Acórdão nº 01237/04.9BEBRG de Tribunal Central Administrativo Norte, 14 de Fevereiro de 2007
Magistrado Responsável | Dr |
Data da Resolução | 14 de Fevereiro de 2007 |
Emissor | Tribunal Central Administrativo Norte |
Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte: 1.
RELATÓRIO “E.P. - ESTRADAS DE PORTUGAL, EPE”, devidamente identificado nos autos a fls. 02, inconformado veio interpor recurso jurisdicional da sentença do TAF de Braga, datada de 24/10/2006, que julgou parcialmente procedente a acção administrativa comum, sob forma sumária, que contra o mesmo havia sido instaurado por C… e que o condenou no pagamento a esta da quantia de € 6.556,39, quantia essa acrescida “...
de juros legais desde 19/12/2005 e naquilo que se liquidar em execução de sentença relativamente aos danos referidos nos pontos 18 e 19 do probatório ...
”.
Formula, nas respectivas alegações (cfr. fls. 146 e segs.
), as seguintes conclusões: “(...) A) Não era previsível aos Serviços da EP-EPE que, em estrada de recta com aqueduto e inclinação e com sistema de drenagem constituído por valetas em betão e bueiros e juntas de dilatação com espaços, se viesse a formar um lençol de água no piso; B) Não era previsível para os técnicos da EP nem para a população e utentes da estrada que nunca expuseram ou alertaram para qualquer existência de perigo ou deficiência da drenagem da estrada; C) O único carro afectado, até hoje, pelo lençol de água, que só uma vez e por instantes, no dia do acidente se formou, em dia chuvoso, de chuveiro intenso e fluxo de água anormal, foi o dos autos; d) O acidente ficou a dever-se a caso fortuito, força maior.
… Na verdade, o Tribunal a quo errou no julgamento, na apreciação da prova, tendo violado as seguintes normas jurídicas na prolação da sentença: Arts. 349.º, 350.º n.º 2, 483.º e 487.º n.º 2, do Código Civil; Arts. 4.º e 6.º do Decreto-Lei n.º 48.051 de 21 de Novembro de 1967 (...).” Conclui no sentido de que deve dar-se provimento ao presente recurso jurisdicional, revogando-se a decisão recorrida, absolvendo-a totalmente do pedido.
A A., ora recorrida, apresentou contra-alegações (cfr. fls. 164 e segs.
), nas quais concluiu pela manutenção do julgado e improcedência do recurso, formulando as seguintes conclusões: “(...) 1ª Está provado nos autos que: “A berma esquerda não se encontrava limpa, apresentando concentração de terra e ervas” (11); “Assim potenciando a retenção de águas e lixos” (12); “A acumulação de água no local do sinistro deveu-se à existência de terra e lixo na berma esquerda, o que impediu o normal escoamento da água da chuva” (13): “No momento do embate nem sequer chovia”; 2ª Nada foi alegado ou ficou provado que alicerce as conclusões do recurso sub judice; 3ª A douta decisão recorrida fez correcta aplicação do direito aos factos assentes, pelo que, mantendo-se in totum, será feita JUSTIÇA.
(...)”.
O Ministério Público junto deste Tribunal notificado nos termos e para efeitos do disposto no art. 146.º do CPTA não emitiu qualquer pronúncia (cfr. fls. 186 e segs. – paginação do suporte em processo físico).
Dispensados os vistos legais foram os autos submetidos à Conferência para julgamento.
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DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO - QUESTÕES A APRECIAR Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pelo recorrente, sendo certo que, pese embora por um lado, o objecto do recurso se acha delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, nos termos dos arts. 660.º, n.º 2, 664.º, 684.º, n.ºs 3 e 4 e 690.º, n.º 1 todos do Código de Processo Civil (CPC) “ex vi” art. 140.º do CPTA, temos, todavia, que, por outro lado, nos termos do art. 149.º do CPTA o tribunal “ad quem” em sede de recurso de apelação não se limita a cassar a sentença recorrida, porquanto ainda que declare nula a sentença decide “sempre o objecto da causa, conhecendo de facto e de direito”, pelo que os recursos jurisdicionais são “recursos de ‘reexame’ e não meros recurso de ‘revisão’” [cfr. Prof. J. C. Vieira de Andrade in: “A Justiça Administrativa (Lições)”, 8ª edição, págs. 459 e segs.
; Prof. M. Aroso de Almeida e Juiz Cons. C. A. Fernandes Cadilha in: “Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos”, pág. 737, nota 1; Dr.ª Catarina Sarmento e Castro em “Organização e competência dos tribunais administrativos” - “Reforma da Justiça Administrativa” – in: “Boletim da Faculdade de Direito Universidade de Coimbra - Stvdia ivridica 86”, págs. 69/71].
As questões suscitadas reconduzem-se, em suma, em determinar se ocorreu ou não violação dos arts. 349.º, 350.º, n.º 2, 483.º e 487.º n.º 2, do Código Civil, 04.º e 06.º do DL n.º 48.051 de 21/11/1967 por parte da decisão jurisdicional objecto de impugnação quando esta julgou parcialmente procedente a acção administrativa comum, sob forma sumária, em presença e condenou a aqui recorrente no pagamento de indemnização emergente de responsabilidade civil extracontratual [cfr. conclusões de recurso supra reproduzidas].
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FUNDAMENTOS 3.1.
DE FACTO Da decisão recorrida [com o suprimento da deficiência técnica dela constante na reprodução dos “factos” relativos aos docs. n.ºs 1, 2 e 3 juntos com a petição inicial e que foram fixados nas als. A) a C) da matéria de facto assente] resultaram provados os seguintes factos: I) Foi elaborado auto denominado de “Participação de acidente de viação” pela GNR – BT (Destacamento de Viana do Castelo) relativo a acidente ocorrido em 21/09/2002, pelas 15.30 horas, no qual foi interveniente o veículo automóvel ligeiro de passageiros, matrícula XF-… pertencente e conduzido pela aqui A., com o teor constante de fls. 07 a 10 dos presentes autos e cujo teor aqui se dá por reproduzido, sendo que na “descrição do acidente” o participante fez constar o seguinte: “...
Das averiguações efectuadas no local, posição final do veículo interveniente e características da via, o acidente ter-se-á dado da seguinte forma: O veículo n.º 1 circulava no IP1 no sentido S.P. da Torre/Valença, próximo do Km 116,800-Arão, entrou em despiste motivado pela existência de um lençol de água acumulado em toda a largura da faixa de rodagem, colidindo por duas vezes nos protectores metálicos laterais, ficando imobilizado na via de trânsito da esquerda. Do acidente resultaram danos materiais na frente e retaguarda do veículo e nos protectores laterais ...
”[al. A) da matéria de facto assente]; II) A titularidade do veículo automóvel marca “Ford”, matrícula XF-… encontra-se registada desde 23/08/1991 em favor da aqui A. (cfr. documento n.º 2 inserto a fls. 11 dos autos) [al. B) da matéria de facto assente]; III) Do livrete relativo ao veículo automóvel com a matrícula XF-… consta marca “Ford”, modelo “Escort 1.4 (AAL)”, categoria “ligeiro” de “passageiros”, ano “1991” (cfr. documento n.º 3 inserto a fls. 11 dos autos) [al. C) da matéria de facto assente]; IV) No momento do acidente, o réu não tinha sinalizado previamente, por qualquer forma, o potencial perigo para os automobilistas existente no local daquele [al. D) da matéria de facto assente]; V) No dia 21 de Setembro de 2002, cerca das 15.30 horas, a autora conduzia XF... (XF), no Itinerário Principal 1, no sentido S.P. Torre/Valença [resposta ao item 01.º) da base instrutória]; VI) Ao km 116,800, no início do viaduto de Arão, a autora deparou, súbita e inesperadamente, com um “lençol de água”, a toda a largura da faixa de rodagem, atravessando-a no sentido Sul/Norte (perpendicular ao da autora) [resposta ao item 03.º) da base instrutória]; VII) O XF, completamente desgovernado, por falta de aderência das rodas ao solo, embateu nos protectores metálicos de ambos os lados da estrada, qual barco à deriva [resposta ao item 04.º) da base instrutória]; VIII) Imobilizando-se na via de trânsito da esquerda, junto aos ‘rails’ [resposta ao item 05.º) da base instrutória]; IX) Sendo que, no momento do embate, nem sequer chovia [resposta ao item 08.º) da base instrutória]; X) No local, o troço é uma recta com inclinação [resposta ao item 09.º) da base instrutória]; XI) Sendo que a berma esquerda não se encontrava limpa, apresentando concentração de terra e de ervas [resposta ao item 11.º) da base instrutória]; XII) Assim potenciando a retenção de águas e lixos [resposta ao item 12.º) da base instrutória]; XIII) A acumulação de água no local do sinistro deveu-se à existência de terra e lixo na berma esquerda, o que impediu o normal escoamento da água da chuva [resposta ao item 13.º) da base instrutória]; XIV) Em consequência do descrito despiste, o veículo da autora sofreu inúmeros danos na frente, na retaguarda e nas laterais, designadamente no ‘capot’, guarda-lamas, pára-choques, faróis, radiador, amortecedores, suspensão, janelas, caixa eléctrica, pára-brisas, vidro, etc. [resposta ao item 15.º) da base instrutória]; XV) Cuja reparação foi orçada em € 5.509,57 + IVA [resposta ao item 16.º) da base instrutória]; XVI) Quantia de que a autora não dispõe [resposta ao item 17.º) da base instrutória]; XVII) O veículo encontra-se depositado na oficina [resposta ao item 18.º) da base instrutória]; XVIII) A privação do uso do veículo causou transtornos à autora [resposta ao item 19.º) da base instrutória]; XIX) A privação de uso do veículo obrigou a autora a socorrer-se do veículo dos seus pais [resposta ao item 20.º) da base instrutória]; XX) Pois o outro veículo que o casal possui é utilizado quase exclusivamente pelo marido da autora para satisfação das suas necessidades, designadamente laborais [resposta ao item 21.º) da base instrutória]; XXI) À data do acidente, o XF estava em bom estado geral de conservação [resposta ao item 25.º) da base instrutória]; XXII) No dia do acidente houve precipitação no local deste [resposta ao item 30.º) da base instrutória]; XXIII) O traçado do local do acidente é uma rampa [resposta ao item 31.º) da base instrutória]; XXIV) O traçado do IP 1 no local dos autos corresponde a um trainel em perfil longitudinal, e em planta é de facto uma recta [resposta ao item 32.º) da base instrutória].
3.2.
DE DIREITO Assente a factualidade apurada cumpre, agora, entrar na análise da questão suscitada para se concluir pela procedência ou improcedência da...
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