Acórdão nº 594/06-1 de Tribunal da Relação de Évora, 20 de Junho de 2006

Magistrado ResponsávelALBERTO BORGES
Data da Resolução20 de Junho de 2006
EmissorTribunal da Relação de Évora

Acordam, em audiência, os Juízes que compõem a Secção Criminal da Relação de Évora: 1. No Tribunal Judicial da Comarca de … correu termos o Proc. Comum Singular n.º …, no qual foi julgado o arguido E, melhor identificado na sentença de fol.ªs 111 a 132, datada de 20.12.2005, pela prática de um crime de difamação, p. e p. pelo art.º 180 n.º 1 do Código Penal, e um crime de injúria, p. e p. pelo art.º 181 n.º 1 do mesmo diploma legal.

O assistente J deduziu pedido de indemnização civil pedindo a condenação do arguido no pagamento da quantia de 12,500,00 euros, a título de danos não patrimoniais.

A final veio a decidir-se: - Julgar a acusação improcedente, por não provada, e absolver o arguido da prática dos crimes que lhe eram imputados; - Julgar o pedido de indemnização civil improcedente, por não provado, e absolver o arguido de tal pedido.

  1. Recorreu o assistente da sentença proferida, concluindo a motivação do seu recurso com as seguintes conclusões: a) O assistente vem interpor recurso da douta sentença proferida nos autos por considerar que a mesma apresenta: - Insuficiência da matéria de facto provada para a decisão; - Contradição insanável entre a fundamentação e a decisão; - Erro notório na apreciação da prova.

    b) A sentença recorrida sofre de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, uma vez que não foi feita prova das irregularidades contabilísticas. De facto existe insuficiência de prova da decisão da matéria de facto constante do ponto onde refere: "pelo cruzamento de quantidades facturadas e contabilizadas que fora conhecido pelo levantamento de materiais contabilizados efectuado pela … com o relatório de peritagem realizado por … existem irregularidades contabilísticas".

    c) A sentença recorrida sofre de erro notório na apreciação da prova, uma vez que o douto tribunal não considerou a prova testemunhal realizada em sede de audiência de julgamento no que toca: - à alteração realizada pelo arguido à listagem de facturação e contabilidade elaborada pela …; - à introdução pelo arguido de elementos que não constavam na referida listagem; - à realização pelo arguido de uma auditoria aos auditores, por não se mostrar satisfeito com o trabalho realizado por estes; - ao depoimento prestado pela testemunha B, que declarou não ter verificado qualquer indício de irregularidade contabilística; - ao facto do arguido ser licenciado em Direito, não possuindo qualquer habilitação académica na área de gestão ou contabilidade.

    d) Por outro lado, a sentença recorrida sofre do vício de contradição insanável da fundamentação. De facto, o douto tribunal não fundamenta a sua conclusão de que as imputações feitas pelo arguido serviram para realizar os interesses legítimos do arguido e que era legítimo ao arguido pensar que estava a ser enganado.

    e) As imputações em causa não visam realizar interesses legítimos e não são justificadas nem necessárias à salvaguarda dos interesses legítimos do arguido.

    f) O arguido não provou que tais afirmações se enquadram em algum meio juridicamente admissível para a protecção dos seus interesses legítimos (por exemplo, acção judicial de prestação de contas, etc.).

    g) As referidas imputações são desnecessárias, injustificadas e juridicamente relevantes.

    h) O douto tribunal errou, por ter aplicado o art.º 180 n.º 2 do CP ao caso sub judice; de facto, deveria ter aplicado o art.º 180 n.º 1 do CP, ou seja, deveria ter declarado a prática dos factos acima descritos como integrando do crime de difamação.

    i) Nesse sentido, deveria o douto tribunal ter condenado o arguido, pela prática do crime de difamação, na pena prevista no art.º 180 n.º 1 do CP.

    j) Deveria ainda o douto tribunal ter considerado como provados os factos integrantes da responsabilidade extra-contratual e, assim, condenar o arguido no pagamento da indemnização civil deduzida pelo assistente.

    k) Deverá o douto Tribunal da Relação conceder provimento ao recurso e, em consequência, revogar a sentença recorrida e condenar o arguido pela prática do crime de difamação de que vem acusado e, ainda, considerar procedente o pedido de indemnização civil deduzido pelo assistente e, assim, condenar o arguido no pagamento da referida indemnização.

  2. Admitido o recurso, respondeu o Ministério Público à motivação apresentada pelo recorrente, dizendo, em síntese: a) No caso é de liminar clarividência que os factos reportados na sentença como provados e não provados constituem o acervo factual de elementos, inclusivamente de origem típica, que consubstanciam o necessário e suficiente para se chegar à conclusão absolutória a que se chegou.

    b) Lida e relida a sentença condenatória, encontramos nela uma fundamentação lógica e escorreita, despida de contradições, mais do que necessária e suficiente para acompanhar o raciocínio da senhora Juiz, que escorou a sua decisão absolutória, concretamente, em todo o circunstancialismo dado como provado, mas supomos que, fundamentalmente, no depoimento do arguido, que explicou a sua posição e os interesses que visava defender, nas declarações da testemunha …, que efectuou o relatório de análise contabilística e detectou discrepâncias entre os valores necessários para as obras e os contabilizados, assim se justificando o "direito à indignação" do arguido.

    c) Os factos descritos na sentença e considerados provados e não provados não se apresentam, aos olhos de um observador dotado de mediana inteligência e experiência da vida, como contraditórios ou de verificação impossível, no contexto daquela descrição, e as conclusões alcançadas obedecem a claros princípios de racionalidade; percorrido todo o texto da decisão recorrida, não se detecta nela qualquer erro notório - a factualidade considerada provada é necessária e suficiente para se chegar à decisão condenatória a que se chegou e tal decisão está assente num raciocínio lógico, coerente, correctamente explanado e inatacável.

    d) É perfeitamente perceptível na sentença os elementos que, em razão das regras da experiência comum ou critérios lógicos, levaram à absolvição do arguido, sendo certo que não houve preterição de quaisquer procedimentos obrigatórios.

  3. Respondeu também o arguido, concluindo na sua resposta: a) Ficaram provadas as inúmeras irregularidades contabilísticas praticadas pelo assistente.

    b) Não ocorreu insuficiência para a decisão da matéria de facto provada (das irregularidades contabilísticas do assistente), pois é vasta a prova documental produzida.

    c) Também não existe erro notório na apreciação da prova das irregularidades contabilísticas do assistente, uma vez que o tribunal assentou a sua convicção em toda a vasta prova documental dessas irregularidades contabilísticas produzidas e não se pronunciou sobre a exacta quantificação dos materiais apropriados ilicitamente pelo assistente.

    d) Não existe o vício de contradição insanável da fundamentação quanto ao interesse legítimo do arguido, porque se prova documentalmente que o arguido é sócio da sociedade …, que adquirira, em 10.11.1998, a qualidade de co-titular da quota de valor nominal de 10.000.000$00, em comum e sem determinação de parte ou direito com seu pai …, bem como é representante desta quota indivisa (documento 1, de fol.ªs 285) e, assim, tais imputações - constantes da acta 39 - foram para realizar interesses legítimos desta sociedade e sócios, abordados em sede própria, na Assembleia Geral de Sócios de …, regularmente convocada.

    e) Não existe vício de contradição insanável da fundamentação, porque se provou que o arguido legitimamente pensou que estava, de facto, a ser enganado pelo assistente, como ficou patente pelo relatório de peritagem referente a uma avaliação da materiais empregues na obra de construção do edifício … (doc. n.ºs 16 e 17, de fol.ªs 714), a promiscuidade de contabilidade das duas sociedades, os lapsos admitidos e rectificados quando descobertos, as facturas contabilizadas que constam da contabilidade da …, emitidas por fornecedores em nome da … outras sobre serviços e materiais com guias de remessa em nome da … ou com guias de remessa em nome desta e entregues nas obras desta em …, que constam da contabilidade daquela.

    f) O arguido baseou-se em documentação e em estudos realizados que apontavam a veracidade das suas afirmações, pelo que deve negar-se provimento ao recurso.

  4. O Ministério Público junto deste tribunal emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.

  5. Cumprido o disposto no art.º 417 n.º 2 do CPP e colhidos...

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